Medo de escrever
Sempre quis ser escritor. Desde que me entendo por gente, sempre quis ser escritor. Já quis ser bombeiro, astronauta, policial, farmacêutico, espião, ator. Mas havia sempre um “e” em minhas afirmações. Era bombeiro e escritor; astronauta e escritor; etc. etc. etc.
Tornei-me astrônomo. E escritor. Hoje vejo que esta inusitada escolha profissional (astrônomo?!? Quantos astrônomos você conhece?) foi a grande facilitadora do meu sonho. Em uma sincronicidade feliz, formei-me no mesmo ano em que o Planetário expandia sua estrutura e lançava um edital público para um concurso com fins de contratar astrônomos. Sem nunca ter sequer sonhado em trabalhar no Planetário, fiz a prova e passei (passei no susto e na sorte, mas passei…).
Fui contratado antes de o prédio novo e sua cúpula ficarem prontos. Eu e todos os demais concursados. Precisávamos passar por um treinamento antes da inauguração. E durante o treinamento, o que fazer além dele? A equipe existente tocava muito bem o dia a dia da instituição. E eu, um novato até entre os novatos (saudades do tempo em que eu era o mais jovem da equipe… estou ficando velho…), estava aparentemente sem função clara.
Eis que cai em meu colo uma oportunidade e tanto, ao menos para mim. Havia a “Curiosidade do Mês”, um texto de divulgação em Astronomia publicado mensalmente no folder da Fundação Planetário. Os astrônomos se revezavam para escrevê-la. E em dezembro de 1997, menos de dois meses após minha contratação, fui informado de que eu seria responsável pela “Curiosidade do Mês” de fevereiro.
Lembro-me dela até hoje. Falava sobre o Carnaval e sobre o enredo de uma escola de samba, que fazia alusão ao Big Bang. Minha felicidade em fazer aquilo deve ter sido muito transparente, pois em seguida escrevi a de março, a de abril, a de maio… De maneira natural, o rodízio entre os astrônomos acabara e a “Curiosidade” tornou-se minha responsabilidade. Responsabilidade esta que mantive até novembro de 2005, o que me concede o recorde de maior número de “Curiosidades do Mês” escritas por um astrônomo da Fundação Planetário.
Mas esse texto não é sobre mim (apesar de parecer o contrário…). A tarefa que me foi passada em dezembro de 1997, colocou-me em contato com uma pessoa que veio a se tornar uma das minhas melhores amigas e, certamente, minha maior colaboradora profissional. Angela Almeida, assessora do Diretor de Astronomia, formada em Letras, revisora de todos os textos que produzíamos. (A ironia de seu nome proparoxítono ser grafado sem acento nunca nos escapou…)
Tudo o que eu escrevi para o Planetário, desde então, passou pelo crivo da Angela. Se tenho fama de escrever bem, o mérito é dela. E, aparentemente, esta fama existe! Para minha grande felicidade, as pessoas têm gostado do que eu tenho escrito nesses últimos 13 anos. As curiosidades abriram as portas para o meu primeiro livro, publicado pela Fundação Planetário; e este primeiro livro me abriu as portas de uma editora comercial, que já publicou outros três livros de minha autoria. Hoje sou um autor publicado. É um sonho realizado. E uma parte disso eu devo à Angela.
Depois de anos e anos de trabalho, Angela se aposenta mês que vem. Mas já está de férias por agora, de modo que não posso mais contar com ela no meu cotidiano. Minha revisora me abandonou (a amiga vai ficar para sempre!).
Aos leitores de meus livros, fiquem tranquilos. Eles continuarão sendo revisados, por conta da minha editora. Mas meus textos do Planetário… ainda não achamos uma solução para a ausência da Angela. Aos meus leitores destas paragens, caveat lector. Os erros serão inevitáveis. Fiquei muito mal acostumado com a mão segura da Angela…
Acho até que estou com medo de escrever…