Nossos Astros na Ficção Científica: Mundos Imaginados
Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos dos mundos do sistema solar que nunca foram.
Não se trata apenas de imaginar os planetas que conhecemos com ambientes extrapolados do da Terra, mais ou menos hospitaleiros ao ser Humano, para depois então se comprovar o oposto: mas observações registradas que se provaram depois errôneas e hipóteses descomprovadas a respeito da existência de outros planetas, luas e mesmo uma estrela no nosso sistema solar.
Vulcano é o exemplo clássico: um planeta que orbitaria ainda mais próximo do Sol do que Mercúrio. Proposto em 1859 pelo astrônomo francês Urbain Le Verrier (o mesmo envolvido na pesquisa que levou a Urano e Netuno), para explicar certas irregularidades na órbita de Mercúrio. Entretanto, foi desacreditado em 1915, quando a Teoria da Relatividade de Einstein comprovaria que as irregularidades observadas eram falsas, sendo na verdade uma ilusão de ótica provocada pela gravidade do Sol. Obviamente que isso não intimidou a Ficção Científica.
“By Aeroplane to the Sun: Being the Adventures of a Daring Aviator and His Friends (1910)”, por Donald W. Horner, já o incluía como avistamento na viagem dos personagens. Alguns contos irão descrevê-lo, antes de mais nada, como um mundo não só cheio de perigos como sendo extremamente quente.
R. F. Starzls o descreve com o nome de Aryl no conto “The Terrors of Aryl” (1931), Leslie F. Stone o figura em “The Hell Planet” (1932). Também de 1932, “Vulcan’s Workshop”, por Harl Vincent, no qual uma colônia penal é localizada em Vulcano.
Ross Rocklynne conta de duas pessoas presas em um Vulcano oco em “At the Center of Gravity” (1936), conceito de cenário foi reaproveitado 10 anos depois por Edmond Hamilton em “Outlaw World” (1946), parte da série aventuresca de contos “Captain Future”. Na série literária britânica de ficção científica juvenil chamada “Chris Godfrey of U.N.E.X.A.”, em seu romance “Missão Mercúrio” (1965, por Hugh Walters), durante o retorno da primeira missão tripulada a Mercúrio um planeta ainda mais próximo do Sol é avistado pela tripulação, podendo então finalmente ser Vulcano.
No final, se o deus romano dos artífices não ganhou seu lugar no céu, ao menos ganhou notoriedade nas lendas modernas, quando Gene Rodenberry o escolheu para batizar o mundo natal do Sr. Spock e de sua raça paterna em “Star Trek” (1966).
Mercúrio e Vênus “ganharam” luas: o primeiro em 1970, o segundo bem antes, quando em 1672 Giovanni Cassini foi o primeiro de alguns astrônomos a declarar avistá-la. Em 1884, o astrônomo belga Jean-Charles Houzeau chegou mesmo a supor que o observado era um planeta desconhecido, ao qual batizou Neith (uma antiga deusa egípcia), chegando mesmo a lhe calcular o período orbital – em ambos os casos, tudo foi tido como um engano induzido pela luz de estrelas próximas a Mercúrio e Vênus, confundindo os observadores.
Nosso planeta Terra também tem supostos astros reivindicados: além de outras luas (uma delas, aventada em 1846 pelo astrônomo francês François Petit, foi tornada famosa por ninguém menos que Júlio Verne em “Da Terra à Lua”); o filósofo grego Filolaus (470-385 a.C.) propôs uma segunda Terra na mesma órbita que a nossa, jamais vista por sempre estar atrás do Sol em relação a nós. Filolaus discordava do geocentrismo, propondo um sistema próprio (não-heliocentrista) em que cabia a existência de Antichthon: a Contra-Terra. A ideia só foi cair de moda depois do estabelecimento do heliocentrismo, no Século 16. Apesar de já ter se comprovado a inexistência de um astro assim – não há, por exemplo, influência gravitacional do equivalente a uma segunda Terra sobre Vênus ou vice-versa (bem mais próximo de nós do que Marte) ou com qualquer outro planeta –, isso não impediu alguns autores.
De D. L. Stump, “From World to World” (1896) a Contra-Terra é descrita como uma avançada utopia.
Edgar Wallace (um dos roteiristas do King Kong original) escreve “Planetoid 127” (1924) onde ele descreve a comunicação por rádio com uma Contra-Terra: aliás, curiosamente chamada Vulcano, nome utilizado também em outras obras com o tema da Contra-Terra.
Em uma curiosa variação do tema da Contra-Terra, Paul Ernst pensou em uma mini-Terra orbitando atrás da Lua, por isso sempre além de nossa vista, em “The World Behind the Moon” (1931).
Ben Barzman escreve “Out of this World” (1960), onde Terra e Contra-Terra são idênticos em todos os aspectos, até que divergem a partir do início do Século 20, quando não acontece a 2a Guerra Mundial.
John Norman escreve, a partir de 1967, uma série adulta de mais de 60 livros dentro do subgênero “sword-and-planet” passando-se na Contra-Terra-título chamada “Gor”.’
J. T. Edson escreve a série “Bunduki” (1975-1990), baseada no universo de Tarzan dos Macacos, onde há uma Contra-Terra chamada Zillikian.
De François Schuiten e Benoît Peeters, a belíssima série de romances gráficos “As Cidades Obscuras” (1983 em diante) se passa em uma Contra-Terra, cheia de cidades-estado em que se destacam a arquitetura, baseada em algumas cidades da vida real.
Marte teve suas duas luas, Fobos e Deimos, avistadas pela primeira vez com precisão por Asaph Hall em 1877, mas antes dele outros avistamentos de supostas luas foram feitos, nenhum confirmado.
Desde que começou a ser observado no início do Século 19, o cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter foi alvo de especulação no passado: o que teria o originado? A ideia de um planeta desintegrado em algum cataclismo perdurou até se observar melhor e medir que a massa dos asteroides, se fosse reunida em um só corpo, geraria um astro que seria bem menor do que nossa própria Lua. Mas até lá, Faetonte foi imaginado.
Faetonte nasceu para explicar por que os asteroides existiam, em primeiro lugar: ocorria que a Lei de Titius–Bode, que propunha que planetas ocorreriam sempre duas vezes mais distante do Sol do que o anterior, era aceita na época, e a presença dos asteroides cai direitinho na conta, em relação às distâncias de Marte e Júpiter. O motivo de haver tantos corpos minúsculos em vez de um só planeta sugeria que algo muito errado deveria ter acontecido, desintegrando todo um mundo. O nome Faetonte é devido a um filho de Helios, deus do sol na mitologia grega, que tomou a carruagem do sol para dirigir por conta própria gerando resultados desastrosos e sendo fulminado por Zeus devido a isto: Júpiter ter desintegrado Faetonte por força gravitacional era uma hipótese proposta que bem cabia o nome. Outras incluíam o impacto direto com algum outro astro grande o bastante, ou uma explosão dado um processo interno do planeta, etc.
Uma segunda proposta científica para um quinto planeta veio em 2002 por John Chambers e Jack J. Lissauers, cientistas da NASA: o Planeta V seria um planeta existente entre a órbita de Marte e o cinturão de asteroides. Perturbações dos demais planetas teriam levado o V a cruzar o cinturão de asteroides e, posteriormente, arremessá-lo contra o Sol, encontrando seu fim. Este processo explicaria o motivo de tantos asteroides terem impactado a superfície de Marte, Lua, Terra e Vênus em um período relativamente tão curto, entre 4,1 a 3,8 bilhões de anos atrás, logo após a formação dos planetas rochosos – mas mesmo este evento, chamado Intenso Bombardeamento Tardio, é questionado hoje em dia.
Hoje em dia, crê-se que havia apenas pouca massa para fazer surgir um planeta, sendo os asteroides entre Marte e Júpiter apenas material remanescente dos primórdios do sistema solar. Seja como for, a ideia de um quinto planeta e sua tragédia cósmica era atraente demais para passar desapercebida.
“Seola” (1878), de Ann Eliza Smith, descreve uma narrativa passada nos tempos bíblicos e aponta que a explosão de um planeta entre Marte e Júpiter causa o Dilúvio na Terra.
“Times Wants a Skeleton” (1941), Ross Rocklynne, conta sobre viajantes do Tempo que retornam até Faetonte, logo antes dele ser destruído pelo impacto de um outro planeta, sem nome. Viajantes no Tempo para o quinto planeta também estrelam em “The Lost World of Time” (1941, novamente Edmond Hamilton para “Captain Future”) desta vez para resgatar seus habitantes, face à destruição. O mundo aqui recebe o nome de Katain, a adaptação para animação japonesa (1978) o chama de Prometeus.
Com o perigo de uma guerra nuclear depois de meados dos anos 40, a Ficção Científica gerou algumas histórias com uma moral embutida usando o quinto planeta onde seus habitantes são diretamente responsáveis pela destruição de seu próprio mundo, devido ao mau uso da energia atômica, seja por descuido ou por guerra. É assim em histórias juvenis como “Space Cadet” (1948), de Robert Heinlein, “Return to Mars” (1955), de W. E. Johns e o filme japonês “The Mysterians” (1957).
Para mostrar que Marte não discrimina em suas ambições imperialistas e agressividade interplanetária, os marcianos destroem o quinto planeta em “Fallen Star”, de James Blish (1959, chamado Nferetet) e “Estranho em uma Terra estranha” (Robert Heinlein, 1961). Em um dos romances da série “Perry Rhodan” (1966), pelo ano 50.000 a.C., alienígenas agressivos destroem o quinto mundo, chamado Zeut.
É também pelo ano 50.000 a.C. que Minerva, o quinto planeta, explode para formar o cinturão de asteroides além daquele que se tornou o (não mais) planeta Plutão, segundo “Inherit the Stars” (1977), de James P. Hogan. Neste livro, Minerva foi ainda o lar originário de duas raças, os Gigantes, há 25 milhões de anos, e os Lunarianos, também há 50.000 anos, praticamente idênticos ao ser humano moderno e cujo ADN influenciará o Homo sapiens.
O autor lovecraftiano Brian Lumley chama o quinto planeta de Thyoph em seus escritos, então destruído por Azathoth, o Caos Nuclear.
É de 1957 um dos enfoques mais criativos do quinto planeta: “Rogue in Space”, de Frederic Brown, conta de um asteroide vivo e inteligente que coleta os asteroides do cinturão para formar um futuro planeta: o planeta que um dia será, em vez de o planeta que um dia já foi.
Júpiter, Saturno e Urano tiveram avistamentos não comprovados de algumas luas desde o Século 18 até os anos 1980 – não que lhes fizessem falta, obviamente, todos com suas dezenas de luas.
Entre Saturno e Urano, um gigante gasoso foi proposto, como forma de explicar o Intenso Bombardeio Tardio. Esse gigante teria sido arremessado fora do sistema solar dentro do jogo de gravidade de seus vizinhos.
Plutão uma vez rebaixado, a busca pelo novo Nono Planeta do sistema solar continua. Tudo o que vier depois de Netuno, o – até aqui – último planeta do sistema solar, é chamado “objeto trans-netuniano” (OTN). Nisto, planetas-anões como Plutão, Sedna ou Eris também se classificam.
Tyche foi aventado como tendo no mínimo o tamanho de Júpiter, talvez mesmo um anão marrom, distante dentro da Nuvem de Oort. Proposto em 1999 dado um suposto arrebanhamento de cometas, a investigação por infravermelho efetuada pelo telescópio orbital infravermelho WISE nunca o encontrou.
“The Planeteers” (1936-1938), série de histórias por John W. Campbell, conta de dois cientistas a bordo de um foguete nuclear ao redor do sistema solar, décimo planeta inclusive. São cinco histórias que contam das civilizações no sistema solar, em seus planetas e luas.
“We Guard the Black Planet!” (1942), noveleta de Henry Kuttner, conta sobre um mundo além de Plutão totalmente oculto por um campo escuro artificial. Nele habitam homens e mulheres alados, que inspiraram as valquírias da lenda nórdica. Seu mundo vem de outro sistema estelar, fugindo de uma guerra, mas agora eles esqueceram sua tecnologia avançada.
“The Tenth Planet” (1973), de Edmond Cooper, conta sobre Minerva o décimo planeta, onde a Humanidade se entoca em uma estrutura subterrânea, vivendo por milhares de anos com uma população estável sob uma ditadura benevolente; fugindo o desastre e colapso ambientais e de recursos na Terra.
Em “Lucifer’s Hammer” (1977), de Larry Niven e Jerry Pournelle, o cometa que ameaça a Terra teve sua órbita alterada pela presença de um planeta gigante não detectado.
“Patrulha Estelar: o Cometa Império” (versões em 1978 e 2017) é uma obra de animação que apresenta um último planeta colonizado e com um sol artificial sendo atacado por invasores do Cometa Império.
“Camelot 3000” (1982-1985) é uma mini-série em quadrinhos escrita por Mike W. Barr e desenhada por Brian Bolland. Uma releitura do mito arturiano é feita no ano 3.000, quando uma invasão de alienígenas vindos do Planeta X ocorre, sob a batuta de Morgana LeFey. O Rei Artur finalmente desperta de seu sono convalescente e busca seus cavaleiros, reencarnados por aí, para derrotar a ameaça.
“Lifeburst” (1984), de Jack Williamson, contrasta uma Terra unida, capaz de instalar um anel habitacional ao seu redor, mas vivendo em uma ditadura com uma raça alienígena bem mais avançada, vivendo no OTNs pela Nuvem de Oort.
“Blindsight” (2006), de Peter Watts, fala de um cometa detectado enviando sinais de rádio para um corpo desconhecido pela Nuvem de Oort. O que a tripulação enviada para lá encontra levanta questionamentos entre inteligência e consciência, sendo uma obra filosófica.
Em “Saturn’s Children” (2008), de Charles Stross, um robô inteligente a serviço de uma organização clandestina viaja pelo sistema solar, com o clímax da história em Eris.
Tyche soa como uma versão mais modesta de Nêmese. Proposta em 1984, como explicação para um suposto ritmo dos eventos de extinção em massa no nosso planeta, a recorrência das extinções poderia se dever à aproximação a cada muitos milhões de anos de um corpo de forte gravidade, trazendo consigo material desde a Nuvem de Oort, material este que bombardearia a superfície de planetas próximos o bastante que o puxassem com sua gravidade. Este corpo forte seria uma estrela, a segunda do sistema solar, uma anã vermelha ou anão marrom. A mesma pesquisa que descartou Tyche também descartou Nêmese.
A pesquisa, entretanto, não detecta corpos do tamanho de Netuno para baixo, e especulações sobre uma “super-Terra” ainda estão em andamento. Pode ser que ainda haja um décimo nono planeta a ser descoberto no sistema solar – e sabe-se que histórias ainda serão contadas sobre ele.
As Sextas de Sci-Fi continuam, mas a série sobre os Nossos Astros na Ficção Científica se encerra por aqui. Esperamos que tenham gostado de viajar tanto quanto curtimos pesquisar.
Luiz Felipe Vasques
01/07/2019
Links Externos (em inglês):