O Alienígena Leu: Dieselpunk (O Alienígena)
Dieselpunk é um sub-gênero dentro da Ficção Científica que se segue ao Steampunk, este focalizado na Era Vitoriana, a Revolução Industrial e seu impacto da tecnologia da época. Já o Dieselpunk atualiza a ideia, passando para o uso do petróleo e o motor a combustão, não mais carvão e suas caldeiras, como sendo a base da indústria, tudo em geral indo até a II Guerra Mundial. Dirigíveis, aviação, cinema mudo/em preto e branco, Belle Époque, as duas Guerras Mundiais, muito art deco, aviões à hélice – mas a nova era se anuncia, com mochilas-foguete e mesmo pistolas de raios: qualquer semelhança com o filme SkyCaptain and the World of Tomorrow não é mera coincidência.
Com 9 contos e quase 380 páginas, Dieselpunk – Arquivos confidenciais de uma bela época é um pequeno tijolo de literatura fantástica é uma “continuação temática” da coletânea steampunk da mesma Draco, em 2010, chamada Vaporpunk – Relatos steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades. Não li esta ainda, mas pelo resultado da Dieselpunk, fiquei realmente curioso para ler.
O nível das histórias é surpreendentemente… denso, para dizer o mínimo. Não se trata somente de literatura de entretenimento, como poderia se esperar, embora ação e aventura certamente estejam lá. Mas há, claramente, duas vertentes – em que nenhuma escolha pese para desmerecer uma ou outra, percebam, ou estancá-las de uma maneira binária: as histórias são ótimas –, uma puxando mais para o lado da ação e outra nem tanto. Um show à parte são as ambientações criadas para estas histórias, onde não só a tecnologia, mas a História e a sociedade divergiram bastante, também.
Modo geral, sem apontar dedos, parece-me que a tentação em mostrar ora a pesquisa feita, ora o trabalho de world-building, para que o leitor entenda e participe do tesão que foi montar estas histórias pode acabar por ameaçar o fruir do que é contado.
A Fúria do Escorpião Azul, de Carlos Orsi, abre o livro com uma história de ação e espionagem, com um protagonista-título nos moldes dos vingadores mascarados como o Sombra, Spyder, etc., que permeavam os folhetins americanos de 70-80 anos atrás. Passado em um Brasil onde a revolução comunista se deu, envolve pesquisas extra-sensoriais soviéticas e o sequestro de bebês… para fins inomináveis!
Grande G, de Tibor Moricz, fala sobre duas cidades imaginárias, uma movida a diesel e outra a vapor, em constante conflito, quase como imaginando as duas vertentes – steampunk e dieselpunk – dialogassem em maus termos.
Impávido Colosso, de Hugo Vera, conta uma história de guerra – tema inevitável para o gênero e o livro – entre Brasil e Argentina, com nuestros hermanos nos invadindo com exércitos de robôs teleguiados e nós resistindo com colossais robôs tripulados!
Cobra de Fogo, de Sid Castro, é dos meus favoritos. Em um mundo pós-Grande Guerra, os conflitos internacionais são mediados pela Liga das Nações, e resolvidos por corridas intercontinentais utilizando gigantescos veículos chamados locomotivas, capazes inclusive de voar à maneira dos ekroplanos. A história em si é sobre a disputa da Região Amazônica, reivindicada para ser uma área internacional pelos países, ponto contestado prontamente pelo Império Brasileiro. Cabe à tripulação da M’Boitata defender nossas cores. Eu não sei quanto aos demais leitores nem quanto ao autor, mas esta história de corrida intercontinental com carros estrambóticos e um pano de fundo político não me é mais nada senão que Speed Racer – e aqui, feita com carros-mamute! Sensacional! Destaque para o sombrio Primeiro-Ministro do Império, o Conde de São Borges… Getúlio Vargas.
O Dia em que Virgulino cortou o Rabo da Cobra Sem Fim com o Chuço Excomungado, de Octavio Aragão, aqui retrata um encontro que não houve na História: Virgulino Ferreira, mais conhecido como o rei do cangaço Lampião, e Luis Carlos Prestes, em plena marcha de sua Quinta Coluna. Estes dois e outros personagens históricos são apresentados, sendo que, até o encontro, pessoas e coisas estranhas acontecem, decidindo eventos que podem afetar o Brasil e o mundo.
O País da Aviação, do organizador da coletânea Gerson Lodi-Ribeiro, é mais um de seus escritos de História Alternativa, partindo do princípio desta vez que o engenheiro norte-americano Robert Fulton, ao contrário da vida real, consegue vender seu motor a vapor para Napoleão Bonaparte, inaugurando uma nova fase da Marinha francesa décadas antes do suposto, mudando o destino da decisiva batalha de Trafalgar. A Hegemonia Europeia se estabelece, e expande-se pelas Américas. O conto salta pelas décadas do processo (contado em datas da Revolução Francesa), e em dado momento mostra o encontro dos Pais da Aviação: os irmãos Wright, Santos Dumont – e os menos conhecidos –, Otto Lilenthal e Karl Jatho sob uma mesma bandeira.
Ao perdedor, as baratas, de Luiz Antonio M. C. Costa, trabalha pelo lado da conspiração política, em um cenário histórico revirado ao avesso, em que no panorama ideológico mundial, consta um predomínio holandês, e não inglês, versus uma monarquia dos trópicos que se vê obrigada a aceitar a diversidade étnica e cultural – simbolizada em um casal inter-étnico de personagens, união repudiada ocultamente pelo protagonista, um agente secreto que irá causar um evento capaz de transformar o mundo. Filosofia, política, sociedade, Kafka e Lovecraft são discutidos ou apresentados na trama, montando um dos mais complexos cenários presentes no livro.
O Auto do Extermínio, de Cirilo S. Lemos também trabalha com monarquias claudicantes e conspirações políticas, loucura, espionagem, tiroteio, robôs e ação. É o fim dos dias de Dom Pedro III (baseado no Príncipe Pedro Augusto de Alcântara, personagem da vida real, retratado no livro O Príncipe Maldito – Loucura e Traição na Família Real, da historiadora Maria Lúcia del Priore), e o Brasil vive um clima tenso politicamente, com Integralistas de um lado e Socialistas do outro esquentando o panorama, à espera da apresentação do herdeiro real – uma possibilidade que ninguém deseja. É um conto muito interessante, com toques místicos envolvendo a loucura presciente do protagonista.
Só a morte te resgata, do português Jorge Candeias, talvez seja a mais madura das obras apresentadas. Levanta uma questão interessante: se o lar é onde está o coração, o que pode ocorrer quando seu coração não está em lugar algum? Encerrando o livro com um tom melancólico, apesar do mundo alternativo apresentado, conta a história de um piloto de biplanos de guerra, após sua unidade ter sido massacrada no meio do deserto, tentando voltar para casa, lançando mão de recursos pouco honrados, até o retorno. De certa forma, este retorno é tão solitário quanto seus voos.
Em suma ótima e criativa leitura. Parabéns aos envolvidos!
Luiz Felipe Vasques
21/01/2012
Links Externos:
O que é Dieselpunk?
Resenha originalmente em: