Nossos Astros na Ficção Científica: A Lua
“Viagem à Lua” (1902), na adaptação de Júlio Verne por George Meliés.
Na série dos nossos astros na FC, hoje falaremos da Lua.
Pode parecer um pouco estranho destacar a Lua, sendo um satélite e não ao menos um planeta. Mas, no imaginário celeste, a Lua sempre obteve um lugar de destaque na Antiguidade. Os “planetas” – atenção para as aspas – de outrora eram: Sol, Mercúrio, Vênus, Lua, Marte, Júpiter e Saturno. As luas dos três últimos eram pequenas demais para serem notadas a olho nu e, qualquer coisa existente de Urano em diante apenas foi descoberta nos últimos poucos séculos.
As diversas culturas da Humanidade lhes deram nomes e histórias. Entre os nossos Tupis era Jaci, consorte de Guaraci (o Sol). No Japão, o deus da Lua se chama Tsukuyomi, aliás irmão da Sra. Amaretsu, deusa do Sol. Como é da mitologia, uma mesma cultura podia assinalar mais de uma divindade, masculina ou (principalmente, no caso aqui) feminina para um mesmo fenômeno: os gregos tinham que a Lua podia ser presidida por Artemis ou Selene, com contrapartes romanas sendo Diana e Luna. Os egípcios a associavam com as deusas Ísis e Iah, mas também com Osíris, Thoth e Khonshu; tudo é sempre de acordo com algum sincretismo ou aspecto desejado ser evocado. A diversidade desses vieses mais tarde se refletiu na grande variedade de temas retratados da Lua na literatura.
Deusas da Lua: Coyolxāuhqui (asteca) e Selene (grega).
Assim como a Terra, na literatura fantástica a Lua serviu de diversas maneiras às narrativas criadas que a envolviam diretamente. Primeiramente como ponto de destino nas narrativas antigas, como “História Verídica”, de Luciano de Samosata (Século 2). No relato japonês “A Lenda da Princesa Kaguya” (Século 10), uma Princesa da Lua nasce de um broto de bambu na Terra e aqui é educada. Em 1516, o cavaleiro Astolfo viaja até a Lua no carro de fogo do Profeta Elias para lá procurar a razão perdida de Orlando, em “Orlando Furioso”, de Ludovico Ariosto. “Somnium” (1634), de Johannes Kepler, apresenta algumas de suas ideias científicas na Lua da “nova astronomia”, de Galileu e sua luneta. “The Discovery of a World in the Moone” (1638), pelo Bispo John Wilkins, propõe a existência na Lua do que ele chama de Selenitas, aliás bem antes de Wells e seu povo insetóide em “Os Primeiros Homens na Lua”. Nos contos do Barão de Munchausen (R. E. Raspe, 1786), há duas viagens, com descrição de fauna e flora da Lua.
Os pais da Ficção-Científica, Júlio Verne e H. G. Wells, escreveram célebres viagens ao nosso satélite em 1865 (“Da Terra à Lua)”, 1870 (“Ao redor da Lua”) e 1901 (“Os Primeiros Homens na Lua”). Menos conhecido, uma trilogia polonesa escrita entre 1903 e 1911 por Jerzy Zulawzky (alcunhada “The Lunar Trilogy”) fala de uma expedição à Lua que funda as bases de uma sociedade lunar que, com o tempo, esquece suas origens. “Tendências” (1939) é um conto de Isaac Asimov em que o voo à Lua é crucial para que o avanço religioso e anti-intelectual retratado na sociedade americana da história seja detido. Robert Heinlein escreveu bastante sobre a colonização lunar, sua política e sociedade em diversos de seus livros.
Tintim em seus dois álbuns, viajando à Lua sob a bandeira do Pelicano Negro.
George R. R. Martin, em “Dark, Dark Were The Tunnels” (1974) conta sobre a exploração da Terra 500 anos após uma devastação nuclear pelos descendentes dos sobreviventes em uma colônia lunar. Arthur C. Clarke descreve diversas colônias lunares, até do tamanho de cidades, em seus livros “Poeira Lunar” (1961; anteriormente publicado no Brasil como “Os Náufragos do Selene”), “Earthlight” (1955), “Encontro com Rama” (1973) e “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968). Em “Earthlight”, a Lua torna-se palco de uma guerra entre a Terra e uma federação de Marte e Vênus. Uma curiosa Lua não somente habitada, mas terraformada, com atmosfera e mares, consta em “Tempo Instável” (2011), do brasileiro Jorge Luís Calife.
Dado à importância operacional e financeira do isótopo Hélio-3 na obtenção de energia por fusão nuclear e sua presença na Lua, pelo menos dois autores já trataram disto em suas obras: Frank Schätzing em “Limit” (2013) e Ian McDonald em “Luna: New Moon” (2015) e “Luna: Wolf Moon” (2016), nas quais diversas ricas famílias rivais competem pela mineração de He-3.
Andy Weir (conhecido mais aqui por “O Marciano”, que ganhou filme com Matt Damon) escreveu “Artemis” (2017), passando-se em uma cidade lunar cientificamente plausível e bem detalhada.
Nas telas, era impossível a Lua passar desapercebida. “Projeto UFO” (1970), na Lua situava-se a primeira linha de defesa contra invasores alienígenas, com interceptadores decolando sempre que necessário. Já em “Espaço: 1999”, os tripulantes da Base Lunar Alfa tinham que sobreviver episódio após episódio, depois que, devido a um acidente que gerou uma forte explosão, a Lua desgarra da Terra e sai em uma trajetória espaço afora. Essas séries inglesas são de produção de Gerry Anderson (o autor das séries de marionetes como “Thunderbirds” e “Stingray”), e são conhecidas dos brasileiros. Também da Inglaterra, “Doctor Who” já retratou a Lua algumas vezes, uma delas de forma bastante curiosa ao revelar que ela é o gigantesco ovo de uma forma de vida – ovo este que choca. E não foi o único, o desenho animado “Superamigos” usou da mesma premissa!
Desde o início do cinema a Lua foi alvo – em mais de um sentido – de cineastas, como prova a ilustração que abre esta coluna. Ao longo do Século XX, seus vales e crateras estéreis e toda a sua “magnífica desolação” foram imaginados em filmes como “Destination Moon” (1957) e em tantos outros momentos do cinema ou da TV. Mas o mais famoso a retratar uma Lua habitada talvez seja o “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, onde instalações complexas podem ser vistas naquilo que, hoje em dia, tem o gosto de um futuro que nos foi roubado.
Com imagens poderosas nos quadrinhos, o herói belga Tintim explora a Lua em uma história em dois álbuns, “Rumo à Lua” (1953) e “Explorando a Lua” (1954). O processo futuro de colonização lunar gera o pano de fundo do mangá e anime (2003) “Planetés” (a ação, mesmo, é em Órbita Baixa da Terra), em que a Lua é repartida para exploração e colonização entre as nações que lançaram expedições para lá, tripuladas ou não (não diferente do Tratado Antártico, mas que na vida real já se acordou que não será assim).
A Base Clavius (“2001 – Uma Odisseia no Espaço”) e a Base Lunar Alfa (“Espaço: 1999”).
A colonização da Lua é um objetivo que ganha ares cada vez mais factíveis, especialmente depois da constatação de água congelada no fundo de crateras, onde a luz solar não atinge. Poderá não somente haver cidades pressurizadas na superfície, mas cavernas naturais (como os tubos de lava descobertos pela sonda indiana Chandrayaan-1 em 2008) poderiam ser adaptadas para abrigar seres humanos da exposição a extremos de temperatura, vácuo e radiação vinda do espaço. A Índia, aliás, pretende voltar à Lua em ainda em Setembro de 2019 com uma alunissagem contendo um carro-robô, como aqueles enviados a Marte pelos EUA.
E a coluna voltará à Lua em Julho, pelos 50 anos da chegada da Humanidade à Lua.
Luiz Felipe Vasques
08/05/2019
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