Todo início de ano desejamos aos nossos familiares e amigos um bom Ano Novo. Em nossa cultura, que utiliza o calendário Gregoriano, o dia 1° de janeiro dá início ao ano, baseado no ciclo solar. A História do nosso calendário é um capítulo muito interessante da História das Ciências, assim como a natureza e o propósito dos calendários de outros povos, que revela um esforço sistemático de observações da natureza e do céu e, em alguns casos, registros e cálculos matemáticos de várias gerações desde a antiguidade.
Os calendários são geralmente, mas não exclusivamente, baseados em ciclos astronômicos, como o ciclo de fases da Lua, o ciclo sazonal de aparecimento e desaparecimento de estrelas ou asterismos, e o movimento sazonal da posição onde o Sol nasce e se põe ao longo do horizonte. Servem para sincronizar eventos, organizar eventos cronologicamente e determinar intervalos de tempo entre eventos. A grande diversidade cultural, aliada ao fato de que os ciclos astronônomicos não se encaixam perfeitamente uns com os outros, resultou no surgimento dos mais variados tipos de calendários, desenvolvidos para dar conta das necessidades sociais de cada povo.
Créditos: Ciclostiquie
Costuma-se encontrar em livros sobre calendários que o céu providenciou uma base confiável para marcar a passagem do tempo de muitos povos no passado, se estendendo até o Paleolítico, o que é razoável em nossa perspectiva ocidental moderna. Porém, do ponto de vista do contexto indígena, entender o mundo envolve tecer correlações entre as mudanças em várias partes do meio ambiente, que é percebido como um todo, utilizando os eventos observados para prever ou realizar outros que trarão um determinado benefício, como uma colheita bem sucedida ou vitória em uma guerra. Desta forma, para as diversas culturas indígenas, os ciclos do céu não são vistos como indicadores temporais mais confiáveis do que outros eventos que ocorrem com razoável regularidade, exceto naquelas culturas em que as obervações do céu foram sistematicamente registradas e matematicamente analisadas. Além do mais, o céu não é visto geralmente como passível e imutável, mas cheio de entidades que podem influenciar eventos e também serem afetadas pelas ações humanas.
Em resumo, é inquestionável que o céu, especialmente o céu noturno, é uma parte muito importante do ambiente percebido por quase todas as culturas, e as correlações entre as mudanças entre as configurações celestes e os eventos recorrentes na natureza são percebidas. São essas correlações, como percebidas por cada cultura, que formam a base do que devemos reconhecer como um calendário.
Um importante trabalho sobre os ciclos anuais dos povos indígenas do Rio Tiquié, no noroeste amazônico, lançado recentemente pelo Instituto Socioambiental, pode nos ajudar a entender melhor essas correlações. Para estes povos, o ano divide-se em várias estações, identificadas a partir da passagem de constelações astronômicas associadas a diversos processos ecossistêmicos e climáticos. O ano começa com a Enchente de Jararaca, no começo de novembro. Essa região é caracterizada por muita chuva distribuída por todo o ano, com alguns curtos períodos de estiagem. O calendário interativo pode ser acessado em: http://ciclostiquie.socioambiental.org/pt/index.html
Seja em janeiro, novembro ou qualquer outra época em que comece um novo ciclo para os diversos povos que habitam este planeta, que seja um novo ciclo de paz, solidariedade e respeito entre as diferentes culturas. Feliz ciclo novo!
Créditos da Foto: Bruna Caldas