Nossos Astros na Ficção Científica: Júpiter
Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos de Júpiter.
Entre os planetas, o brilho forte de Júpiter é apenas superado pelo de Vênus mas, ao contrário deste, visível somente antes do nascente ou depois do poente, pode ser avistado durante a noite inteira.
Para os povos germânicos, um corpo de tal brilho e proeminência só podia ser associado a Thor. Os sumérios o chamavam de Enlil, o deus do ar, ventos e tempestades, que separou seu pai e sua mãe (O Céu e a Terra) ao nascer. Para os hindus era Brihaspathi, importante conselheiro dos deuses; os babilônios o tinham como Marduk – seu deus principal. Isto pode ter influenciado os gregos, pois em um momento inicial era identificado por Faetonte, um filho de Apolo, mas gradativamente acabaram associando-o com Zeus, líder do panteão. Por tabela, os romanos o chamaram de Júpiter.
Júpiter é o quinto planeta a partir do Sol, e o primeiro dentre os planetas jovianos. Até então, de Mercúrio a Marte, havia o domínio dos planetas ditos rochosos – qual a Terra, mundos pequenos, de relativa baixa gravidade. A partir de Júpiter, começa o domínio dos gigantes gasosos do sistema solar: planetas com gravidade mais intensa, capazes de reter uma grande camada de atmosfera. Dentre os gigantes jovianos, Júpiter é o maior, sendo o dito rei dos planetas do nosso sistema solar. Com um cortejo de 79 luas (descobertas até agora), suas quatro maiores sendo descobertas por Galileu. Ele leva quase 12 de nossos anos para completar sua órbita, seu dia é de apenas pouco menos de 10 horas. Sua atmosfera é composta de gases tóxicos para nós, apresentando-se em listras coloridas de nuvens ao redor do planeta, com uma enorme tempestade gerando a Grande Mancha Vermelha que lhe é tão característico. Se comparado conosco, é intimidador: seu tamanho é tal que caberia dentro dele 1.321 planetas Terra, sua gravidade sendo 2,5 vezes a nossa.
O céu que Galileu Galilei descobriu com sua luneta era novo e intrigante. Ao apontá-la para Júpiter, em 1610, descobriu que havia quatro corpos que ziguezagueavam por sua frente: entendeu que era ao redor dele. Isto foi uma descoberta importante, pois contestava prontamente o Geocentrismo, em que se acreditava que tudo girava ao redor da Terra, esta sendo imóvel, dando munição para o Heliocentrismo de Copérnico, estabelecido 70 anos antes: afinal, se então havia corpos que giravam ao redor de outros corpos que não a Terra…
A partir do Século 19, a literatura fantástica deu mais atenção a Júpiter. “A Narrative of the Travels and Adventures of Paul Aermont Among the Planets” (1873), de “Paul Aermont”, conta uma viagem de balão por vários planetas. “A Journey in Other Worlds” (1894), de John Jacob Astor IV, é passado no ano 2000, onde ao lado de uma rede de telefones, energia solar e viagens aéreas há viagens espaciais para Júpiter e Saturno, além de obras de engenharia planetária. Em Júpiter se descobre uma vasta riqueza de recursos exploráveis: petróleo, carvão, chumbo, ferro, prata e ouro; além de ser uma versão primitiva da Terra, com grandes selvas cheias de dinossauros, plantas carnívoras, lagartos voadores, morcegos vampiros, mastodontes e cobras gigantes.
Edgar R. Burroughs leva seu John Carter para uma aventura em Sasoon – o nome de Júpiter – em “Skeleton Men of Jupiter” (1943). Clifford Simak em “City” (1952; originalmente oito histórias curtas interligadas) conta de humanos se adaptando permanentemente para o meio ambiente hostil de Júpiter, passam a considerá-lo um paraíso. Isaac Asimov nos dá o conto bem-humorado “Júpiter à Venda” (1958), os irmãos Strutgatsky escrevem “Destinaton: Amalthea” em 1960, referindo-se à quinta lua de Júpiter, descoberta em 1892. “The Jupiter Theft” (1977), por Donald Motiff, conta sobre uma expedição alienígena ao nosso sistema solar por fim de capturar Júpiter e usá-lo como fonte de energia para continuar sua viagem por milhões de anos, deixando no lugar o que restou do último planeta joviano que eles capturaram.
“Encontro com Medusa” (1972), de Arthur C. Clarke, fala de formas de vida gigantescas, como, bem, medusas e águas-vivas flutuando pela atmosfera joviana, e tais possibilidades são citadas por Carl Sagan em “Cosmos”. As imagens mais poderosas de Júpiter nas telas talvez sejam as filmadas por Stanley Kubrick em “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1969) e Peter Hyams em “2010 – O Ano em Que Faremos Contato” (1986). Na versão do romance do primeiro filme, por Clarke, Júpiter era apenas ponto de manobra para se chegar a Saturno, destino original da missão da Discovery. Mas ser em Júpiter apenas facilitava algumas coisas para o primeiro filme, sendo mantido no segundo: suas continuações literárias mantiveram Júpiter e suas luas como cenário.
As luas de Júpiter são fonte à parte de inspiração. Na medida em que se evidenciava que Júpiter era realmente inabitável – entre sua forte gravidade, a atmosfera tóxica e extremamente densa, e alta radioatividade natural –, suas luas se apresentavam mais promissoras, especialmente as quatro grandes. Chamadas “Estrelas Medicianas” em um primeiro momento por Galileu; Io, Europa, Ganimede e Calisto por ele foram batizadas de acordo com os raptos do deus greco-romano.
Io é palco de “Outland – Comando Titânio” (1981), com Sean Connery (refilmagem sci-fi do clássico do faroeste “Matar ou Morrer”, de 1952), onde apresenta uma colônia de mineração. Clarke e Stephen Baxter lançam “Firstborn” (2007), onde se extrai antimatéria natural a partir do tubo de fluxo magnético de alta energia existente entre Io e Júpiter.
Ainda Clarke, em seus livros da “Odisseia no Espaço”, devotou a Europa especial atenção: na vida real, esta lua tem uma grande superfície de água congelada, mas um oceano subterrâneo em estado líquido pode ocorrer. “2010 – Uma Odisseia no Espaço II” (1984), uma raça de aspecto vegetal é apresentada como vivendo nessa lua, com potencial para a senciência: o que desperta o interesse da raça ancestral que estimulou os hominídeos em “2001 – Uma Odisseia no Espaço”. Para que o ecossistema de Europa pudesse vencer, para eles valia tudo – até transformar Júpiter em um segundo sol… o filme “Viagem à Lua de Júpiter” (2013) expande o que poderia ser um trecho de “2010”, com uma expedição tripulada a Europa e o que lá eles encontram.
Na série “The Expanse” – TV e livros –, Ganimede produz boa parte dos alimentos do sistema solar. Alguns episódios da série “Babylon 5” nos levam ao sistema joviano e Ganimede, com antigos e sombrios segredos (des)enterrados. Em “Space Jockey” (1963), de Lester del Rey, Ganimede é uma antiga colônia penal, agora independente e da qual os terráqueos desconfiam.
Isaac Asimov, no conto “A Ameaça de Calisto” (1940), conta de lesmas gigantes que usam campos magnéticos para atordoar suas presas. O conto “By the Book” (2013), de Charles Gannon, conta como, em meados do Século 24, Calisto tornou-se o estaleiro espacial de naves geracionais.
“Júpiter” (2000), do veterano Ben Bova em sua série “Grand Tour”, conta sobre um espião em uma estação orbitando Júpiter e a descoberta de vida inteligente bem abaixo das nuvens do planeta.
“Manta’s Gift” (2002), de Timothy Zahn, conta sobre o transplante do cérebro de um humano quadriplégico para o embrião de um indivíduo da raça de seres que vive na atmosfera jupiteriana.
Galileu Galilei é um personagem de Kim Stanley Robinson em seu “Galileo’s Dream” (2009), que é transportado para o sistema joviano no Século 29, quando colonos humanos descobrem que o próprio planeta é uma vasta inteligência consciente.
Deste ano de 2019, dois filmes abordam Júpiter. A produção chinesa “Terra à Deriva” retrata Júpiter como ponto importante na trama, em que nosso planeta precisa abandonar o sistema solar: vital em nossa jornada, acaba se tornando potencialmente letal para os viajantes; e “IO” aponta a lua jupiteriana como novo lar da Humanidade após um apocalipse ambiental, embora a filme se passe na Terra.
Presentemente, uma ciosa Juno observa atentamente Júpiter e suas indiscrições bem de perto. A sonda norte-americana entrou em sua órbita em 2016, e vem coletando dados e tirando belas imagens desde então, e ainda está em operação. Procurem na Internet por “nasa juno jupiter”, o resultado vale a pena: assim como os rabiscos de Galileu, 400 anos atrás, as imagens são inspiradoras.
Luiz Felipe Vasques
24/05/2019
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