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Dando continuidade à série de
artigo sobre matéria escura, neste segundo, falarei sobre sua composição e a
importância na formação de estruturas.
A primeira pergunta que podemos fazer é: A matéria escura existe? E uma vez que exista, do que é composta?
O modelo MOND (discutiremos em um post posterior) prevê uma modificação das leis da mecânica newtoniana para objetos em grande escala e a grandes distâncias.
O problema é que isso viola os princípios de Homogeneidade e de Isotropia do Universo, que dizem: se o Universo for visto em uma grande escala, as propriedades do Universo são as mesmas para todos os observadores. Isto se chama princípio cosmológico. Simplificando ainda mais, podemos dizer que a parte observável é representativa do todo e as leis que valem aqui, valem para todo o Universo.
Assim, mantendo o princípio cosmológico, precisamos encontrar algum “material”, “entidade” ou “ser”, como queiram chamar, para explicar a existência de uma gravidade superior àquela encontrada apenas observando a matéria bariônica (que simplificaremos com sendo aquela que absorve e emite algum tipo de radiação).
Existem dois tipos, a chamada matéria escura quente e a matéria
escura fria.
A matéria escura quente é aquela composta por partículas, como os neutrinos, que viajam à velocidade ultrarrelativística, ou seja, próxima à velocidade da luz e possuem uma massa pequena. Existem equipamentos, como o Observatório de Neutrinos Super-Kamiokande, em Gifu, no Japão, que procuram estas partículas.
Figura 1 – Interior do Observatório de Neutrinos Super-Kamiokande, em Gifu, Japão. Um tanque de água pura, localizado a uma profundidade de 1km e repleta de sensores. Podemos ver alguns técnicos dentro de um bote fazendo a manutenção.
Já a matéria escura fria, mais massiva, possui uma velocidade relativamente menor em comparação à quente. Pode ser encontrada na forma de Objetos Massivos do Halo (MACHOs, em inglês), como os buracos negros; Associações Robustas de Objetos Bariônicos Massivos (RAMBOs, em inglês), como aglomerados de anãs marrons; e/ou uma classe de partículas pesadas denominadas WIMPS, ou Partículas Massivas de Fraca Interação, (é, eu sei que os astrônomos adoram estes acrônimos!), além dos áxions, uma partícula elementar ainda hipotética.
Figura 2 – Simulações computacionais servem para comparar os modelos cosmológicos com os diferentes tipos de matéria escura. Temos, da esquerda para a direita, resultados de simulações com matéria escura quente, morna e fria, respectivamente.
A importância em sabermos qual o tipo de matéria escura existente está no fato em que esta fornece a explicação de como se deu a formação de estruturas do Universo.
Se a matéria escura for quente, sua interação e velocidade
impediriam a formação de estruturas em escalas menores que superaglomerados.
Posteriormente estes superaglomerados se fragmentariam em aglomerados e finalmente
em galáxias individuais.
O modelo mais aceito para a formação de estruturas de
galáxias é exatamente o contrário. Chamado de Modelo Hierárquico. Protogaláxias
em regiões centrais de halos de matéria escura fria colidem para formar
estruturas cada vez maiores. De protogaláxias para galáxias, depois formariam aglomerados
e superaglomerados.
Além da matéria escura quente e fria, alguns trabalhos recentes especulam a existência de um terceiro tipo, a matéria escura morna. Composta de partículas de massa intermediária, ainda não descobertas, parecem adequar-se a algumas estruturas observadas.
Diversos autores produzem modelos computacionais de formação
de estruturas em que porcentagens diferentes de matéria escura são adicionadas
para conseguir explicar o Universo observável.
Sei que acrescentei muito mais dúvidas que explicação, mas espero que tenham gostado desta discussão sobre a composição da matéria escura. Na próxima semana falaremos um pouco mais sobre esta “entidade”.
As if this Hubble Space Telescope picture isn't cluttered enough with myriad galaxies, nearby asteroids photobomb the image, their trails sometimes mimicking background astronomical phenomena. The stunningly beautiful galaxy cluster Abell 370 contains an astounding assortment of several hundred galaxies tied together by the mutual pull of gravity. Located approximately 4 billion light-years away in the constellation Cetus, the Sea Monster, this immense cluster is a rich mix of a variety of galaxy shapes. Entangled among the galaxies are thin, white trails that look like curved or S-shaped streaks. These are trails from asteroids that reside, on average, only about 260 million kilometres from Earth — right around the corner in astronomical terms. The trails appear in multiple Hubble exposures that have been combined into one image. Of the 22 total asteroid sightings for this field, five are unique objects. These asteroids are so faint that they were not previously identified. The asteroid trails look curved due to an observational effect called parallax. As Hubble orbits around Earth, an asteroid will appear to move along an arc with respect to the vastly more distant background stars and galaxies. The motion of Earth around the Sun, and the motion of the asteroids along their orbits, are other contributing factors to the apparent skewing of asteroid paths. All the asteroids were found manually, the majority by "blinking" consecutive exposures to capture apparent asteroid motion. Astronomers found a unique asteroid for every 10 to 20 hours of exposure time. These asteroid trails should not be confused with the mysterious-looking arcs of blue light that are actually distorted images of distant galaxies behind the cluster. Many of these far-flung galaxies are too faint for Hubble to see directly. Instead, in a dramatic example of "gravitational lensing," the cluster functions as a natural telescope, warping space and affecting light traveling through the cluster towa
Hoje, dia 26 de março de 2020, diversas cidades e estados estão em quarentena devido ao surto do COVID-19. Um vírus que teve origem na China, mas se espalhou por todo o globo terrestre (sim, a Terra é redonda!). Escolas, centros comerciais e equipamentos culturais (como museus, teatros, cinemas, etc.) fecharam temporariamente suas portas para tentar minimizar a propagação do vírus.
A Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro está fazendo a sua parte!! Estamos fechados para a visitação presencial, mas toda a equipe continua trabalhando, principalmente em regime conhecido como home office, ou seja, em casa, para a segurança de nossos funcionários e mantendo a excelência de nossos serviços.
Com este intuito, a fim de manter a divulgação da Astronomia e do conhecimento científico de uma forma geral, farei uma série de pequenos artigos sobre o tema: “A Matéria Escura”. Este assunto gera enorme interesse em todas pessoas que gostam desta ciência. Assim, dividirei em pequenos tópicos que apresentarei semanalmente, para que nossos leitores possam ler, aprender um pouco mais e interagir através de perguntas enviadas para as nossas mídias sociais (Facebook, Twitter, Instagram, etc.)
Introdução
Para falar de matéria escura, primeiramente
pedirei para o leitor fazer um pequeno exercício de imaginação.
Vocês gostam de filmes de terror? Lembram-se daqueles em que portas abrem e fecham sozinhas? Correntes são arrastadas e passos são ouvidos no sótão e no porão? Já adivinharam sobre o que estou falando? Claro que estou descrevendo efeitos observados de um personagem comum da imaginação popular: o fantasma! A menos que carregue um lençol branco, só poderemos constatar a presença desta entidade quando os efeitos acima descritos são percebidos.
Não querendo ofender nenhuma crença ou
religião, para a Ciência, isto é apenas fruto de nossa imaginação e pode ser
explicado de diversas formas, mas esta não é a intenção deste artigo.
Agora imagine uma “entidade” cuja presença é
detectada pela forma como esta interage gravitacionalmente com os corpos em seu
entorno, influenciando a movimentação e a forma da curva de rotação de
galáxias, a velocidade de estrelas dentro de aglomerados estelares, a colisão
de galáxias e até possibilitando observar objetos tão distantes que nem os
melhores telescópios atuais possuem resolução espacial suficiente para
enxergar!
Para esta “entidade” damos o nome de matéria
escura!! Uma matéria que não pode ser verificada por nenhum detector de emissão
eletromagnética, em nenhum comprimento de onda, nem no raio gama, no
ultravioleta, no visível, no infravermelho, no micro-ondas, no raio X, etc.,
mas seus efeitos gravitacionais em materiais visíveis, chamados de matéria
bariônica, são observados de maneira direta e contundente.
A matéria bariônica, para simplificar a compreensão do leitor, é aquela que podemos observar através de algum tipo de interação eletromagnética, que emite “luz” em algum tipo de comprimento de onda listado acima. Apesar de ser a matéria que observamos diariamente e através dela termos a noção da pequenez de nossa existência, observando as estrelas, os planetas e as galáxias, a matéria bariônica é apenas 5% da densidade de energia do Universo. O restante, aproximadamente 22%, é de matéria escura e 73% está na forma de energia escura (falaremos sobre isso em outros artigos).
Os primeiros observadores da matéria escura
Para iniciar esta série de textos, falarei
sobre as observações e os trabalhos que foram feitos para a descoberta e a
comprovação da matéria escura.
Fritz Zwick e o aglomerado de Coma
O primeiro cientista a propor a existência da
matéria escura foi Fritz Zwick, um astrônomo suíço que, usando um teorema
físico chamado Virial, observou o movimento das galáxias no aglomerado de Coma,
em 1933. Zwick observou uma anomalia ao estimar a massa gravitacional do
aglomerado, utilizando a velocidade rotacional das galáxias, em comparação à
massa obtida através da observação direta da luminosidade emitida pelas
estrelas, nebulosas e o envoltório de gás.
Figura 1 – Fritz Zwick – primeiro astrônomo a observar a existência da matéria escura, além de ter cunhado este verbete em 1933.
Zwick estimou que existiria uma quantidade
400 vezes maior de massa que não emitia radiação eletromagnética, matéria
escura, em relação à matéria bariônica. Hoje sabemos que 90% da massa do
aglomerado é composta de matéria escura.
Vera Rubin e as curvas de rotação das galáxias
Figura 2 – Vera Rubin liderou diversos grupos de pesquisa sobre a curva de rotação das galáxias, levando ao reconhecimento da existência da matéria escura.
“Como é possível você viver no planeta Terra
e não querer estudar o Universo”. Esta frase icônica da astrônoma
norte-americana Vera Rubin exprime muito desta mulher pioneira em uma área
dominada por homens nos anos de 1970.
No final dos anos de 1960 e início dos anos
de 1970, Vera Rubin estudou a velocidade de rotação de galáxias próximas, de
uma forma bem precisa e sistemática. Ao publicar seu trabalho, mostrou que
existia uma discrepância entre o valor calculado, através da Lei de Kepler, e o
valor observado. Ela encontrou uma constância na velocidade de rotação para as
regiões mais afastadas do centro das galáxias.
Figura 3 – Curva de rotação da Via Láctea. Podemos ver neste gráfico duas linhas, uma calculada sem a matéria escura (linha que desce continuamente com a distância) em que o Sol, devido à distância, deveria girar ao redor do centro galáctico com uma velocidade de 160km/s, e a curva observada, em que temos a velocidade real de rotação de 220km/s. A explicação mais aceita é a presença de matéria escura.
Para tentarmos explicar esta constância,
podemos tentar contornar utilizando uma teoria alternativa, chamada MOND ou
Dinâmica Newtoniana Modificada, que não tem muita aceitação no meio acadêmico.
Poderemos falar sobre ela em um outro momento, ou propor a existência da
matéria escura. Esta última é muito mais aceita, não apenas pela simplicidade, mas
também por ter mais evidências de sua existência.
O aglomerado da bala
Figura 4 – O aglomerado da bala, uma colisão de dois aglomerados de galáxias que mostra a separação entre o componente de gás (rosa) e a distribuição de galáxias e de matéria escura (azul).
Este objeto é o resultado de uma colisão de
dois aglomerados de galáxias e nos mostra de forma clara como a matéria escura influencia
no resultado de um encontro entre cada um dos componentes destes aglomerados.
A imagem mostra uma composição feita com observações
do telescópio espacial em raio X, o Chandra, e do telescópio espacial, no
comprimento de onda visível, o Hubble.
A observação em raio X nos mostra os
componentes de gás intergaláctico que colidiram, aquecendo-se, e estão
representados na imagem pela cor rosa. Observe que o gás está na região mais
central, pois, por ser mais disperso e interagir de forma mais eficiente,
“ficou para trás”.
A região azulada representa a distribuição de
matéria escura na qual as galáxias estão imersas. Como as galáxias não se
colidem individualmente, porque suas dimensões são bem menores em relação à
separação entre elas, atravessaram a área central da colisão, acompanhando a
matéria escura e separando-se do envoltório intergaláctico de gás.
Lentes gravitacionais
A distorção do espaço-tempo permite que
façamos inúmeros trabalhos. Um deles é observar objetos que estão atrás de
outros mais próximos (um exemplo foi a observação de uma estrela que se
encontrava angularmente atrás do Sol durante o eclipse de 1919 em Sobral, no
Ceará, e na Ilha do Príncipe, na costa da África, servindo para comprovar a
Teoria da Relatividade Geral).
Figura 5 – Imagem da placa original do eclipse de Sobral que comprovou a Teoria da Relatividade Geral.Figura 6 – Esquema da curvatura do espaço-tempo que explica a sua distorção.
Uma outra utilização é determinar a massa que
está causando esta deformação, uma vez que algumas destas são provocadas por
matéria que não emite nenhum tipo de radiação, ou seja, pela matéria escura, que
pode estar em uma galáxia supermassiva ou em um aglomerado de galáxia.
Veja abaixo a imagem de lentes gravitacionais
e a explicação gráfica do caminho percorrido pela luz. Existem diversos objetos
que comprovam, tanto a existência das lentes gravitacionais, quanto da matéria
escura que as provocam.
Figura 7 – Nesta imagem observamos como são formados a estrutura conhecida como Cruz de Einstein (a) e os Arcos galácticos (b). No lado esquerdo encontram-se as imagens reais, e no centro e na direita, como são formadas.
Estamos terminando este primeiro texto sobre
a matéria escura. Colocarei semanalmente esta série de textos tentando
elucidar, e até mesmo criar mais dúvidas, para os nossos leitores.
Continuem a nos seguir pelas diversas mídias sociais.
Teremos novidades todos os dias.
A Ciência deve, com toda certeza, ser ousada. Uma manifestação dessa ousadia necessária é confrontar teorias antigas com novas, que podem fornecer uma melhor explicação a um certo fenômeno. Algumas vezes novas teorias substituem antigas; outras vezes, as novas se mostram insuficientes e se perdem pelo caminho, sendo esquecidas. Nas últimas décadas, poucas teorias têm sido tão confrontadas com teorias alternativas como a Matéria Escura.
Várias observações astronômicas não podem ser explicadas apenas com a matéria que emite luz e conseguimos observar diretamente. Por exemplo, alguns aglomerados de galáxias não conseguiriam manter suas galáxias juntas apenas com a gravidade da matéria que observamos. A velocidade do Sol ao redor do centro da Via Láctea é maior do que deveria ser se considerarmos apenas a matéria luminosa. Para resolver esses e outros problemas, formulou-se a hipótese da Matéria Escura Não Bariônica, ou apenas Matéria Escura. Ela seria formada por coisas bastante diferentes das partículas que formam nossa matéria comum de prótons e elétrons. (Leia mais sobre matéria escura aqui e aqui).
Devido ao caráter exótico da Matéria Escura, muitos cientistas não gostam dela e buscam explicações alternativas. Uma delas é a Gravidade Entrópica ou Gravidade Emergente do físico teórico holandês Erik Verlinde. Essa teoria diz que a gravidade não se comporta em grande escala da mesma forma que se comporta aqui na superfície da Terra.
A teoria da Gravidade Emergente diz que a gravidade comporta-se de maneira diferente aqui na superfície da Terra e em escala galáctia e cosmológica ( Imagem: NASA)
Uma fórmula clássica da física diz que a intensidade da força gravitacional entre dois corpos de massa m1 e m2 é dada por:
F=G(m1 e m2)/r2
onde G é uma constante e r a distância entre os dois corpos. Essa equação está nos dizendo que a força gravitacional cai com o quadrado da distância, ou seja: se a distância aumenta 2, a força cai 4; se a distância aumenta 3, a força cai 9; se a distância aumenta 4, a força cai 16 e assim por diante.
A teoria de Verlinde diz que o comportamento da gravidade é esse apenas para distâncias curtas, mas que precisa ser alterado quando lidamos com escala galáctica e intergaláctica ou cosmológica. Nessas escalas, uma interação entre a Energia Escura e a matéria comum faria a gravidade cair menos, produzindo um excesso de gravidade. Tal excesso de gravidade é o que estaríamos atribuindo à ação da Matéria Escura.
Não confunda Energia Escura com Matéria Escura. A Energia Escura é uma energia, cuja fonte não conhecemos, responsável pela aceleração da expansão do Universo. Há alguns anos atrás um grupo de pesquisadores do Observatório Nacional e o Planetário realizaram uma palestra que abordou uma inciativa internacional para pesquisa da Energia Escura e outros tópicos.
Um grupo de astrônomos comparou a observação de lentes gravitacionais com as densidades de matéria comum prevista pela teoria da Gravidade Emergente para um conjunto de 33.613 galáxias (veja uma explicação sobre lentes gravitacionais aqui). A comparação entre as densidades superficiais de massa observadas e as previstas pela teoria mostraram grande concordância, e esse foi o primeiro teste favorável à teoria.
Mas, como os próprios autores do trabalho dizem bem no começo do trabalho:
“Apesar dessa performance ser notável, esse estudo é apenas um primeiro passo. Mais avanços tanto no campo teórico como no dos testes observacionais da teoria da Gravidade Emergente são necessários antes dela ser considerada uma teoria completamente desenvolvida e solidamente testada.”
Esse foi, portanto, um ponto para a teoria, mas ainda estamos muito longe de podermos descartar a Matéria Escura. Ela ainda encontra-se nas bases de nossa atual compreensão do Universo.