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Coluna do Astrônomo

Nossos Astros na Ficção Científica: Júpiter


Júpiter: rei dos deuses, rei dos planetas.

Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos de Júpiter.

Entre os planetas, o brilho forte de Júpiter é apenas superado pelo de Vênus mas, ao contrário deste, visível somente antes do nascente ou depois do poente, pode ser avistado durante a noite inteira.

Para os povos germânicos, um corpo de tal brilho e proeminência só podia ser associado a Thor. Os sumérios o chamavam de Enlil, o deus do ar, ventos e tempestades, que separou seu pai e sua mãe (O Céu e a Terra) ao nascer. Para os hindus era Brihaspathi, importante conselheiro dos deuses; os babilônios o tinham como Marduk – seu deus principal. Isto pode ter influenciado os gregos, pois em um momento inicial era identificado por Faetonte, um filho de Apolo, mas gradativamente acabaram associando-o com Zeus, líder do panteão. Por tabela, os romanos o chamaram de Júpiter.


Marduk.

Thor.

Júpiter.

Júpiter é o quinto planeta a partir do Sol, e o primeiro dentre os planetas jovianos. Até então, de Mercúrio a Marte, havia o domínio dos planetas ditos rochosos – qual a Terra, mundos pequenos, de relativa baixa gravidade. A partir de Júpiter, começa o domínio dos gigantes gasosos do sistema solar: planetas com gravidade mais intensa, capazes de reter uma grande camada de atmosfera. Dentre os gigantes jovianos, Júpiter é o maior, sendo o dito rei dos planetas do nosso sistema solar. Com um cortejo de 79 luas (descobertas até agora), suas quatro maiores sendo descobertas por Galileu. Ele leva quase 12 de nossos anos para completar sua órbita, seu dia é de apenas pouco menos de 10 horas. Sua atmosfera é composta de gases tóxicos para nós, apresentando-se em listras coloridas de nuvens ao redor do planeta, com uma enorme tempestade gerando a Grande Mancha Vermelha que lhe é tão característico. Se comparado conosco, é intimidador: seu tamanho é tal que caberia dentro dele 1.321 planetas Terra, sua gravidade sendo 2,5 vezes a nossa.

O céu que Galileu Galilei descobriu com sua luneta era novo e intrigante. Ao apontá-la para Júpiter, em 1610, descobriu que havia quatro corpos que ziguezagueavam por sua frente: entendeu que era ao redor dele. Isto foi uma descoberta importante, pois contestava prontamente o Geocentrismo, em que se acreditava que tudo girava ao redor da Terra, esta sendo imóvel, dando munição para o Heliocentrismo de Copérnico, estabelecido 70 anos antes: afinal, se então havia corpos que giravam ao redor de outros corpos que não a Terra…


As observações de Galileu sobre Júpiter e suas luas, de próprio punho.

A partir do Século 19, a literatura fantástica deu mais atenção a Júpiter. “A Narrative of the Travels and Adventures of Paul Aermont Among the Planets” (1873), de “Paul Aermont”, conta uma viagem de balão por vários planetas. “A Journey in Other Worlds” (1894), de John Jacob Astor IV, é passado no ano 2000, onde ao lado de uma rede de telefones, energia solar e viagens aéreas há viagens espaciais para Júpiter e Saturno, além de obras de engenharia planetária. Em Júpiter se descobre uma vasta riqueza de recursos exploráveis: petróleo, carvão, chumbo, ferro, prata e ouro; além de ser uma versão primitiva da Terra, com grandes selvas cheias de dinossauros, plantas carnívoras, lagartos voadores, morcegos vampiros, mastodontes e cobras gigantes.

Edgar R. Burroughs leva seu John Carter para uma aventura em Sasoon – o nome de Júpiter – em “Skeleton Men of Jupiter” (1943). Clifford Simak em “City” (1952; originalmente oito histórias curtas interligadas) conta de humanos se adaptando permanentemente para o meio ambiente hostil de Júpiter, passam a considerá-lo um paraíso. Isaac Asimov nos dá o conto bem-humorado “Júpiter à Venda” (1958), os irmãos Strutgatsky escrevem “Destinaton: Amalthea” em 1960, referindo-se à quinta lua de Júpiter, descoberta em 1892. “The Jupiter Theft” (1977), por Donald Motiff, conta sobre uma expedição alienígena ao nosso sistema solar por fim de capturar Júpiter e usá-lo como fonte de energia para continuar sua viagem por milhões de anos, deixando no lugar o que restou do último planeta joviano que eles capturaram.

“Encontro com Medusa” (1972), de Arthur C. Clarke, fala de formas de vida gigantescas, como, bem, medusas e águas-vivas flutuando pela atmosfera joviana, e tais possibilidades são citadas por Carl Sagan em “Cosmos”. As imagens mais poderosas de Júpiter nas telas talvez sejam as filmadas por Stanley Kubrick em “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1969) e Peter Hyams em “2010 – O Ano em Que Faremos Contato” (1986). Na versão do romance do primeiro filme, por Clarke, Júpiter era apenas ponto de manobra para se chegar a Saturno, destino original da missão da Discovery. Mas ser em Júpiter apenas facilitava algumas coisas para o primeiro filme, sendo mantido no segundo: suas continuações literárias mantiveram Júpiter e suas luas como cenário.


Os “balões” vivos de Júpiter, conforme ilustrados em “Cosmos” (1980).

As luas de Júpiter são fonte à parte de inspiração. Na medida em que se evidenciava que Júpiter era realmente inabitável – entre sua forte gravidade, a atmosfera tóxica e extremamente densa, e alta radioatividade natural –, suas luas se apresentavam mais promissoras, especialmente as quatro grandes. Chamadas “Estrelas Medicianas” em um primeiro momento por Galileu; Io, Europa, Ganimede e Calisto por ele foram batizadas de acordo com os raptos do deus greco-romano.

Io é palco de “Outland – Comando Titânio” (1981), com Sean Connery (refilmagem sci-fi do clássico do faroeste “Matar ou Morrer”, de 1952), onde apresenta uma colônia de mineração. Clarke e Stephen Baxter lançam “Firstborn” (2007), onde se extrai antimatéria natural a partir do tubo de fluxo magnético de alta energia existente entre Io e Júpiter.

Ainda Clarke, em seus livros da “Odisseia no Espaço”, devotou a Europa especial atenção: na vida real, esta lua tem uma grande superfície de água congelada, mas um oceano subterrâneo em estado líquido pode ocorrer. “2010 – Uma Odisseia no Espaço II” (1984), uma raça de aspecto vegetal é apresentada como vivendo nessa lua, com potencial para a senciência: o que desperta o interesse da raça ancestral que estimulou os hominídeos em “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Para que o ecossistema de Europa pudesse vencer, para eles valia tudo – até transformar Júpiter em um segundo sol… o filme “Viagem à Lua de Júpiter” (2013) expande o que poderia ser um trecho de “2010”, com uma expedição tripulada a Europa e o que lá eles encontram.


— O que vai acontecer, Dave?
— Algo maravilhoso.

Na série “The Expanse” – TV e livros –, Ganimede produz boa parte dos alimentos do sistema solar. Alguns episódios da série “Babylon 5” nos levam ao sistema joviano e Ganimede, com antigos e sombrios segredos (des)enterrados. Em “Space Jockey” (1963), de Lester del Rey, Ganimede é uma antiga colônia penal, agora independente e da qual os terráqueos desconfiam.

Isaac Asimov, no conto “A Ameaça de Calisto” (1940), conta de lesmas gigantes que usam campos magnéticos para atordoar suas presas. O conto “By the Book” (2013), de Charles Gannon, conta como, em meados do Século 24, Calisto tornou-se o estaleiro espacial de naves geracionais.

“Júpiter” (2000), do veterano Ben Bova em sua série “Grand Tour”, conta sobre um espião em uma estação orbitando Júpiter e a descoberta de vida inteligente bem abaixo das nuvens do planeta.

“Manta’s Gift” (2002), de Timothy Zahn, conta sobre o transplante do cérebro de um humano quadriplégico para o embrião de um indivíduo da raça de seres que vive na atmosfera jupiteriana.

Galileu Galilei é um personagem de Kim Stanley Robinson em seu “Galileo’s Dream” (2009), que é transportado para o sistema joviano no Século 29, quando colonos humanos descobrem que o próprio planeta é uma vasta inteligência consciente.

Deste ano de 2019, dois filmes abordam Júpiter. A produção chinesa “Terra à Deriva” retrata Júpiter como ponto importante na trama, em que nosso planeta precisa abandonar o sistema solar: vital em nossa jornada, acaba se tornando potencialmente letal para os viajantes; e “IO” aponta a lua jupiteriana como novo lar da Humanidade após um apocalipse ambiental, embora a filme se passe na Terra.


“Terra à Deriva”: face a face com Júpiter.

Presentemente, uma ciosa Juno observa atentamente Júpiter e suas indiscrições bem de perto. A sonda norte-americana entrou em sua órbita em 2016, e vem coletando dados e tirando belas imagens desde então, e ainda está em operação. Procurem na Internet por “nasa juno jupiter”, o resultado vale a pena: assim como os rabiscos de Galileu, 400 anos atrás, as imagens são inspiradoras.

Luiz Felipe Vasques

24/05/2019

Links Externos:

https://en.wikipedia.org/wiki/Jupiter_in_fiction
https://en.wikipedia.org/wiki/Jupiter%27s_moons_in_fiction
http://www.sf-encyclopedia.com/entry/jupiter
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Coluna do Astrônomo

O Guia do Mochileiro das Galáxias


Não entre em pânico e sempre traga uma toalha.

Douglas Adams (1952 – 2001) foi um escritor e roteirista inglês, mais conhecido por sua principal obra, “O Guia do Mochileiro das Galáxias” (1979). Foi ainda um ensaísta, dramaturgo, satirista e, claro, humorista. Antes do estrelato, teve uma carreira instável no início, tendo que trabalhar em uma série de empregos variados: atendente hospitalar, construtor de celeiros e limpador de galinheiros. Chegou a ser contratado como guarda-costas de uma família milionária do Qatar. Porém, jamais esteve longe de sua vocação, a escrita, nunca dela desistindo.

“O Guia…” começa como uma comédia de rádio pela BBC londrina em 1978. Desde então foi adaptado para diversos outros formatos: apresentações em palco, romances, quadrinhos, uma série de TV, games, um filme (2005) – além de mais séries de rádio.

De todos os seus desdobramentos no que hoje em dia se convém por transmídia, os livros certamente são os mais famosos. A “Trilogia do Mochileiro” constitui de 4 5 6 livros: além do Guia, “O Restaurante no Fim do Universo” (1980), “A Vida, o Universo e Tudo Mais” (1982), “Até mais, e Obrigado pelos Peixes!” (1984) e “Praticamente Inofensiva” (1992). Mas Adams pensou que “Praticamente Inofensiva” era meio sombrio demais para ser o término da série e, pretendendo encerrá-la em um tom mais leve, pensou em mais um livro para a Trilogia. Infelizmente, veio a falecer antes de completá-lo, cabendo ao autor Eoin Colfer escrevê-lo (conhecido no Brasil por ser o autor dos livros da série “Artemis Fowl”), baseado em suas notas: “E Tem Outra Coisa…” (2009) foi editado sob as bençãos da viúva de Adams, Jane Belson, gerando ainda para o rádio uma sexta série.


O Peixe-Babel: é pequeno, amarelo, parece uma sanguessuga, é uma das coisas mais estranhas do Universo – mas uma vez enfiado dentro do seu ouvido, é o seu tradutor universal!

O primeiro livro é sobre quando a Terra é destruída para que um atalho hiperespacial pudesse ser construído por uma raça alienígena de burocratas do espaço, os Vogon. Um outro alienígena, um autêntico mochileiro de nome Ford Prefect – colaborador do próprio Guia – acaba resgatando Arthur Dent, inglês, logo antes da destruição da Terra, tornando-o o último homem vivo. Em suas andanças galáxia afora, acabam encontrando a última mulher da Terra, Trillian, resgatada seis meses antes – e que Arthur havia conhecido em uma festa. Com o grupo estão ainda o Presidente da Galáxia, Zaphod Beeblebrox e Marvin, o Androide Paranoico. A partir daí, vão em uma viagem que acaba esbarrando em questões como o significado da Vida, do Universo e Tudo o Mais – e o que é necessário, de verdade, para se obter a resposta.

Sempre lançando mão do Guia; considerado por muitos como o repositório padrão do conhecimento e sabedoria do universo, havendo inclusive suplantado em vendas a Enciclopédia Galáctica – apesar dos erros escabrosos (e potencialmente letais) que possa conter, pois é ligeiramente mais barato e vem com um amistoso aviso com letras grandes na capa de NÃO ENTRE EM PÂNICO.


Confie no Guia.

Os livros que se seguem contam de aventuras não só no espaço, mas também pelo Tempo, e lá pelas tantas abarcam o conceito do multiverso – igualmente, os personagens vão descobrindo não só sobre a natureza das coisas mas esbarrando em conspirações por trás de tudo…

O humor na obra de Adams às vezes o levava a ser comparado com Terry Pratchett (1948 – 2015), autor da série de humor em Fantasia “Discworld”. Neil Gaiman, ninguém menos, de Adams tinha o amigo como fonte de inspiração em sua carreira.

Ele era um futurista, comprando computadores para editar seus textos já em 1982, e a primeira pessoa a comprar um Mac na Europa, tornando-se um porta-voz da Apple. Seu trabalho póstumo, “O Salmão da Dúvida” (2002), também reúne vários artigos publicados sobre tecnologia, da qual era um entusiasta.

Também era ativista ecológico, fazendo campanha por espécies ameaçadas, escrevendo livros e produzindo a série de rádio (não-ficção) a respeito do assunto “Última Chance de Ver” (em tradução nossa), que em 1992 se tornou um aplicativo multimídia em CD-ROM. Suas campanhas incluíram arrecadação de fundos por espécies de gorilas e rinocerontes.

Sua obra alcança dezenas de trabalhos, entre romances, roteiros, contos, etc. Parece ter tido uma carreira um pouco instável no início, mas sempre divertida: escreveu para o “Monty Python Flying Circus” (e atuou na 4a. temporada) e outras comédias na TV, e ainda alguns arcos para o “Doctor Who” de Tom Baker, tendo ainda criado “Dirk Gently’s Holistic Detective Agency” (1987, que em anos recentes virou série pela Netflix, com Elijah Wood).


“No início, o universo foi criado. Isso deixou muita gente zangada e foi considerado por muitos como uma péssima ideia.”

E o motivo que estamos segurando Júpiter até semana que vem e interrompendo a série dos Nossos Astros na Ficção Científica com tudo isso é que amanhã, sábado, dia 25 de maio, comemora-se mais um Dia da Toalha: dia que comemora o preparo que um autêntico Mochileiro das Galáxias possui ao sempre ter uma toalha em sua mochila, o item mais versátil possível que ele pode dispor, não interessa a situação. E porque 25 de Maio de 2001 foi o dia escolhido por fãs na Inglaterra, duas semanas após o falecimento de Adams, para lembrar dele e de sua obra. Assumindo um vulto maior, é também o Dia do Orgulho Nerd internacional, data compartilhada ainda com a celebração de “Discworld” (The Great 25th) e com o 4 de Maio (May the 4th: dia de “Star Wars”).


Você sabe onde está a sua toalha?

Nosso adeus, Douglas Adams. E muito obrigado por todas as risadas.

Luiz Felipe Vasques

22/05/2019

Links Externos:

https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Hitchhiker%27s_Guide_to_the_Galaxy

https://en.wikipedia.org/wiki/Douglas_Adams http://www.towelday.org/

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Coluna do Astrônomo

Nossos Astros na Ficção Científica: Marte

“Marte se tornou uma espécie de arena mítica na qual nós projetamos nossas esperanças e nossos medos Terrestres.” – Carl Sagan, “Cosmos” (1980)

Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos de Marte.

Com um brilho forte e avermelhado, que pode remeter ao fogo e ao sangue, em alguns povos do passado o quarto planeta de nosso Sistema Solar incitou a imaginação sob uma dose de cautela. Os chineses antigos tinham que a “estrela de fogo” trazia potencial para tempos de guerra, pesar e desgraça. Para os hindus, era Mangala, deus da guerra e do celibato. Na astronomia babilônica, ele era associado a Nergal, deus da guerra, praga, morte e doença. Gregos e romanos, por fim, associaram-no ao deus da guerra: Ares/Marte.


Os deuses Nergal, Mangala e Marte.

Marte, no fim das contas, é o quarto planeta a partir do Sol. É um planeta rochoso, sem as dimensões dos ditos planetas gasosos ou jovianos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno). É menor do que a Terra, possuindo uma atmosfera mais tênue que a nossa, predominando o gás carbônico (suas calotas polares têm gelo seco), com gravidade somente 0,38 da Terra. Possui duas pequeninas luas, provavelmente asteroides capturados, chamadas Fobos e Deimos (o Horror e o Terror, dois dos companheiros do deus da guerra). Sem um campo magnético, como a Terra, para protegê-lo da radiação do espaço ou do vento solar, sofre um processo crônico de erosão de sua atmosfera, mas acredita-se que tenha tido água em estado líquido há muito, muito tempo atrás. É, apesar disso, por enquanto nossa melhor opção para pensarmos em colonizar outro mundo. Passamos cerca de 80 anos acreditando que Marte poderia ser habitável e habitado. Por tudo isso, talvez seja o planeta mais lembrado pelos autores de Ficção Científica, depois do nosso.

Os sempre citados por aqui Athanasius Kircher e Emanuel Swedenborg (Século XVII), em seus textos esotéricos e especulativos encontram-se as primeiras obras a usar Marte como cenário de alguma descrição.

A obra “As Viagens de Gulliver” (1726), de Johnathan Swift, traz uma curiosa predição, ao ser dito que os astrônomos de Laputa descobrem dois satélites ao redor de Marte, o que é acurado – mas Fobos e Deimos só seriam descobertas por Asaph Hall em 1877.

Foi o mesmo ano em que o astrônomo italiano Giovanni Schiappareli (o mesmo que havia calculado que Mercúrio devia ter sempre uma mesma face para o Sol), em suas observações, notou que Marte parecia apresentar canais em sua superfície – o que, na verdade, era uma ilusão de ótica devido ao baixo poder dos telescópios da época. Quando isto foi traduzido para o inglês, o que havia sido escrito “canali” para os canais erroneamente preferiu-se o termo “cannel” (canal artificial, como o Canal do Panamá) em vez de “channel” (canal natural, como o Canal da Mancha). Na época, foi o suficiente para incendiar a imaginação de quem já ansiava por encontrar vida, e vida inteligente, em outros pontos do sistema solar. O astrônomo americano Percival Lowell (que se envolveu também na descoberta de Plutão) foi um deles, após ler a tradução errônea lançou três livros sobre Marte e as promessas de vida inteligente e suas descrições – e como divulgação científica, não de ficção. Não ajudava, em prol da objetividade, que um astrônomo conterrâneo de Schiapparelli, Camille Flammarion, já tivesse sugerido que as manchas castanhas visíveis pelos telescópios de então poderiam ser de uma vegetação local predominante de características próprias.


Um provável Marte de outrora.

Em meados dos 1910, os astrônomos haviam concluído que a observação de qualquer tipo de canais em Marte era equivocada, mas para a percepção popular, isto não importou muito: imaginar uma raça que havia feito tantas alterações em seu mundo levantava a ideia de que Marte deveria ser um mundo frio e seco, com problemas de abastecimento de água, com uma civilização potencialmente agonizante… era um apelo simplesmente forte demais. Todas estas especulações só encontraram fim quando as sondas norte-americanas Mariner sobrevoaram Marte nos anos 1960, fotografando a superfície do planeta: até lá, a Ficção Científica se serviu muito bem.

Alice Ilgenfritz Jones e Ella Merchant escrevem em 1893 “Unveiling a Parallel – A Romance”, uma história de uma sociedade utópica em Marte – a virada do Século produziu algumas histórias de utopia – onde as autoras debatem ideias feministas através das sociedades que elas criam, uma onde as mulheres adotaram os piores comportamentos masculinos e outra em que há igualdade, paz e harmonia entre homens e mulheres.

Gustavus W. Pope escreve “Journey to Mars” (título abreviado) em 1894, onde o protagonista é levado a Marte após resgatar, de um naufrágio, alguém que se revela ser um marciano. Este Marte é habitado por raças humanoides de cores diferentes, com sociedades de aspecto feudal mas que, ao mesmo tempo, tem alta tecnologia, superior à da Terra: reis e princesas e duelos com espadas existem ao lado de carros voadores e televisão e videofones.

“Auf zwei Planeten” (1897, “Em Dois Planetas”, tradução livre), de Kurd Lasswitz, obra alemã bastante influente em seu país, é sobre exploradores do Ártico encontrando uma expedição marciana no Polo Norte, desejando um contato amistoso com a Terra. Apesar de um bom início, tensões com o Império Britânico escalonam até a guerra.

Já havendo descrito uma expedição humana à Lua, H. G. Wells escolhe Marte para nos invadir em “A Guerra dos Mundos” (1898), em uma metáfora sobre os desmandos genocidas do Exército Colonial Britânico. Uma adaptação para um programa de rádio por Orson Welles em 1938 fez muita gente crer que era uma reportagem em tempo real, trazendo pânico às massas. Ela não foi a primeira história de invasão alienígena publicada, mas, sem dúvida, foi a mais famosa e influente dentro do tema, com ramificações desde adaptações até influência temática de várias outras obras.


Mapa topográfico de Marte: predominância de terras altas no hemisfério sul.

Edgar R. Burroughs descreve um Marte bem semelhante ao de Pope em sua série de “John Carter de Marte”, bem mais famosa, provavelmente tendo Pope como influência. Ele escreveu as aventuras de Carter em Barsoom – o nome que os marcianos dão ao seu próprio mundo – entre as décadas de 1910 e 1940.

“Les Navigateurs de l’Infini” (1925), por J.-H. Rosny aîné, conta sobre viajantes da Terra até Marte, onde encontram duas raças competindo pelo controle do planeta.

Stanley G. Weinbaum, ao escrever “Uma Odisseia Marciana” (1934), imagina um cenário, criaturas e formas inteligentes realmente estranhas, com um resultado que se destacou na época, apresentando alienígenas com seus próprios propósitos, inumanos que fossem, mas que não eram apenas um pastiche, desafio ou um auxiliar para o protagonista humano. Foi o primeiro autor que lembrou que alienígenas deveriam ser… alienígenas, perante nossos olhos e razão.

Ray Bradbury nos dá em “As Crônicas Marcianas” (década de 1950) histórias inter-relacionadas contando o contato turbulento entre colonizadores da Terra e nativos marcianos, no que é considerado um clássico da Ficção Científica até hoje.

Arthur C. Clarke escreve seu primeiro romance de FC pondo Marte como alvo de uma viagem do protagonista em “As Areias de Marte” (1951). O curioso é que o personagem é um escritor de FC, que escrevia desde antes os voos espaciais começarem e agora tinha a chance de ir para Marte quando a primeira colônia lá estava sendo estabelecida, em uma cidade protegida sob um domo transparente. Não há como imaginar que Clarke não poderia estar falando de si mesmo, e um futuro que ele acreditou por muito tempo. Dado momento, há uma pequena discussão sobre o “prazo de validade” da FC, entre a especulação de um escritor e o que a realidade acaba trazendo.

Isaac Asimov escreve “Nós, os Marcianos” (1952) para contar como colonos se viram para sobreviver depois que um governo populista na Terra resolve cortar a exportação de água necessária para manter a população marciana. A série juvenil de “Lucky Starr”, escrita nos 1950, Asimov fala de uma antiga e desconhecida raça marciana que habita os subterrâneos de Marte, sem que os colonos oriundos da Terra, na superfície, de nada saibam.

Com a passagem das sondas espaciais e a confirmação de que Marte não somente era desabitado, mas longe de ser um cenário adequado à vida, houve uma queda de interesse por parte dos autores de FC, pelos anos 70 até meados dos anos 80, quando o interesse se reacendeu.

“Homem Mais” (1976), de Frederik Pohl, fala de adaptação radical biológica para o novo ambiente marciano, em vez de apenas viver em ambientes pressurizados ou terraformar o planeta.

John Varley publica seu conto “In the Hall of the Martian Kings” em 1977, no qual se aprende que o Marte que conhecemos é o de um longo, longo inverno, enquanto a raça marciana hiberna.


A “Trilogia Marciana” de K. S. Robinson.

Em 1990, uma curiosa proposta foi escrita por Harry Turtledove. Em “A World of Difference”; para resolver como pôr sociedades nativas viáveis no quarto planeta o autor simplesmente mudou o mundo: não é Marte, é Minerva, de dimensões similares à Terra, atmosfera, vida e… vida inteligente.

A obra literária mais reconhecida sobre Marte, hoje em dia, talvez seja a “Trilogia Marciana” de Kim Stanley Robinson. “Red Mars” (1992), “Green Mars” (1993), “Blue Mars” (1996) e ainda a coletânea “The Martians” (1999) contam sobre a colonização e terraformação do planeta vermelho, discutindo ecologia, sociedade e política, enquanto a Terra enfrenta os problemas da superpopulação e o colapso ambiental. A história se desdobra através dos séculos e das gerações.

Assim como Vênus, George R. R. Martin e Gardner Dozois publicaram “Old Mars” (2013), antologia resgatando os antigos temas de um Marte habitado por vida inteligente, antes da desmistificação trazida pelas sondas espaciais dos anos 1960 e 70.

Andy Weir escreve “O Marciano” (2014, adaptado para o cinema em 2015) contando sobre um náufrago na superfície de Marte, após um acidente com a expedição que o levou até lá.

O cinema, como não podia deixar de ser, interessou-se por Marte diversas vezes. “Robinson Crusoé em Marte” (1964) é uma outra história de naufrágio em Marte bem antes da de Weir, uma livre adaptação da obra original de Daniel Defoe; e em 2001 “Stranded” mostrou não um, mas cinco astronautas naufragados em Marte tendo que contar seus recursos. “A Guerra dos Mundos” ganhou versões no cinema em 1953 e 2005, além de uma série de TV em 1989. “Total Recall” (1990 e 2012, mas a de 2012 se passa inteira na Terra) é a versão mais conhecida que o original do papel de “We Can Remember It for You Wholesale” (1996), escrita por Phillip K. Dick, estrelando Arnold Schwarzenegger e também se passando em Marte, entre conspirações de espionagem, memórias roubadas e tecnologia marciana ancestral. Mais recentemente, “Vida” (2017) conta como a rotina a bordo da Estação Espacial Internacional se torna problemática quando uma forma de vida unicelular marciana é recuperada e reage aos experimentos de maneira inesperada.

Entretanto, a destacar nas telas grandes é a comédia de humor negro de 1996 “Marte Ataca!”, baseado em uma franquia de “trading cards” americana de 1962.


Ack! Ack! Ack!

Na Tv, em tempos recentes temos duas séries sobre o quarto planeta. “Marte” (2016), série sobre a colonização de Marte a partir do ano de 2033, já com duas temporadas. “The First” (2018), com Sean Penn, fala sobre o processo de mandar uma expedição tripulada a Marte em um futuro próximo, com todos os problemas envolvidos após o acidente fatal com a primeira expedição: ambas as séries primam por destacarem tanto os problemas pessoais dos personagens quanto os políticos nas situações, assim como o papel da iniciativa privada no processo de se alcançar e habitar Marte.

Nas últimas décadas vimos o interesse se reacender quanto as possibilidades de Marte, e obviamente que isso se reflete na cultura pop. Sondas são mandadas para lá com uma certa constância, e carros robôs capazes de investigar o planeta em sua superfície estão se tornando fato corriqueiro. A presença da iniciativa privada na ida a Marte já passou da mera especulação, e isso pode trazer uma nova perspectiva ao se resolver as coisas – pode-se dizer igualmente da presença de países até então com pouca ou nenhuma tradição de programa espacial.

Pessoalmente, gostaria que a ida a Marte – e sua colonização – fosse fruto de um esforço conjunto internacional, em vez da competição da agenda nacional local ou do interesse financeiro deste ou daquele grupo: ambições interplanetárias, recursos e esforço planetários. De qualquer forma, é claro que tudo ainda está muito no início. E se obviamente problemas e soluções se revelarão e se resolverão no devido tempo, confio que ao final de tudo ainda será como Sagan também diz, concluindo o capítulo sobre Marte em “Cosmos”: “Os marcianos seremos nós.”


Nosso invasor favorito.

Semana que vem a coluna deverá interromper a série “Nossos Astros na Ficção Científica” – mas não entre em pânico.

Apenas traga uma toalha.

Luiz Felipe Vasques

14/05/2019

Links Externos:

https://en.wikipedia.org/wiki/Mars_in_fiction
http://www.sf-encyclopedia.com/entry/mars
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Coluna do Astrônomo

Nossos Astros na Ficção Científica: A Lua

“Viagem à Lua” (1902), na adaptação de Júlio Verne por George Meliés.

Na série dos nossos astros na FC, hoje falaremos da Lua.

Pode parecer um pouco estranho destacar a Lua, sendo um satélite e não ao menos um planeta. Mas, no imaginário celeste, a Lua sempre obteve um lugar de destaque na Antiguidade. Os “planetas” – atenção para as aspas – de outrora eram: Sol, Mercúrio, Vênus, Lua, Marte, Júpiter e Saturno. As luas dos três últimos eram pequenas demais para serem notadas a olho nu e, qualquer coisa existente de Urano em diante apenas foi descoberta nos últimos poucos séculos.

As diversas culturas da Humanidade lhes deram nomes e histórias. Entre os nossos Tupis era Jaci, consorte de Guaraci (o Sol). No Japão, o deus da Lua se chama Tsukuyomi, aliás irmão da Sra. Amaretsu, deusa do Sol. Como é da mitologia, uma mesma cultura podia assinalar mais de uma divindade, masculina ou (principalmente, no caso aqui) feminina para um mesmo fenômeno: os gregos tinham que a Lua podia ser presidida por Artemis ou Selene, com contrapartes romanas sendo Diana e Luna. Os egípcios a associavam com as deusas Ísis e Iah, mas também com Osíris, Thoth e Khonshu; tudo é sempre de acordo com algum sincretismo ou aspecto desejado ser evocado. A diversidade desses vieses mais tarde se refletiu na grande variedade de temas retratados da Lua na literatura.

Deusas da Lua: Coyolxāuhqui (asteca) e Selene (grega).

Assim como a Terra, na literatura fantástica a Lua serviu de diversas maneiras às narrativas criadas que a envolviam diretamente. Primeiramente como ponto de destino nas narrativas antigas, como “História Verídica”, de Luciano de Samosata (Século 2). No relato japonês “A Lenda da Princesa Kaguya” (Século 10), uma Princesa da Lua nasce de um broto de bambu na Terra e aqui é educada. Em 1516, o cavaleiro Astolfo viaja até a Lua no carro de fogo do Profeta Elias para lá procurar a razão perdida de Orlando, em “Orlando Furioso”, de Ludovico Ariosto. “Somnium” (1634), de Johannes Kepler, apresenta algumas de suas ideias científicas na Lua da “nova astronomia”, de Galileu e sua luneta. “The Discovery of a World in the Moone” (1638), pelo Bispo John Wilkins, propõe a existência na Lua do que ele chama de Selenitas, aliás bem antes de Wells e seu povo insetóide em “Os Primeiros Homens na Lua”. Nos contos do Barão de Munchausen (R. E. Raspe, 1786), há duas viagens, com descrição de fauna e flora da Lua.

Os pais da Ficção-Científica, Júlio Verne e H. G. Wells, escreveram célebres viagens ao nosso satélite em 1865 (“Da Terra à Lua)”, 1870 (“Ao redor da Lua”) e 1901 (“Os Primeiros Homens na Lua”). Menos conhecido, uma trilogia polonesa escrita entre 1903 e 1911 por Jerzy Zulawzky (alcunhada “The Lunar Trilogy”) fala de uma expedição à Lua que funda as bases de uma sociedade lunar que, com o tempo, esquece suas origens. “Tendências” (1939) é um conto de Isaac Asimov em que o voo à Lua é crucial para que o avanço religioso e anti-intelectual retratado na sociedade americana da história seja detido. Robert Heinlein escreveu bastante sobre a colonização lunar, sua política e sociedade em diversos de seus livros.

Tintim em seus dois álbuns, viajando à Lua sob a bandeira do Pelicano Negro.

George R. R. Martin, em “Dark, Dark Were The Tunnels” (1974) conta sobre a exploração da Terra 500 anos após uma devastação nuclear pelos descendentes dos sobreviventes em uma colônia lunar. Arthur C. Clarke descreve diversas colônias lunares, até do tamanho de cidades, em seus livros “Poeira Lunar” (1961; anteriormente publicado no Brasil como “Os Náufragos do Selene”), “Earthlight” (1955), “Encontro com Rama” (1973) e “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968). Em “Earthlight”, a Lua torna-se palco de uma guerra entre a Terra e uma federação de Marte e Vênus. Uma curiosa Lua não somente habitada, mas terraformada, com atmosfera e mares, consta em “Tempo Instável” (2011), do brasileiro Jorge Luís Calife.

Dado à importância operacional e financeira do isótopo Hélio-3 na obtenção de energia por fusão nuclear e sua presença na Lua, pelo menos dois autores já trataram disto em suas obras: Frank Schätzing em “Limit” (2013) e Ian McDonald em “Luna: New Moon” (2015) e “Luna: Wolf Moon” (2016), nas quais diversas ricas famílias rivais competem pela mineração de He-3.

Andy Weir (conhecido mais aqui por “O Marciano”, que ganhou filme com Matt Damon) escreveu “Artemis” (2017), passando-se em uma cidade lunar cientificamente plausível e bem detalhada.

Nas telas, era impossível a Lua passar desapercebida. “Projeto UFO” (1970), na Lua situava-se a primeira linha de defesa contra invasores alienígenas, com interceptadores decolando sempre que necessário. Já em “Espaço: 1999”, os tripulantes da Base Lunar Alfa tinham que sobreviver episódio após episódio, depois que, devido a um acidente que gerou uma forte explosão, a Lua desgarra da Terra e sai em uma trajetória espaço afora. Essas séries inglesas são de produção de Gerry Anderson (o autor das séries de marionetes como “Thunderbirds” e “Stingray”), e são conhecidas dos brasileiros. Também da Inglaterra, “Doctor Who” já retratou a Lua algumas vezes, uma delas de forma bastante curiosa ao revelar que ela é o gigantesco ovo de uma forma de vida – ovo este que choca. E não foi o único, o desenho animado “Superamigos” usou da mesma premissa!

Desde o início do cinema a Lua foi alvo – em mais de um sentido – de cineastas, como prova a ilustração que abre esta coluna. Ao longo do Século XX, seus vales e crateras estéreis e toda a sua “magnífica desolação” foram imaginados em filmes como “Destination Moon” (1957) e em tantos outros momentos do cinema ou da TV. Mas o mais famoso a retratar uma Lua habitada talvez seja o “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, onde instalações complexas podem ser vistas naquilo que, hoje em dia, tem o gosto de um futuro que nos foi roubado.

Com imagens poderosas nos quadrinhos, o herói belga Tintim explora a Lua em uma história em dois álbuns, “Rumo à Lua” (1953) e “Explorando a Lua” (1954). O processo futuro de colonização lunar gera o pano de fundo do mangá e anime (2003) “Planetés” (a ação, mesmo, é em Órbita Baixa da Terra), em que a Lua é repartida para exploração e colonização entre as nações que lançaram expedições para lá, tripuladas ou não (não diferente do Tratado Antártico, mas que na vida real já se acordou que não será assim).

A Base Clavius (“2001 – Uma Odisseia no Espaço”) e a Base Lunar Alfa (“Espaço: 1999”).

A colonização da Lua é um objetivo que ganha ares cada vez mais factíveis, especialmente depois da constatação de água congelada no fundo de crateras, onde a luz solar não atinge. Poderá não somente haver cidades pressurizadas na superfície, mas cavernas naturais (como os tubos de lava descobertos pela sonda indiana Chandrayaan-1 em 2008) poderiam ser adaptadas para abrigar seres humanos da exposição a extremos de temperatura, vácuo e radiação vinda do espaço. A Índia, aliás, pretende voltar à Lua em ainda em Setembro de 2019 com uma alunissagem contendo um carro-robô, como aqueles enviados a Marte pelos EUA.

E a coluna voltará à Lua em Julho, pelos 50 anos da chegada da Humanidade à Lua.

Luiz Felipe Vasques

08/05/2019

Links Externos:

https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_lunar_deities

https://en.wikipedia.org/wiki/Moon_in_fiction

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Coluna do Astrônomo

Nossos Astros na Ficção Científica: A Terra

Na série dos nossos astros na FC, hoje falaremos da Terra.

Eu hesitei em falar do nosso planeta para essa série. Essencialmente, porque é o berço de todas as narrativas já pensadas. Mesmo as que se passam em outros mundos, em que a Terra nem é vislumbrada – como no universo ficcional de Star Wars –, ainda assim sempre temos ecos do primeiro mundo que conhecemos. Talvez nos seja quase impossível pensar a condição humana sem a Terra envolvida. É, afinal, o meio-ambiente no qual evoluímos, vivemos, triunfamos e contabilizamos perdas. Falamos em terraformar mundos, não somente na Ficção Científica, mas como hipótese futura em projetos de colonização espacial. Sendo assim, talvez mais de 90% de toda a FC escrita se passe na Terra: aqui no blog, nesta série dos Nossos Astros na FC, normalmente tanto já fica de fora…

Gaia e Erichthonius
O assassinato de Ymir
O mundo segundo a religião Hindu

Antes de haver a consciência que habitamos um planeta – o que só foi possível com o Heliocentrismo de Copérnico e a comprovação por Galileu –, o céu acima, a paisagem ao redor e o solo abaixo de nós eram a medida do mundo que podíamos perceber e, assim, especular. Acreditamos que podia ser plano, que podia estar sobre as costas de animais divinos, que podia ser finito ou infinito, onde o que importava era a vizinhança da nossa tribo ou nação, que podia ser algo inteligente, ou a carcaça do que havia sido um ser inteligente, que era o degrau intermediário entre o que era mais sublime e literalmente acima de nós e o mais terreno, bem abaixo de nós – acreditamos em todo tipo de coisa, e contamos, desenhamos, esculpimos e escrevemos sobre elas.

As primeiras narrativas fantásticas, ao longo da Era Cristã, que nos levam céu afora – ou mesmo solo adentro – sempre acabam funcionando como uma metáfora sobre a sociedade onde seus autores viviam, gerando sátiras e críticas e outras reflexões de suas épocas: Kircher, Swedenborg, Swift, Alligheri, Voltaire, todos eles. Estávamos ainda projetando, de alguma forma, o que vivíamos, os nossos contextos. Talvez nunca deixemos de fazê-lo completamente.

O planeta Terra se revela na FC de várias formas. Vamos pensar algumas delas, como exemplos:

A Metrópole: mantendo a analogia com o período das Grandes Navegações e reinos e países em expansão; um bom número de obras fala de uma Terra, com a Humanidade sob uma só bandeira explorando espaço afora e estendendo sua unidade política – seja um império, uma república, uma federação – por outros planetas e sistemas solares, às vezes de forma benévola, às vezes de forma opressora, fundando colônias ou conquistando mundos habitados. A série alemã “Perry Rhodan” e o universo de “Star Trek” são bons exemplos de governos interestelares democráticos. Na série de games “StarCraft”, o Diretório Unido da Terra é um governo fascista de ambições imperialistas.

A Terra Decadente: Quando a Terra passou a tocha, por assim dizer. Pode ser uma variação da Metrópole, com obras sobre um mundo natal da Humanidade sem importância e posto de lado na vida, quando não na memória, dos cidadãos da galáxia. Obras como os livros de “Duna” (1965, Frank Herbert) contam da “Velha Terra” que se devastou em guerras nucleares deixado a sós para que seu ecossistema se recupere; nem tão diferente da Terra-Que-Foi da telessérie “Firefly”, onde seres Humanos prosseguiram para as estrelas após o colapso ambiental e fim dos recursos globais. No universo de “Fundação” (1951, Isaac Asimov), a Terra é tida como uma província atrasada e cheia de problemas causados pela superpopulação. O que nos acaba levando até…

A Terra Esquecida: obras como os ciclos de “Darkover” (1958, Marion Zimmer Bradley) e “Dragonriders of Pern” (1961, Anne McCaffrey) contam de colônias humanas, no que hoje em dia se convém por exoplanetas, que perderam sua tecnologia e acabaram se esquecendo de sua origem, regredindo a níveis similares ao da Idade Média.

Terra, a Colônia Esquecida: em vez de ser o início da jornada da Humanidade pelas estrelas, somos o ponto de chegada de alguém, apenas esquecemos isso; ideia inspirada em enigmáticas e grandiosas construções antigas em nosso planeta, assim como no vai e vem das civilizações e povos da própria Terra: a feitura das pirâmides egípcias já era desconhecida, pela altura da dinastia ptolomaica, por exemplo. O autor russo Sergey Lukianenko em sua duologia “The Stars Are Cold Toys”/”Star Shadow” (1997) fala da descoberta da Humanidade, após dominar tecnologia de voo mais veloz que a luz, descobrir alienígenas e com uma espécie, inteiramente similar à nossa, descobrir que fomos colonizados em um passado distante. No universo “Known Space”, de Larry Niven, há um grau de interferência na Terra por uma raça alienígena que depois se desinteressou. E – novamente – “Perry Rhodan” brinca com isso em relação a Atlântida como sendo uma antiga colônia dos Arcônidas (mas não para somente aí…). O universo “Star Trek” fala de uma raça humanóide ‘semeadora’ anterior a todas conhecidas, justificando o fato de existir tantas raças humanóides semelhantes na vizinhança estelar – uma saída interessante para explicar o “alienígena cenográfico”. Não podemos deixar de fora o refúgio mítico na série “Galáctica” (tanto a original de 1979 quanto na versão de 2003), sendo nosso planeta a perdida Décima Terceira Colônia da Humanidade, para onde todos fogem do extermínio trazido por uma raça hostil e mais poderosa.

Sagas onde a Terra não é nada além de uma distante memória…

A Terra Devastada: esse é o cenário comum de se ver na vertente “Pós-Apocalipse” da FC. Os filmes “Mad Max” são os mais famosos exemplos: colapso ambiental seguindo-se de colapso da civilização, com sobreviventes escavando os restos das sociedades atrás de víveres e armas, organizando-se em novas tribos e identidades para proteção e ataque. Em geral essas histórias têm uma pegada ambiental: o filme “Waterworld” (1995) é em um mundo após o derretimento total do gelo dos polos, e a telessérie “Ark II” (1976) conta as histórias de um grupo de cientistas tripulando um veículo futurista perambulando por um EUA devastado pela poluição e guerra, tentando resolver e melhorar a vida de quem encontravam pela frente, em uma jornada de esperança. Similar, “Um Cântico para Leibowitz” (1959, de Walter M. Miller Jr) se passa após uma guerra nuclear que acabou com a civilização; uma ordem monástica católica procura preservar, à maneira dos monges copistas de outrora, cada página de informação adquirida sempre que possível: seja livro de filosofia, bula de remédio ou manual de instruções, a maioria já enigmática para os monges. Na animação, “Patrulha Estelar”, na primeira de suas séries (1974), conta a história da busca de uma tecnologia altamente avançada para salvar a Terra, que teve a superfície destruída por ataque dos cruéis Gamilons, cuja letalidade ainda exterminará toda a possibilidade de vida em um ano. “Patrulha Estelar” é um bom exemplo de como os temas podem se assomar, no caso entre a Terra Devastada e…

“Patrulha Estelar” (versão de 2014). A Yamato parte de uma Terra agonizante, para salvá-la.

A Terra Invadida: essa noção provavelmente é devida a H. G. Wells e seu “A Guerra dos Mundos” (1898), quando uma forma de vida extra-terrestre pela primeira vez na FC invade o planeta Terra. Por seu potencial dramático, esse subgênero parece fazer mais sucesso em telas e monitores do que na literatura. Desde então, tivemos de invasões mão-pesada até as mais insidiosas, como as do período da histeria macarthista nos anos 1950, que se destaque o clássico do cinema “Invasores de Corpos” (1956, diversas filmagens. A de 1978 considerada sendo a melhor. Já a história original foi publicada como romance em 1955, por Jack Finney), com um tipo de invasão silenciosa onde pessoas normais eram substituídas pela força invasora, aparentando normalidade apenas no exterior, sendo mais uma infiltração. O cult de John Carpenter “Eles Vivem” (1988) aborda com paranoia, eficiência e uma dose de humor negro o tema da infiltração na sociedade. Em “V – A Batalha Final” (original de 1984 e a versão de 2009), os Visitantes surgem como sendo boa-praça apenas para ocultar motivos malignos a serem revelados na trama. Intenções escusas também fazem parte da agenda dos Taelons em “Terra: Conflito Final” (1997), enquanto que uma invasão na base da força bruta pode ser apreciada nos dois filmes da franquia “Independence Day” (1996 e 2016).

Em videogames, desde os tempos de “Missile Command” (1980, adaptado para o sistema Atari em 1981) e, é claro, “Space Invaders” (1978, 1980 para o Atari), a Terra sofre com invasões alienígenas. Mas de lá pra cá os gráficos se sofisticaram e a história também. A galáxia é invadida por uma força exterminadora de formas de vida orgânicas inteligentes na série de games “Mass Effect”, com o auge sendo a Batalha da Terra, no terceiro jogo. Na série X-COM, invasão alienígena e resistência operam sob uma lógica de ‘black ops’, em vez de uma invasão aberta.

Invasões podem se revelar com um caráter benéfico, a princípio não compreendido pelos humanos, como em “O Dia Em Que a Terra Parou” (1951) ou “O Fim da Infância” (1953, Arthur C. Clarke).

A Terra Distópica: similar à Terra Devastada, não excludente nem exclusiva, focalizando um governo totalitário – global ou quase, como em geral na Terra Utópica – que trata a população de maneira opressora e manipulando fatos e História. O exemplo premier é “1984” de George Orwell (1948), em que o mundo se divide em 3 grandes nações sempre guerreando umas com as outras, e em uma delas – a Oceania, onde a história se passa – há a obediência cega ao Partido, que após a revolução edita a História a ponto de fazer parecer que foi a genialidade de seus integrantes que sempre trouxe as modernas invenções, e tudo que vinha por ele devia ser aceito inquestionavelmente – e ainda, o Partido era para o povo seu Grande Irmão, que dele assim cuidava através de onipresente sistema de vigilância (sim, o conceito e termo “Big Brother” se originam aqui) atrás de dissidentes. “Nós” (1924), de Ievguêni Zamiátin, é uma sátira política que fala de um governo planetário ainda mais opressor, onde o Estado Único ditava até os horários de lazer, refeição e sexo em uma sociedade onde pessoas recebiam números, em vez de nomes. “Nós” é considerada influência de obras distópicas posteriores, como “1984”, “Laranja Mecânica”, “Fahrenheit 451”, e as séries “Divergente” e “Jogos Vorazes”. Já “Admirável Mundo Novo” (1932), de Aldous Huxley, aposta no controle da sociedade pelo excesso da sensação de bem-estar, por drogas inclusive, como método de incutir a alienação das massas.

A Terra Utópica: o termo “utopia” foi cunhado em 1516 por Thomas More, em um livro com esse nome, descrevendo uma ilha imaginária onde a sociedade é justa e igualitária. O termo pegou desde então, para designar escritos onde o futuro é brilhante, os tempos são mais justos, esclarecidos e prósperos para todos, envolvendo qualquer lado do espectro político ou econômico. Na FC, adicione aí uma sociedade além das amarras de fronteiras imaginárias das linhas em um papel, do preconceito ou da ganância. A Humanidade, unida, caminha para um futuro brilhante, ainda que não sem percalços. Esta aposta no futuro às vezes se dá após um período de tribulações: um exemplo popular é “Star Trek”, que, após as Guerras Eugênicas e a III Guerra Mundial, a Humanidade unificada entrou em um período de união e harmonia entre os povos. Já na telessérie dos anos 80 “Buck Rogers no Século XXV”, algumas cidades isoladas em meio à devastação nuclear conseguiram manter e estimular a civilização, mesmo uma de alcance interestelar. A Terra Utópica é, no fim das contas, uma crença no final feliz para a espécie Humana.

A Bola de Gude Azul

Por falar em finais felizes, talvez esse escrito devesse mesmo falar sobre planeta: conforme descobri depois que comecei, no momento que inicio este artigo é dia 22 de Abril – Descobrimento do Brasil, decerto, mas também Dia da da Terra. De alguma forma, apropriado.

Luiz Felipe Vasques

23/04/2019

Links Externos:

https://en.wikipedia.org/wiki/Earth_in_science_fiction
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Coluna do Astrônomo

Nossos Astros na Ficção Científica: Vênus

Na série dos nossos astros na FC, hoje falaremos de Vênus.

Vênus é o segundo planeta a partir do Sol, e por seu brilho forte na Antiguidade era tido como uma estrela, quando não havia exatamente como se distinguir os astros. Surgindo logo depois do Poente e antes do Nascente, era chamada Estrela Vésper e Estrela D’Alva, referindo-se a dois astros distintos na cultura grega antiga (Phosphorus ou Heosphorus/Hesperus – “Portadora da Luz” e “Portadora da Manhã”) assim como na egípcia (Tioumoutiri e Ouaiti). Os sumérios, entretanto, identificavam-no como o mesmo corpo, associando-o à deusa Inanna, Ishtar pelos acádios, Ninsi’anna e depois Dilbat pelos babilônios, e finalmente como a “estrela de Vênus” pelos romanos – ainda que a correlação grega pudesse ser ainda utilizada, agora como Lucifer e Hesperus. A deusa romana do amor e da beleza acabou por conquistar o planeta.


Estrela de Ishtar

Vênus por Botticelli

Inanna

Como novamente não se pode deixar de observar, é nas obras de Athanasius Kircher (“Itinerarium Exstaticum”, 1656) e Emanuel Swedenborg (“De Teluribus”, título abreviado, 1758) que Vênus surge pela primeira vez como destino de alguma história.

A observação posterior com lunetas e telescópios revelou um mundo com uma contínua camada de nuvens, sem que se pudesse ver detalhes da superfície. Com o tempo, começou-se a associar que, já que nuvens são feitas de vapor d’água, um planeta com uma camada de nuvens assim devia ter muita água, considerando-se ainda a proximidade com o Sol. Não demorou para que se considerasse Vênus como sendo repleto de formas de vida, apesar da observação inicial não se poder dizer nada da superfície do planeta, como observou Carl Sagan em “Cosmos” (1980).

Três correntes especulavam, devido a isto, que ou Vênus poderia ser um mundo “oceânico”, com no máximo algumas ilhas em uma superfície quase toda coberta de água; um enorme pântano – isto é, terra exposta na superfície, mas não exatamente “seca” –; ou, por fim um, grande deserto. Essas três correntes de pensamento influenciaram bastante o que viria a ser escrito até final dos anos 1960.

Do mundo oceânico vieram histórias como “Last and First Men” (1930), de Olaf Stapledon, onde a odisseia da Humanidade que ele conta passa por Vênus, após sermos forçados a emigrar para lá, tendo em vista a queda da Lua na superfície da Terra. É a primeira história onde o conceito de terraformação é aplicado, embora não o nome – às custas do genocídio dos venusianos nativos.

Clássico da FC militar, “Clash by Night” (1943), de Henry Kuttner e C. L. Moore, conta sobre a Humanidade no 4o. Milênio, com a Terra destruída pela energia atômica e os sobreviventes em cidades-estado submarinas em Vênus, com companhias mercenárias guerreando pelas facções. A superfície é inóspita, coberta por uma fauna e flora agressiva e venenosa.

“Perelandra” (1943) de C. S. Lewis (mais conhecido pelas “Crônicas de Nárnia”) nos traz o oposto, um mundo idílico de humanoides verdes com um rei e uma rainha, onde a terra firme é substituída por enormes superfícies de vegetação flutuante.

“Lucky Starr e os Oceanos de Vênus” (1954), de Isaac Asimov, também descrevem um cenário de um mundo com pouca terra exposta.

Do mundo pantanoso; uma declaração do Nobel de Química de 1918, Svante Arrhenius, dando total certeza que a superfície de Vênus era coberta por pântanos, gerou toda sorte de histórias de um autêntico “Jurassic Planet”. Temos então Edgar Rice Burroughs reciclando seu “John Carter de Marte” no personagem Carson Napier de Vênus, com princesas alienígenas sendo salvas agora em um mundo gigantescas florestas e estranhas raças inteligentes e sociedades, em uma série de livros nos anos 1930. A série alemã “Perry Rhodan”, conhecida do público brasileiro, também apresenta Vênus similar. Um mundo de selvas e pântanos com primitivos homens-lagartos inteligentes é descrito no conto “Entre as Paredes de Eryx” (1939), por H. P. Lovecraft. Este é o Vênus também de Robert Heinlein, em seu ciclo da “Future History”, onde o clima, apesar de desconfortável para os humanos, não os impede de usá-lo para o plantio e colheita.

Um Vênus para propósitos agrícolas é descrito por Jack Williamson em “Seetee Ship” (1949) e “Seetee Shock” (1950), onde lá se planta arroz após uma iniciativa colonizadora dos povos da Ásia Oriental liderados pela China, que para lá transfere o governo, após os EUA montarem uma base de mísseis nucleares na Lua e assim dominarem a Terra.

O mestre Ray Bradbury apresenta um Vênus de chuvas eternas, ao ponto do enlouquecimento, em que náufragos de um foguete acidentado vindo da Terra têm que sobreviver em “The Long Rain” (1951). É dele também “All Summer in a Day” (1954), passado em um Vênus também eternamente em chuvas conseguindo ter o Sol por uma hora a cada sete anos, onde conta uma história de crueldade infantil.

Do mundo desértico, pouco depois da declaração de Arrhenius, em 1922 os astrônomos americanos Charles Edward St. John e Seth B. Nicholson não conseguiram detectar água ou oxigênio na análise espectroscópica que faziam de Vênus, propondo então um vasto mundo deserto. Obviamente que essa visão não poderia ser tão popular quanto a de um mundo pantanoso com dinossauros, mas isso não impediu que autores como Poul Anderson escrevessem “The Big Rain” (1954) ou Frederick Pohl e C. M. Kornbluth, “The Space Merchants” (1954).


Mapa topográfico de Vênus (fonte: wikipedia)

Nos anos 60, os programas de exploração espacial Mariner e Venera lançaram sondas a Vênus, derrubando de vez qualquer probabilidade de um Vênus facilmente habitável: apesar das dimensões venusianas serem próximas às da Terra (a gravidade é de 9/10 da nossa, ou seja, se você pesa 100 kg na Terra, em Vênus você pesaria 90 kg), Vênus muito difere em todo o resto. Vênus não é apenas “mais quente”, ele é infernal com seus 460o C na superfície (o suficiente para derreter chumbo), pressão atmosférica equivalente à 90 das nossas ao nível do mar e uma atmosfera composta, entre outros elementos que nos são tóxicos, de ácido sulfúrico. Sim, chove ácido sulfúrico em Vênus.

A partir daí, a literatura especulativa se ajustou à realidade recém-descoberta. O “Vênus jurássico- haitiano” só voltaria após uma explicação qual algum processo de terraformação que, a futuro, assim o deixaria.

Um conflito armado entre a França e China se dá em Vênus, com os soldados protegidos por armaduras especiais em “Man of Two Worlds” (1986), de Frank Herbert.

“Venus of Dreams” (1986), “Venus of Shadows” (1988) e “Child of Venus” (2001) compõem uma trilogia sobre a terraformação de Venus, pela autora Pamela Sargent.

Geoffrey A. Landis, em “The Sultans of Clouds” (2010), escreve sobre colonos habitando a alta atmosfera de Vênus em cidades-balões, onde a temperatura é razoavelmente próxima da Terra.


Arte conceitual da NASA sobre colônias aéreas na alta atmosfera de Vênus (fonte: NASA)

“Caliban’s War” (2012), de James S. A. Corey – de onde a série “The Expanse” se baseia – nos mostra Vênus sendo colonizada por uma protomolécula alienígena.

E, porque tudo é uma questão de estilo, a antologia “Old Venus” (2015) foi organizada por George R. R. Martin e Gardner Dozois, participando diversos autores que apresentam histórias em homenagem às visões de outrora, voltando a sonhar Vênus como ele nunca havia sido.

Luiz Felipe Vasques

26/04/2019

Links externos:

https://en.wikipedia.org/wiki/Venus_in_fiction
https://en.wikipedia.org/wiki/Terraforming_of_Venus
http://www.sf-encyclopedia.com/entry/venus
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Map_of_Venus.png
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Coluna do Astrônomo

Nossos Astros na Ficção-Científica: Mercúrio (O Alienígena)

Na série dos nossos astros na FC, prosseguimos com o planeta Mercúrio.

Mercúrio é o primeiro a partir do Sol, com uma órbita curta equivalente a quase 88 dias aqui na Terra. A brevidade de sua órbita o torna difícil de vê-lo, pondo-se no horizonte antes de Vênus, logo após o Poente ou sumindo logo após o Nascente: ainda assim, a Humanidade já o havia observado há tempo, sendo a mais antiga observação conhecida datando do Século 14 a.C., feita pelos assírios. Essa característica fugaz levou os povos grego e romano a associá-lo com suas respectivas versões do deus do Olimpo, Hermes e Mercúrio. Já os povos germânicos o associaram a Odin, os egípcios com Thot: todos deuses ligados à sabedoria. Não é à toa que ele guarda a entrada do prédio antigo do nosso Planetário da Gávea.


Hermes/Mercúrio, Thot e Odin

Literariamente, Marte e Vênus sempre foram paragens mais populares entre os escritores para suas histórias do que Mercúrio, por parecerem mais prováveis de poderem abrigar vida do que um planeta tão próximo ao Sol. O que não impede de ter havido explorações e conjecturas literárias, das quais creio valer à pena destacar abaixo.

A primeira viagem interplanetária pode ter sido escrita em 1656 pelo jesuíta e polímata Athanasius Kircher, incluindo Mercúrio, Vênus e Marte em sua obra “Itinerarium Exstaticum”. O protagonista Theodidactus é então guiado através dos céus pelo anjo Cosmiel em um sonho.

Chevalier de Béthune em 1750 escreve “Relation du Monde de Mercure”, onde vividamente descreve diversas espécies de alienígenas vivendo em cidades construídas em rígidos padrões geométricos, alguns possuindo asas e todos envolvidos em tremendas batalhas uns contra os outros: pode ter sido esta a primeira história com Mercúrio sendo o foco principal.

Em suas considerações filosóficas e metafísicas, o pensador sueco Emanuel Swedenborg inclui Mercúrio (e os demais planetas) em suas conversas com espíritos que lá habitavam no seu “De Telluribus” (título abreviado, 1758).

Em 1889, o astrônomo italiano Giovanni Schiaparelli pensou ter observado que Mercúrio tinha uma face virada eternamente para o Sol. A razão por trás disso é chamada “efeito de maré”, em que a proximidade excessiva de um astro que orbita outro de maior gravidade leva o primeiro a mostrar a mesma face sempre para o segundo, uma vez que agora a rotação do primeiro tem a mesma duração do tempo de sua órbita – é por isso que a Lua sempre mostra a mesma face para a Terra.

Essa observação, entretanto, foi equivocada, e só com a radioastronomia em 1965 descobriu-se que Mercúrio tinha um dia equivalente a 59 dos nossos. A essas tantas, a Ficção Científica já tinha o primeiro planeta como cenário de suas histórias, mas como a literatura – mesmo a fantasiosa – tende a refletir o mundo em que vivemos, o novo dado a respeito dele passou a constar nas obras subsequentes.

Entre Schiaparelli e a descoberta de 1965, Mercúrio era pensado como sendo fustigado por temperaturas extremas de ambos os lados, muito altas pela face voltada para o Sol e muito baixas pela face oposta. A ideia de uma faixa de eterno crepúsculo onde, por crateras e vales, poderia haver um meio termo minimamente tolerável, com ambientes subterrâneos ou pressurizados, protegidos à sombra e com painéis solares que captavam a energia do Sol, não fugiu aos autores de FC: Isaac Asimov, nas aventuras juvenis de seu personagem Lucky Starr descreve o fantasma vermelho de Mercúrio, ou o eterno brilho solar no horizonte da faixa crespuscular em O Grande Sol de Mercúrio (1956). Larry Niven em seu  “The Coldest Place” (1964) conta uma história no lado frio de Mercúrio… um ano antes da descoberta.


Algumas capas de Mercúrio

O Mercúrio atualizado surge no conto de John Varley’s “Retrograde Summer” (1975), apresentando o planeta como um lugar de beleza e perigo, onde com um traje apropriado de campo de força, pode-se nadar em lagos de mercúrio escaldante e admirar o brilho do vapor de mercúrio ionizado acima.

No magistral “Encontro com Rama” (1973), de Arthur C. Clarke, em um sistema solar colonizado, o governo de Mercúrio decide abater o misterioso veículo que adentra o sistema solar e ruma para o Sol.

Em “Sundiver” (1980), de David Brin – citada coluna passada –, entre as idas à cromosfera solar, os personagens passavam o tempo em Mercúrio.

Terminator é a cidade ambulante que viaja em Mercúrio sobre trilhos, sempre adiante do nascer do Sol, impulsionada pela dilatação do metal dos trilhos na área já aquecida, na obra de Kim Stanley Robinson: “The Memory of Whiteness (1985)”, “Mercurial” (na coletânea “The Planet on the Table”, 1986), “Blue Mars” (1996), and “2312” (2012).

Stephen Baxter descreve Mercúrio como sendo o último bastião da Humanidade contra uma raça invasora hostil em “Manifold: Space” (2000), que pretendia desmantelar nosso sol para seus próprios fins de energia.

Ben Bova, um dos velhos mestres da FC ainda vivos, em 2005 escreve “Mercury”, onde uma boa descrição do que uma sociedade mercuriana poderia vir a ser.

“Lockstep” (2014), de Karl Schroeder, situa-se 14 mil anos no futuro: Mercúrio não mais existe, havendo sido matéria-prima para criar uma “nuvem de Dyson”, colossal estrutura para captar a energia do Sol e assim abastecer lançamentos de naves espaciais e tecnologia pós-humana.

A Ficção Científica em outras mídias também se lembrou de Mercúrio: a série animada Invasor Zim (2001) conta que Mercúrio é uma nave protótipo construída pelos antigos marcianos, no universo de games, e os quadrinhos de Buck Rogers no arco “Attacked by Mercurians” (1932) falam de uma guerra entre os dois lados de Mercúrio, o da noite e o do dia, e depois da criação de uma lua para o planeta. O game “Destiny” mostra um Mercúrio terraformado por alienígenas, a sequência “Destiny 2” fala que o planeta foi tornado oco para hospedar um gigantesco computador.

Mais sobre Mercúrio na Ficção Científica pode ser lido nos links abaixo.


Mercúrio, em cores falsas.

Luiz Felipe Vasques

15/04/2019

Links principais consultados:

https://en.wikipedia.org/wiki/Mercury_in_fiction
http://www.sf-encyclopedia.com/entry/mercury
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Nossos Astros na Ficção Científica: o Sol

Dos corpos celestes de nosso Sistema Solar, sete são conhecidos desde a Antiguidade: o Sol, a Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno – fora os cometas e chuvas de meteoros ocasionais. Era o que conseguíamos ver, a olho nu. Acreditávamos, por tabela, que todos orbitavam ao redor da Terra.

Sempre intrigada, a Humanidade se questionava que fenômenos seriam estes, e primeiro os emplacou em seus sistemas de crenças como forma auxiliar de marcação do Tempo para fins agrícolas, divinatórios, etc; e, no devido momento, registrou-os na Literatura – literatura fantástica, inclusive.

Hoje começamos uma série dos corpos celestes do Sistema Solar na Ficção Científica, e veremos que, bem antes de pensarmos nela própria, eles já ajudavam a preencher nossa imaginação.

Quando descobrimos a realidade heliocentrista, viu-se que somente a Lua orbitava a Terra, enquanto a Terra e os planetas orbitavam o Sol, na ordem do mais próximo do Sol para o mais distante: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno. O aprimoramento da Astronomia nos levou a descobrir ainda Urano e Netuno, além planetoides, asteroides, anéis e luas em outros planetas e a natureza dos cometas e meteoros.

Começaremos, portanto, com o próprio Sol. Nosso Astro Rei é, sob os dados que atualmente dispomos, uma estrela com 4,6 bilhões de anos, tida como de meia-idade. Considera-se que o Sol nasceu da compactação de uma nuvem de matéria local pela gravidade, colapsando em um núcleo gravitacional principal que engoliu quase toda matéria disponível, dando ignição por um processo de fusão a uma estrela, com o resto da matéria local girando-lhe ao redor em um disco de acreção que resultou no nosso Sistema Solar: planetas, luas, cometas, etc. As dimensões do Sol nos são estarrecedoras, se compararmos com a Terra, com um diâmetro de 1,39 milhões de quilômetros ou 109 vezes o do nosso planeta, e uma massa 330.000 vezes a do nosso planeta. Mesmo assim, o Sol não é, mas nem de longe, a maior estrela existente – mas certamente é o centro de nossas vidas.

Sua luz, calor e periodicidade, além de possibilitar a vida na Terra, sempre também nos foram referências para medirmos a passagem do Tempo, e mais tarde o elencamos para fazer parte de nossos mitos nas antigas religiões. Por exemplo, os astecas acreditavam que o deus do Sol devia sempre ser alimentado através de sacrifícios humanos em massa. Os japoneses acreditavam que seus imperadores descendiam da deusa do Sol. Ainda, uma mesma mitologia pode apresentar variações sobre um mesmo tema ou história: os gregos antigos tinham o Sol como a carruagem do deus Apolo, mas também o Sol podia ser Helios, titã filho de Hyperion (a luz celeste) com sua esposa Theia (senhora do azul brilhante do céu). O famoso e trágico voo de Ícaro também está relacionado com o Sol.

Além das lendas, a literatura fantástica não-religiosa de época por vezes aproveitou o Sol como motivo ou característica em suas histórias. O autor cristão Luciano de Samosata, no Século II d.C., escreve “História Verídica”, que a despeito da época em que foi escrita, curiosamente apresenta elementos compatíveis com os temas de hoje em dia na Ficção Científica: uma viagem para o espaço, um primeiro encontro com formas de vida alienígenas, guerra e imperialismo interplanetário e colonização de planetas, o desejo de viajar e conhecer, além de alguns outros (o que vale a essa obra uma posição na disputa para saber qual foi a primeira obra de Ficção Científica escrita no mundo). Ainda que não se resuma apenas a isso, em “História Verídica”, os reis do Sol e da Lua estão em guerra para decidir quem colonizará a Estrela da Manhã (sim, o planeta Vênus, o próprio). Apesar dessas coincidências, a obra é uma sátira – a começar pelo próprio título –, criticando costumes e religiões da época, em vez de ser uma obra filosófica focada em especular sobre a natureza dos astros do céu, por exemplo. Mas, é claro, fica o registro na História.

Samosata inspirou outra sátira séculos depois, “O Outro Mundo ou Estados e Impérios da Lua” (1657), onde o autor Cyrano de Bergerac escreve que seu protagonista vai até a Lua e o Sol, onde é julgado pelos crimes da Humanidade contra os pássaros, mas um que o conhecia acaba o soltando. Em outro trecho, habitantes (detalhe: pessoas, como na Terra) de uma mancha solar lhe ensinam sobre o Sistema Solar de forma a relacionar ao movimento dos átomos. Uma outra explicação no texto revela que toda a matéria vem das estrelas sendo expelida por elas, e uma vez que o Sol fique sem combustível, ele consumiria os planetas e renovaria o ciclo.

A ideia do Sol queimando todo o combustível e apenas apagando (a noção da fusão nuclear só surgiria mais tarde) apareceria ainda em algumas obras, como “Omega” (1893-94), do astrônomo francês C. Flammarion e “A Máquina do Tempo” (1895) de H. G. Wells ou “A Casa Sobre o Abismo” (1908), de W. H. Hodgson.

Atualizados os princípios por trás da natureza das estrelas no Século XX e com o estabelecimento da Ficção Científica, novas e variadas histórias foram surgindo, ainda que alguns temas ainda fossem semelhantes com as histórias mais antigas: a noção que o Sol possa ser habitado – agora por alguma forma de vida alienígena, em vez de pessoas – inspirou Arthur C. Clarke a escrever o conto “Vindo do Sol” (1958). Antes dele, Olaf Stapledon descreve alienígenas do Sol em “The Flames” (1947), e o astrônomo e escritor David Brin (entrevistado da coluna no artigo “Três Visões Vernianas”) descreve “fantasmas do Sol” vivendo na cromosfera solar em “Sundiver” (1980).

Já sobre o fim do Sol, que hoje em dia estipulamos que será depois de mais 5 bilhões de anos (estrela de meia-idade, lembram-se?) de estabilidade até entrar no processo que a transformará em uma gigante vermelha; igualmente histórias não faltam: Clarke trata do tema algumas vezes ao longo de sua carreira, destacando-se os romances “A Cidade e as Estrelas” (1956), onde fala sobre uma estrela já avermelhada ao redor da qual orbita uma melancólica Terra sem Lua ou oceanos e com único e vasto deserto, daqui a um bilhão de anos; e “As Canções da Terra Distante” (1986), onde deu um fim ao Sol perto do ano 3.600, ao transformá-lo prematuramente em Nova, forçando a Humanidade a voar para as estrelas atrás de planetas habitáveis, dormindo por séculos em enormes naves colonizadoras em voo sub-luz. O autor Jack Vance praticamente inaugurou um sub-estilo na FC chamado “Dying Earth” (“Terra Agonizante”), com histórias suas passadas neste período melancólico.

Outras mídias também aproveitaram o Sol (e o seu fim) como mote: em “Sunshine – Alerta Solar” (2007), o Sol está morrendo e a Terra está congelando, e uma missão ao Sol é lançada, para lançar uma bomba que conseguiria “fazer pegar” nossa estrela. A agonia do Sol também está em “The Wandering Earth” (2019), superprodução chinesa (ainda sem nome no Brasil) onde, devido à entrada na fase de gigante vermelha, a Humanidade decide mover a Terra para Alfa Centauri.

Acham exagero? Bem, o que achar de uma frota dos – então – nove planetas do Sistema Solar em busca de uma nova estrela-mãe com em “Thundering Worlds” (1934), por Edmond Hamilton? 🙂

Poderíamos ainda desenvolver sobre outros aspectos do Sol na literatura fantástica, como eclipses ou o vento solar, mas por hoje ficamos por aqui.

Links relacionados (em inglês):

https://www.theoi.com/
http://www.sf-encyclopedia.com/entry/sun
https://futurism.media/top-dying-earth-science-fiction-books

Luiz Felipe Vasques


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OS MUITOS FRANKENSTEINS

Nesta nova fase da página do Planetário, nosso cantinho é das Sextas de Sci-Fi, onde toda sexta-feira nós fechamos a semana falando da Ficção-Científica, em seus vários vieses, expressões e ideias.

Hoje temos uma convidada, a tradutora e pesquisadora de literatura Ana Resende, falando sobre a história que, de acordo com muitos, é a primeira obra de Ficção Científica já escrita: Frankenstein ou o Prometeu Moderno, de Mary W. Shelley. Suas pesquisas levaram a analisar a “herança” de Frankenstein no Século XIX e início do XX, e a análise a seguir é parte desta reflexão.

Depois de dezenas de adaptações, muita gente tende a se lembrar mais de Frankenstein pela clássica cena do filme de 1931 do que pelo livro propriamente dito, Frankenstein ou o Prometeu Moderno. No filme, o cientista Victor Frankenstein grita, tal qual um louco, “It’s alive! [Está vivo!]” e comemora o resultado de seus esforços em trazer à vida a sua criatura.

No entanto, quem leu o livro de Mary Shelley, sabe que tal cena jamais existiu no livro e também deve se lembrar que, apesar de seu propósito em reviver a matéria morta, o erudito Victor Frankenstein nada tinha de cientista louco.

Após mais de 200 anos desde a sua publicação, as histórias sobre o que levou Mary Shelley a escrever o livro que lhe traria fama são bastante conhecidas: o contato precoce com a literatura europeia, o ano sem verão de 1818, a visita ao poeta Byron na Suíça, a aposta entre os visitantes, mas aqui vou me concentrar no personagem de Victor Frankenstein e destacar o que ele diz sobre a própria Mary.

Para começo de conversa, como já comentei, o erudito da versão de 1818 dá lugar nas décadas seguintes ao cientista louco e entra para o imaginário popular graças ao filme dos anos trinta, inspirado na peça Frankenstein: An Adventure in the Macabre [Frankenstein: uma Aventura no Macabro], escrita pela também inglesa Peggy Webling.

E, apesar de ser um “homem de ciência” – como eram chamados os “cientistas” da época, pois o termo “scientist” só seria cunhado décadas depois -, Mary Shelley é pouco específica em relação à pesquisa de Victor, e descreve brevemente as fontes nas quais ele vai buscar conhecimento.

Apesar de sucintos, seus comentários sobre os estudos do jovem são fundamentais não só para a história da literatura mundial, mas também para a história da ciência (e não foram poucos os cientistas que se debruçaram sobre o livro).

E é aí que Frankenstein ou o Prometeu Moderno se diferencia de tudo que foi escrito antes (de um Fausto, por exemplo, que recorre ao diabo para obter conhecimento ilimitado) ao mostrar o empenho de Victor Frankenstein em acumular conhecimento, e o resultado de seu esforço: a criatura sem nome (que posteriormente passou a ser identificada pelo sobrenome de seu criador, Frankenstein).

A criatura de Victor é resultado tanto de suas pesquisas sobre o conhecimento antigo quanto do estudo das modernas técnicas de sua época.

E foi assim que um livro cujo tema envolvia nada menos que reviver os mortos, e incluía doses das discussões científicas da época, além de pinceladas de literatura clássica, tornou-se a tal ponto fundamental para o imaginário contemporâneo acerca da ciência que muitos, não sem razão, o consideram a obra fundadora da ficção científica tal como a conhecemos.

Apesar da falta de detalhes sobre a pesquisa de Victor Frankenstein, sabe-se que à época Mary tinha uma variedade de informações científicas à sua disposição, sobretudo, pela popularidade dos cientistas itinerantes, que se apresentavam em feiras e parques de diversões, como era o caso de Giovanni Aldini, sobrinho do italiano Luigi Galvani.

Aldini pretendia, com o uso da galvanoterapia, evitar o fim prematuro da vida, e chegou a realizar experimentos para reanimar condenados à morte por enforcamento.

O uso das técnicas de choque era bem popular naqueles anos. Falava-se até em aparelhos portáteis para que as crianças aprendessem desde cedo a importância da eletricidade, e o clima era de otimismo em relação às realizações da ciência.

Mas ao narrar a trajetória de Victor Frankenstein, Mary também alerta para as implicações éticas e morais de seu experimento. E não à toa o termo “frankenstein” ainda hoje é usado para se referir a algo que deu errado ou saiu dos planos.

Ana Resende

***

Ana Resende ainda cuida de uma coleção digital à venda na Amazon, intitulada “Prosa na Veia”, reunindo contos de horror e ficção científica inéditos ou pouco conhecidos.

Para contatar Ana Resende:

Link do perfil no Facebook: https://www.facebook.com/hoelterlein

Coleção digital “Prosa na Veia”: http://amzn.to/2PflKFG

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A Astronomia em Júlio Verne

E como não falar de Astronomia, devido à natureza deste blog?

Prosseguindo com nosso Fevereiro Verniano, a coluna de hoje fala da Astronomia presente nos contos de Júlio Verne: não poderia faltar, em todas as suas pesquisas ao escrever seus romances e histórias, o campo desta ciência, que já se encontrava em direta expansão desde o heliocentrismo de Copérnico e a luneta de Galileu Galilei.

De cara, para quem conhece um pouco da obra de Verne, ao pensarmos em Astronomia logo associamos com “Da Terra à Lua” (1865) e “Ao Redor da Lua” (1870), onde até pesquisas sobre metalurgia e balística foram feitas, de forma a deixarem suas histórias as mais acuradas possíveis. Mas não foram as únicas histórias.

O astrônomo francês Jacques Crovisier fez esta correlação em um artigo científico* que, com sua devida autorização, agora traduzimos alguns trechos. Claro, há que se levar em conta que estamos falando de um autor do Século XIX e com o que se sabia sobre qualquer assunto em sua época. Previsões, certeiras ou não, são fruto de sua síntese pessoal do que conseguia trabalhar ao redor, fosse apenas relatando, fosse especulando. Sendo assim, lembremos que Verne por vezes acertava, por vezes errava – mas sempre assombrava.

“As Viagens e Aventuras do Capitão Hatteras” (1866), resume Crovisier, apresenta um dos temas principais de Verne: países frios e a exploração das regiões polares, discorrendo sobre os pólos, a temperatura e os movimentos da Terra. Ainda, levanta a ideia de que um cometa pode ter um dia ter se chocado contra nosso planeta e lhe alterado o eixo de inclinação, e por conseguinte ditado as novas terras que receberiam menos frio do que antes. A hipótese vinha então sendo aceita como, por exemplo, podendo explicar fósseis de animais de aspecto tropical encontrados em regiões frias.

“As Aventuras de Três Russos e de Três Ingleses na África Austral” (1872) conta sobre uma equipe de astrônomos se aventurando no interior da África para medir um meridiano, usando um método de triangulação existente. A obra é tida como homenagem ao astrônomo francês François Arago, que procurava medir o arco de um meridiano para poder precisar a extensão do metro.

“A Volta ao Mundo em 80 dias” (1873) brinca com o conceito de, ao ultrapassarmos o meridiano 180, oposto ao de Greenwich, sempre indo para Leste até retornamos ao ponto de origem, ganha-se mais um dia.

“O País das Peles” (1873) é passado bem ao norte canadense, a 70o Norte, onde os personagens estabelecem um forte. Uma observação de um eclipse total é esperada. Mas, após um terremoto, as próprias leis da física não parecem mais fazer sentido, com as marés não mais sendo sentidas e o eclipse visto sendo apenas parcial: ocorria que eles estavam na verdade agora em um grande iceberg.

Em “Hector Servadac – Viagens e Aventuras Através do Mundo Solar” (1877) um grande cometa resvala na Terra, levando consigo partes da superfície onde se choca, incluindo os protagonistas, que passam a viver por dois anos sistema solar afora até que a trajetória, que irá pelas órbitas de Vênus, Júpiter e Saturno, passe novamente pela Terra e eles poderão desembarcar através de um balão. Apesar de certas licenças no conceito, as descrições de então do sistema solar são tidas como vívidas, e a marcação e exploração do cometa em que se encontram é parte importante da narrativa, onde da falta de peso (indicando uma gravidade menor) até a diferença do ciclo diurno são notados, como forma de apresentar a ideia que estão em um outro mundo. Uma curiosidade é que dentre os náufragos espaciais há um astrônomo chamado Palmyrin Rosette (também presente em O País das Peles), que mede o cometa: em 2004, a sonda espacial europeia que pela primeira vez na História alcançou fisicamente um núcleo cometário chamava-se Rosetta, embora a referência tivesse sido a Pedra de Rosetta, que historicamente ajudou Champolion a decifrar os antigos hieróglifos egípcios.

“O Raio Verde” (1882) fala de um efeito de refração da luz no momento da primeira ou última luz do sol erguendo-se ou se pondo no horizonte o que, até então, em literatura era desconhecido. Fica então um mistério, pois Verne não dá dicas de onde ele pode ter conhecido o conceito.

“A Caça ao Meteoro” (1908) é um livro póstumo de Verne, editado bastante por seu filho Michel, que corrige as inconsistências e acrescenta alguns capítulos. Esta versão e a original podem ser encontradas na Internet. A história é a respeito de dois astrônomos que competem pela descoberta de um meteorito, que revela-se, é feito de ouro. Considerações sobre a futura ruína econômica são tecidas, assim com um retrospecto dos meteoritos de núcleo metálico conhecidos até então.

Ainda há mais obras de Verne onde a Astronomia e ciências associadas surgem e são parte importante, dentro do que também era um projeto educativo das “Histórias Extraordinárias”, mas já estamos nos excedendo no tamanho por aqui. Em todo o caso, o artigo de Jacques Crovisier é bastante interessante e vale a leitura: seguem os links para onde encontrá-lo (em inglês) e uma página para mais detalhes. Infelizmente, não há tradução para o português que conheçamos.

https://arxiv.org/abs/0906.1052

www.lesia.obspm.fr/perso/jacques-crovisier/JV/verne_gene_eng.html

Outros links de referência:

https://en.wikipedia.org/wiki/Jules_Verne

 

* “Astronomy and astronomers in Jules Verne novels”. Originalmente publicado em 2011, após a participação em 2009 do simpósio “O papel da Astronomia na Sociedade e Cultura”, organizado pela União Astronômica Internacional na sede da UNESCO, Paris, por ocasião do Ano Internacional de Astronomia.

 

Luiz Felipe Vasques

22/02/2019