A matéria escura – introdução e primeiras observações
Hoje, dia 26 de março de 2020, diversas cidades e estados estão em quarentena devido ao surto do COVID-19. Um vírus que teve origem na China, mas se espalhou por todo o globo terrestre (sim, a Terra é redonda!). Escolas, centros comerciais e equipamentos culturais (como museus, teatros, cinemas, etc.) fecharam temporariamente suas portas para tentar minimizar a propagação do vírus.
A Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro está fazendo a sua parte!! Estamos fechados para a visitação presencial, mas toda a equipe continua trabalhando, principalmente em regime conhecido como home office, ou seja, em casa, para a segurança de nossos funcionários e mantendo a excelência de nossos serviços.
Com este intuito, a fim de manter a divulgação da Astronomia e do conhecimento científico de uma forma geral, farei uma série de pequenos artigos sobre o tema: “A Matéria Escura”. Este assunto gera enorme interesse em todas pessoas que gostam desta ciência. Assim, dividirei em pequenos tópicos que apresentarei semanalmente, para que nossos leitores possam ler, aprender um pouco mais e interagir através de perguntas enviadas para as nossas mídias sociais (Facebook, Twitter, Instagram, etc.)
Introdução
Para falar de matéria escura, primeiramente pedirei para o leitor fazer um pequeno exercício de imaginação.
Vocês gostam de filmes de terror? Lembram-se daqueles em que portas abrem e fecham sozinhas? Correntes são arrastadas e passos são ouvidos no sótão e no porão? Já adivinharam sobre o que estou falando? Claro que estou descrevendo efeitos observados de um personagem comum da imaginação popular: o fantasma! A menos que carregue um lençol branco, só poderemos constatar a presença desta entidade quando os efeitos acima descritos são percebidos.
Não querendo ofender nenhuma crença ou religião, para a Ciência, isto é apenas fruto de nossa imaginação e pode ser explicado de diversas formas, mas esta não é a intenção deste artigo.
Agora imagine uma “entidade” cuja presença é detectada pela forma como esta interage gravitacionalmente com os corpos em seu entorno, influenciando a movimentação e a forma da curva de rotação de galáxias, a velocidade de estrelas dentro de aglomerados estelares, a colisão de galáxias e até possibilitando observar objetos tão distantes que nem os melhores telescópios atuais possuem resolução espacial suficiente para enxergar!
Para esta “entidade” damos o nome de matéria escura!! Uma matéria que não pode ser verificada por nenhum detector de emissão eletromagnética, em nenhum comprimento de onda, nem no raio gama, no ultravioleta, no visível, no infravermelho, no micro-ondas, no raio X, etc., mas seus efeitos gravitacionais em materiais visíveis, chamados de matéria bariônica, são observados de maneira direta e contundente.
A matéria bariônica, para simplificar a compreensão do leitor, é aquela que podemos observar através de algum tipo de interação eletromagnética, que emite “luz” em algum tipo de comprimento de onda listado acima. Apesar de ser a matéria que observamos diariamente e através dela termos a noção da pequenez de nossa existência, observando as estrelas, os planetas e as galáxias, a matéria bariônica é apenas 5% da densidade de energia do Universo. O restante, aproximadamente 22%, é de matéria escura e 73% está na forma de energia escura (falaremos sobre isso em outros artigos).
Os primeiros observadores da matéria escura
Para iniciar esta série de textos, falarei sobre as observações e os trabalhos que foram feitos para a descoberta e a comprovação da matéria escura.
Fritz Zwick e o aglomerado de Coma
O primeiro cientista a propor a existência da matéria escura foi Fritz Zwick, um astrônomo suíço que, usando um teorema físico chamado Virial, observou o movimento das galáxias no aglomerado de Coma, em 1933. Zwick observou uma anomalia ao estimar a massa gravitacional do aglomerado, utilizando a velocidade rotacional das galáxias, em comparação à massa obtida através da observação direta da luminosidade emitida pelas estrelas, nebulosas e o envoltório de gás.
Zwick estimou que existiria uma quantidade 400 vezes maior de massa que não emitia radiação eletromagnética, matéria escura, em relação à matéria bariônica. Hoje sabemos que 90% da massa do aglomerado é composta de matéria escura.
Vera Rubin e as curvas de rotação das galáxias
“Como é possível você viver no planeta Terra e não querer estudar o Universo”. Esta frase icônica da astrônoma norte-americana Vera Rubin exprime muito desta mulher pioneira em uma área dominada por homens nos anos de 1970.
No final dos anos de 1960 e início dos anos de 1970, Vera Rubin estudou a velocidade de rotação de galáxias próximas, de uma forma bem precisa e sistemática. Ao publicar seu trabalho, mostrou que existia uma discrepância entre o valor calculado, através da Lei de Kepler, e o valor observado. Ela encontrou uma constância na velocidade de rotação para as regiões mais afastadas do centro das galáxias.
Para tentarmos explicar esta constância, podemos tentar contornar utilizando uma teoria alternativa, chamada MOND ou Dinâmica Newtoniana Modificada, que não tem muita aceitação no meio acadêmico. Poderemos falar sobre ela em um outro momento, ou propor a existência da matéria escura. Esta última é muito mais aceita, não apenas pela simplicidade, mas também por ter mais evidências de sua existência.
O aglomerado da bala
Este objeto é o resultado de uma colisão de dois aglomerados de galáxias e nos mostra de forma clara como a matéria escura influencia no resultado de um encontro entre cada um dos componentes destes aglomerados.
A imagem mostra uma composição feita com observações do telescópio espacial em raio X, o Chandra, e do telescópio espacial, no comprimento de onda visível, o Hubble.
A observação em raio X nos mostra os componentes de gás intergaláctico que colidiram, aquecendo-se, e estão representados na imagem pela cor rosa. Observe que o gás está na região mais central, pois, por ser mais disperso e interagir de forma mais eficiente, “ficou para trás”.
A região azulada representa a distribuição de matéria escura na qual as galáxias estão imersas. Como as galáxias não se colidem individualmente, porque suas dimensões são bem menores em relação à separação entre elas, atravessaram a área central da colisão, acompanhando a matéria escura e separando-se do envoltório intergaláctico de gás.
Lentes gravitacionais
A distorção do espaço-tempo permite que façamos inúmeros trabalhos. Um deles é observar objetos que estão atrás de outros mais próximos (um exemplo foi a observação de uma estrela que se encontrava angularmente atrás do Sol durante o eclipse de 1919 em Sobral, no Ceará, e na Ilha do Príncipe, na costa da África, servindo para comprovar a Teoria da Relatividade Geral).
Uma outra utilização é determinar a massa que está causando esta deformação, uma vez que algumas destas são provocadas por matéria que não emite nenhum tipo de radiação, ou seja, pela matéria escura, que pode estar em uma galáxia supermassiva ou em um aglomerado de galáxia.
Veja abaixo a imagem de lentes gravitacionais e a explicação gráfica do caminho percorrido pela luz. Existem diversos objetos que comprovam, tanto a existência das lentes gravitacionais, quanto da matéria escura que as provocam.
Estamos terminando este primeiro texto sobre a matéria escura. Colocarei semanalmente esta série de textos tentando elucidar, e até mesmo criar mais dúvidas, para os nossos leitores.
Continuem a nos seguir pelas diversas mídias sociais. Teremos novidades todos os dias.
Jorge Marcelino das Santos Junior
Astrônomo