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Coluna do Astrônomo

Valongo

Subir a ladeira do Valongo é algo que não se faz à toa. O caminho é íngreme, o piso é irregular e escorregadio, a via é estreita, de mão dupla e oferece pouca visibilidade do que pode surgir logo à frente. A pé, em meus tempos de estudante, eu subia ziguezagueando, tentando amenizar a “escalada”. Mais tarde, de carro mil, subia rezando para não encontrar obstáculos pelo caminho… Para um carro sem motor, a retomada na subida era complicada!

Não é uma subida inócua, a ladeira do Valongo. Hoje, sempre que me vejo levado a visitar minha alma mater, olho para aquela ladeira com uma certa reverência. Lembro-me do meu primeiro dia, quando pensei que havia sofrido um trote por parte dos veteranos (quem não conhece a ladeira, mal consegue percebê-la a partir da Rua da Conceição, tão estreita que ela é).

Não é por acaso que se sobe a ladeira do Valongo. Há que se querer chegar ao topo do morrote, há que se ter vontade. Hoje, com um carro menor, mas com um motor mais potente, subo a ladeira brincando. Subo sorrindo, subo tranquilo. Mas, lá no fundo, faço todas as reverências possíveis. Subir a ladeira do Valongo, para um bacharel em Astronomia, é como subir o Monte Olimpo.

Sou do tempo em que o único curso de Astronomia no Brasil era o da UFRJ, com sua sede no Observatório do Valongo. Hoje há cursos análogos na USP e na UFRGS. Mas no meu tempo, era o Valongo e tão somente o Valongo. Daí a mística, daí a aura, daí o processo mental que se dá até hoje quando eu subo a ladeira do Valongo.

Grande parte dos professores que conheci não está mais lá. Aposentaram-se ou, mais triste, morreram. Há alguns daquele tempo que persistem. Mas a maioria são rostos novos, alguns ex-colegas, veteranos meus de tempos outros. Chegar ao topo já não me comove como antes acontecia. Minha memória afetiva conflita com os fatos atuais e fico eu a perambular pelo terreno do Observatório tentando lembrar de coisas que eu fazia, agredido pelos ares de modernidade. É o mesmo sentimento que se tem quando visitamos a casa de nossos pais e tudo está mudado em relação aos tempos que lá morávamos. Sabemos, racionalmente, que a mudança foi boa. Mas queríamos reviver o passado, queríamos acessar um diorama afetivo que só existe dentro de nós.

A ladeira, porém, permanece a mesma. Subi-la, hoje em dia, me emociona mais do que chegar ao seu fim. Não que eu faça isso com frequência. Acho que talvez eu o faça uma vez por ano, se tanto. Geralmente convidado para fazer alguma coisa no Observatório — palestra para os calouros tem sido o motivo recorrente. Não desta última vez!

Da última vez que fui ao Valongo, fui participar de uma semana de comemorações pelos 50 anos do curso de Astronomia. Houve várias atividades naquela semana, e a parte que me coube foi participar de um debate sobre “o prazer de escrever livros de Astronomia” (sim, acho que o título era esse).

O convite veio da Professora Encarnación (e se o Valongo é o Olimpo, ela seria facilmente Palas Atenas, embora muitos prefiram evocar Afrodite), prontamente aceito. Com três livros publicados, sendo que dois deles por uma editora comercial com distribuição nacional, acho que eu realmente tinha algo a acrescentar ao debate. Embora debate não tenha havido…

A experiência foi muito melhor do que isso! Estávamos lá alguns ex-alunos, com livros publicados, conversando com alunos e professores sobre o que significa ser autor de um livro. Fiquei feliz com este encontro. Informal e amistoso, como tudo que é peculiar ao Valongo. Por um breve instante, revivi a mágica daquele lugar…

O que foi dito e o que foi ouvido, hoje eu já não saberia precisar. Lembro-me que, em particular, eu dei algumas dicas para os que sonham em seguir por este caminho. Não que eu tenha muitas dicas para dar. Na verdade, as dicas são sempre as mesmas.

Ser amigo do conhecimento.

Ser amigo do seu idioma.

Ler muito e escrever muito.

Com o tempo e a dedicação, escrever muito se torna, naturalmente, escrever bem. Não sei se já cheguei lá. Mas, para a minha felicidade, pessoas compram os meus livros, o que equivale a dizer que alguém está disposto a pagar para ler o que eu escrevo. Isso pode ser uma pequena indicação de que estou no bom caminho. Pequena, mas valiosa.

Espero estar vivendo os primeiros anos de uma longa carreira como escritor científico. Quem sabe, quando o curso do Valongo completar 100 anos, não me chamem de novo para falar? Se tudo der certo, e eu ainda estiver por aqui, vou estar com 85 anos. Vai ser duro subir a ladeira…

Mas se chamarem, eu vou.