A notícia era simples e direta: foi encontrado um novo anel em Saturno. Isso por si só já me causa um certo incômodo… Sim, pois o sistema anelar de Saturno deveria ser entendido como uma faixa contínua de detritos que circundam o planeta, algumas regiões mais densas e outras menos.
Acho que, do ponto de vista científico, a manchete deveria ser: foi descoberta que a região dos anéis de Saturno é mais extensa do que se pensava. Mas, é claro, isso dilui (e muito) a força da notícia. E de modo nenhum critico o jornalismo sério que, vez ou outra, precisa exagerar em suas manchetes. É a manchete que prende o leitor (ou telespectador) e, portanto, ela é fundamental para o sucesso da notícia. Se o texto que se segue for correto, que mal há em se “aditivar” a chamada?
Pois era essa a manchete: um novo anel foi descoberto ao redor do planeta Saturno. E acompanhando a cobertura do telejornal de maior audiência de nosso país, vejo o correspondente nos EUA abrir a matéria com a seguinte frase:
“O telescópio Spitzer, que cruza o Universo…” (estou citando de memória; posso ter errado a palavra exata, mas o sentido certamente é o mesmo…)
Eu não sei quanto a vocês, mas quando ouço esta frase penso logo em algo ao estilo da fictícia nave Enterprise, do seriado de televisão Jornada nas Estrelas (e dos filmes, claro!). “Cruzar o Universo” me leva longe, “a lugares nunca antes visitados”. Imagino o vazio espacial, a solidão do vácuo, a distância infinita. E lá está o telescópio Spitzer singrando o nada interestelar… Isso, para mim, é “cruzar o Universo”: ir de um lado a outro, deste vasto, vasto Cosmos!
O telescópio Spitzer é um dos quatro grandes observatórios da NASA, todos telescópios espaciais. Os outros três são o Compton, o Chandra e, claro, o mais famoso de todos, o Hubble. O Spitzer está em órbita heliocêntrica, ou seja, ele fica dando voltas ao redor do Sol. Dá uma volta a cada ano. Isso não parece familiar? Seu movimento pelo espaço é exatamente igual ao da Terra: órbita solar com período de um ano.
Você diria que a Terra “cruza o Universo” ao descrever seu movimento? Certamente eu não diria isso. Ou seja, como frase de abertura para uma notícia, pode ter sido muito bela. Mas acho que induz o telespectador ao erro.
Se dependesse de mim, a matéria teria começado com a seguinte frase: “o telescópio Spitzer, em órbita do Sol…” Bem menos poético, eu sei, mas bem mais acurado. Mas talvez eu esteja sendo hipercuidadoso. O que não deixa de ser bom, para quem lida com divulgação científica…