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Nossos Astros na Ficção Científica: Marte

“Marte se tornou uma espécie de arena mítica na qual nós projetamos nossas esperanças e nossos medos Terrestres.” – Carl Sagan, “Cosmos” (1980)

Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos de Marte.

Com um brilho forte e avermelhado, que pode remeter ao fogo e ao sangue, em alguns povos do passado o quarto planeta de nosso Sistema Solar incitou a imaginação sob uma dose de cautela. Os chineses antigos tinham que a “estrela de fogo” trazia potencial para tempos de guerra, pesar e desgraça. Para os hindus, era Mangala, deus da guerra e do celibato. Na astronomia babilônica, ele era associado a Nergal, deus da guerra, praga, morte e doença. Gregos e romanos, por fim, associaram-no ao deus da guerra: Ares/Marte.


Os deuses Nergal, Mangala e Marte.

Marte, no fim das contas, é o quarto planeta a partir do Sol. É um planeta rochoso, sem as dimensões dos ditos planetas gasosos ou jovianos (Júpiter, Saturno, Urano e Netuno). É menor do que a Terra, possuindo uma atmosfera mais tênue que a nossa, predominando o gás carbônico (suas calotas polares têm gelo seco), com gravidade somente 0,38 da Terra. Possui duas pequeninas luas, provavelmente asteroides capturados, chamadas Fobos e Deimos (o Horror e o Terror, dois dos companheiros do deus da guerra). Sem um campo magnético, como a Terra, para protegê-lo da radiação do espaço ou do vento solar, sofre um processo crônico de erosão de sua atmosfera, mas acredita-se que tenha tido água em estado líquido há muito, muito tempo atrás. É, apesar disso, por enquanto nossa melhor opção para pensarmos em colonizar outro mundo. Passamos cerca de 80 anos acreditando que Marte poderia ser habitável e habitado. Por tudo isso, talvez seja o planeta mais lembrado pelos autores de Ficção Científica, depois do nosso.

Os sempre citados por aqui Athanasius Kircher e Emanuel Swedenborg (Século XVII), em seus textos esotéricos e especulativos encontram-se as primeiras obras a usar Marte como cenário de alguma descrição.

A obra “As Viagens de Gulliver” (1726), de Johnathan Swift, traz uma curiosa predição, ao ser dito que os astrônomos de Laputa descobrem dois satélites ao redor de Marte, o que é acurado – mas Fobos e Deimos só seriam descobertas por Asaph Hall em 1877.

Foi o mesmo ano em que o astrônomo italiano Giovanni Schiappareli (o mesmo que havia calculado que Mercúrio devia ter sempre uma mesma face para o Sol), em suas observações, notou que Marte parecia apresentar canais em sua superfície – o que, na verdade, era uma ilusão de ótica devido ao baixo poder dos telescópios da época. Quando isto foi traduzido para o inglês, o que havia sido escrito “canali” para os canais erroneamente preferiu-se o termo “cannel” (canal artificial, como o Canal do Panamá) em vez de “channel” (canal natural, como o Canal da Mancha). Na época, foi o suficiente para incendiar a imaginação de quem já ansiava por encontrar vida, e vida inteligente, em outros pontos do sistema solar. O astrônomo americano Percival Lowell (que se envolveu também na descoberta de Plutão) foi um deles, após ler a tradução errônea lançou três livros sobre Marte e as promessas de vida inteligente e suas descrições – e como divulgação científica, não de ficção. Não ajudava, em prol da objetividade, que um astrônomo conterrâneo de Schiapparelli, Camille Flammarion, já tivesse sugerido que as manchas castanhas visíveis pelos telescópios de então poderiam ser de uma vegetação local predominante de características próprias.


Um provável Marte de outrora.

Em meados dos 1910, os astrônomos haviam concluído que a observação de qualquer tipo de canais em Marte era equivocada, mas para a percepção popular, isto não importou muito: imaginar uma raça que havia feito tantas alterações em seu mundo levantava a ideia de que Marte deveria ser um mundo frio e seco, com problemas de abastecimento de água, com uma civilização potencialmente agonizante… era um apelo simplesmente forte demais. Todas estas especulações só encontraram fim quando as sondas norte-americanas Mariner sobrevoaram Marte nos anos 1960, fotografando a superfície do planeta: até lá, a Ficção Científica se serviu muito bem.

Alice Ilgenfritz Jones e Ella Merchant escrevem em 1893 “Unveiling a Parallel – A Romance”, uma história de uma sociedade utópica em Marte – a virada do Século produziu algumas histórias de utopia – onde as autoras debatem ideias feministas através das sociedades que elas criam, uma onde as mulheres adotaram os piores comportamentos masculinos e outra em que há igualdade, paz e harmonia entre homens e mulheres.

Gustavus W. Pope escreve “Journey to Mars” (título abreviado) em 1894, onde o protagonista é levado a Marte após resgatar, de um naufrágio, alguém que se revela ser um marciano. Este Marte é habitado por raças humanoides de cores diferentes, com sociedades de aspecto feudal mas que, ao mesmo tempo, tem alta tecnologia, superior à da Terra: reis e princesas e duelos com espadas existem ao lado de carros voadores e televisão e videofones.

“Auf zwei Planeten” (1897, “Em Dois Planetas”, tradução livre), de Kurd Lasswitz, obra alemã bastante influente em seu país, é sobre exploradores do Ártico encontrando uma expedição marciana no Polo Norte, desejando um contato amistoso com a Terra. Apesar de um bom início, tensões com o Império Britânico escalonam até a guerra.

Já havendo descrito uma expedição humana à Lua, H. G. Wells escolhe Marte para nos invadir em “A Guerra dos Mundos” (1898), em uma metáfora sobre os desmandos genocidas do Exército Colonial Britânico. Uma adaptação para um programa de rádio por Orson Welles em 1938 fez muita gente crer que era uma reportagem em tempo real, trazendo pânico às massas. Ela não foi a primeira história de invasão alienígena publicada, mas, sem dúvida, foi a mais famosa e influente dentro do tema, com ramificações desde adaptações até influência temática de várias outras obras.


Mapa topográfico de Marte: predominância de terras altas no hemisfério sul.

Edgar R. Burroughs descreve um Marte bem semelhante ao de Pope em sua série de “John Carter de Marte”, bem mais famosa, provavelmente tendo Pope como influência. Ele escreveu as aventuras de Carter em Barsoom – o nome que os marcianos dão ao seu próprio mundo – entre as décadas de 1910 e 1940.

“Les Navigateurs de l’Infini” (1925), por J.-H. Rosny aîné, conta sobre viajantes da Terra até Marte, onde encontram duas raças competindo pelo controle do planeta.

Stanley G. Weinbaum, ao escrever “Uma Odisseia Marciana” (1934), imagina um cenário, criaturas e formas inteligentes realmente estranhas, com um resultado que se destacou na época, apresentando alienígenas com seus próprios propósitos, inumanos que fossem, mas que não eram apenas um pastiche, desafio ou um auxiliar para o protagonista humano. Foi o primeiro autor que lembrou que alienígenas deveriam ser… alienígenas, perante nossos olhos e razão.

Ray Bradbury nos dá em “As Crônicas Marcianas” (década de 1950) histórias inter-relacionadas contando o contato turbulento entre colonizadores da Terra e nativos marcianos, no que é considerado um clássico da Ficção Científica até hoje.

Arthur C. Clarke escreve seu primeiro romance de FC pondo Marte como alvo de uma viagem do protagonista em “As Areias de Marte” (1951). O curioso é que o personagem é um escritor de FC, que escrevia desde antes os voos espaciais começarem e agora tinha a chance de ir para Marte quando a primeira colônia lá estava sendo estabelecida, em uma cidade protegida sob um domo transparente. Não há como imaginar que Clarke não poderia estar falando de si mesmo, e um futuro que ele acreditou por muito tempo. Dado momento, há uma pequena discussão sobre o “prazo de validade” da FC, entre a especulação de um escritor e o que a realidade acaba trazendo.

Isaac Asimov escreve “Nós, os Marcianos” (1952) para contar como colonos se viram para sobreviver depois que um governo populista na Terra resolve cortar a exportação de água necessária para manter a população marciana. A série juvenil de “Lucky Starr”, escrita nos 1950, Asimov fala de uma antiga e desconhecida raça marciana que habita os subterrâneos de Marte, sem que os colonos oriundos da Terra, na superfície, de nada saibam.

Com a passagem das sondas espaciais e a confirmação de que Marte não somente era desabitado, mas longe de ser um cenário adequado à vida, houve uma queda de interesse por parte dos autores de FC, pelos anos 70 até meados dos anos 80, quando o interesse se reacendeu.

“Homem Mais” (1976), de Frederik Pohl, fala de adaptação radical biológica para o novo ambiente marciano, em vez de apenas viver em ambientes pressurizados ou terraformar o planeta.

John Varley publica seu conto “In the Hall of the Martian Kings” em 1977, no qual se aprende que o Marte que conhecemos é o de um longo, longo inverno, enquanto a raça marciana hiberna.


A “Trilogia Marciana” de K. S. Robinson.

Em 1990, uma curiosa proposta foi escrita por Harry Turtledove. Em “A World of Difference”; para resolver como pôr sociedades nativas viáveis no quarto planeta o autor simplesmente mudou o mundo: não é Marte, é Minerva, de dimensões similares à Terra, atmosfera, vida e… vida inteligente.

A obra literária mais reconhecida sobre Marte, hoje em dia, talvez seja a “Trilogia Marciana” de Kim Stanley Robinson. “Red Mars” (1992), “Green Mars” (1993), “Blue Mars” (1996) e ainda a coletânea “The Martians” (1999) contam sobre a colonização e terraformação do planeta vermelho, discutindo ecologia, sociedade e política, enquanto a Terra enfrenta os problemas da superpopulação e o colapso ambiental. A história se desdobra através dos séculos e das gerações.

Assim como Vênus, George R. R. Martin e Gardner Dozois publicaram “Old Mars” (2013), antologia resgatando os antigos temas de um Marte habitado por vida inteligente, antes da desmistificação trazida pelas sondas espaciais dos anos 1960 e 70.

Andy Weir escreve “O Marciano” (2014, adaptado para o cinema em 2015) contando sobre um náufrago na superfície de Marte, após um acidente com a expedição que o levou até lá.

O cinema, como não podia deixar de ser, interessou-se por Marte diversas vezes. “Robinson Crusoé em Marte” (1964) é uma outra história de naufrágio em Marte bem antes da de Weir, uma livre adaptação da obra original de Daniel Defoe; e em 2001 “Stranded” mostrou não um, mas cinco astronautas naufragados em Marte tendo que contar seus recursos. “A Guerra dos Mundos” ganhou versões no cinema em 1953 e 2005, além de uma série de TV em 1989. “Total Recall” (1990 e 2012, mas a de 2012 se passa inteira na Terra) é a versão mais conhecida que o original do papel de “We Can Remember It for You Wholesale” (1996), escrita por Phillip K. Dick, estrelando Arnold Schwarzenegger e também se passando em Marte, entre conspirações de espionagem, memórias roubadas e tecnologia marciana ancestral. Mais recentemente, “Vida” (2017) conta como a rotina a bordo da Estação Espacial Internacional se torna problemática quando uma forma de vida unicelular marciana é recuperada e reage aos experimentos de maneira inesperada.

Entretanto, a destacar nas telas grandes é a comédia de humor negro de 1996 “Marte Ataca!”, baseado em uma franquia de “trading cards” americana de 1962.


Ack! Ack! Ack!

Na Tv, em tempos recentes temos duas séries sobre o quarto planeta. “Marte” (2016), série sobre a colonização de Marte a partir do ano de 2033, já com duas temporadas. “The First” (2018), com Sean Penn, fala sobre o processo de mandar uma expedição tripulada a Marte em um futuro próximo, com todos os problemas envolvidos após o acidente fatal com a primeira expedição: ambas as séries primam por destacarem tanto os problemas pessoais dos personagens quanto os políticos nas situações, assim como o papel da iniciativa privada no processo de se alcançar e habitar Marte.

Nas últimas décadas vimos o interesse se reacender quanto as possibilidades de Marte, e obviamente que isso se reflete na cultura pop. Sondas são mandadas para lá com uma certa constância, e carros robôs capazes de investigar o planeta em sua superfície estão se tornando fato corriqueiro. A presença da iniciativa privada na ida a Marte já passou da mera especulação, e isso pode trazer uma nova perspectiva ao se resolver as coisas – pode-se dizer igualmente da presença de países até então com pouca ou nenhuma tradição de programa espacial.

Pessoalmente, gostaria que a ida a Marte – e sua colonização – fosse fruto de um esforço conjunto internacional, em vez da competição da agenda nacional local ou do interesse financeiro deste ou daquele grupo: ambições interplanetárias, recursos e esforço planetários. De qualquer forma, é claro que tudo ainda está muito no início. E se obviamente problemas e soluções se revelarão e se resolverão no devido tempo, confio que ao final de tudo ainda será como Sagan também diz, concluindo o capítulo sobre Marte em “Cosmos”: “Os marcianos seremos nós.”


Nosso invasor favorito.

Semana que vem a coluna deverá interromper a série “Nossos Astros na Ficção Científica” – mas não entre em pânico.

Apenas traga uma toalha.

Luiz Felipe Vasques

14/05/2019

Links Externos:

https://en.wikipedia.org/wiki/Mars_in_fiction
http://www.sf-encyclopedia.com/entry/mars

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