ASTRONOMIA, FICÇÃO CIENTÍFICA E O OLHAR (O Alienígena)
A observação dos astros, naturalmente, veio primeiro pelo olhar. Um olho nu, sem instrumentos, mas de alguém curioso, que percebia os ritmos do céu, fossem os mais óbvios, como os do Sol e da Lua, fossem os mais obscuros, como os dos planetas.
Procurando algum sentido, significaram de alguma forma o que viam com desenhos e até mesmo arquitetura, orientando dólmens, templos e outras construções de acordo com o solstício e outras datas que lhes pareceram importantes. Onde o sol toca? Ali será o santuário de um deus, com a luz canalizada por corredores e muros. Frestas e janelas para estrelas-chave serem vistas ao se levantar do horizonte, e outras características hoje estudadas pela Arqueoastronomia.
O mundo visto do alto, província dos deuses da Antiguidade, só foi possível com o desenvolvimento de balões. Os aeronautas pioneiros dos Séculos 18, 19 e 20 retrataram um mundo diferente. Santos-Dumont, antes dos aeroplanos, retrata o calmo e silencioso panorama visto do alto, em balões. Em seus livros, comenta como era simples decolar na França e cair, digamos, na Bélgica.
Um ponto de mudança para como vemos o mundo veio em 1946, quando os norte-americanos tiraram a primeira foto da Terra, vista do espaço. O foguete carregando a câmera e outros instrumentos científicos chegou a somente 105 km de altura, o suficiente para uma sequência de fotos que, juntas, davam uma ideia da curvatura da Terra.
Yuri Gagarin, o primeiro ser humano em órbita da Terra (1957), proferiu uma singela frase, “A Terra é azul”. Não exatamente o mais rigoroso dos pareceres técnicos, nem sequer uma nova descoberta (por balão, décadas antes já se havia visto a predominância do azul dos oceanos) a rigor: mas uma deparação, uma exclamação, uma apreciação estética.
A missão Apollo 11 (completados 50 anos em Julho de 2019), que levou o ser Humano à Lua, não foi o primeiro voo tripulado a alcançar nosso satélite: em uma missão para provar que a travessia podia ser feita em segurança para seres humanos, ida e volta, a Apollo 8 levou os astronautas Frank Borman, Jim Lovell e William Anders para executar 10 órbitas ao redor da Lua pelo Natal de 1968. Carregavam uma câmera fotográfica, para tirar imagens da Lua. Dado momento, notaram a Terra sobre o horizonte lunar, produzindo uma série de fotos em preto e branco e a cores, em uma versão de melhor resolução do que a sonda automática americana Lunar Orbiter 1 havia produzido dois anos antes. O nome da foto foi Nascer da Terra (Earthrise).
Em 2008, sem maiores tambores, a descoberta de um planeta ao redor de uma outra estrela foi feita através de observação direta. Beta Pictoris b orbita a estrela-mãe a 63,4 anos-luz de distância de nós. Outros métodos de detecção de exoplanetas já haviam nos revelado mais deles por aí: a diferença agora é que foi a primeira vez que se tirou a fotografia de um outro planeta em outro sistema solar.
Os antigos gregos acreditavam que os olhos projetavam uma luz com a qual os objetos eram então revelados. Dois titãs eram ligados, de alguma forma, ao poder da observação: Hyperion era “aquele que observa do alto”, e sua esposa, Thea, tinha poderes oraculares, ou seja, lançava um olhar para o futuro. Divindades celestes, ambos eram pais do Sol, da Lua e da Manhã – forças que ajudavam a iluminar as coisas, apesar da crença acima. Estamos falando de lançar o olhar.
No filme “O Primeiro Homem” (2018), o Neil Armstrong de Ryan Gosling tenta, quando ele mesmo se interrompe, explicar que a importância da ida à Lua também passa pela mudança de ponto de vista, ou seja, mentalidade: a mesma que Santos-Dumont demonstrava ao resolver nunca patentar nada, desejando que as pessoas tivessem acesso ao voo. Ele acreditava que, ao conhecer gente de países distantes, pessoas descobririam que o que nos separa nem é tão profundo assim e, uma vez debelado o medo do desconhecido, as guerras terminariam. Ingênuo? Talvez. Errado? Jamais.
A palavra-chave então é mentalidade, proposta por um diferente ponto de vista. E o que é a história da astronomia e do voo espacial, desde a Lua vista por Galileu com sua luneta até fotos da Terra como algo único e diminuto, que 500 anos de história da mudança do ponto de vista?
Em boa parte pelo entusiasmo, porém também pela preocupação, escritores de Ficção Científica entenderam as possibilidades trazidas pelas novidades e o desenvolvimento científico e acompanharam esse novo ponto de vista, extrapolando a não-realidade, apresentando mundos sonhados antes por poucos e especulados por menos. Talvez essa seja sua grande contribuição: apresentar e popularizar novas maneiras de pensar, lançando olhares sobre um mundo que nunca foi, ou que talvez pudesse ser. E desse imaginar, fabulamos.
Em Abril de 2019 pode ter surgido a mais recente das descobertas, cuja visualização pode gerar assombro e inspiração, ajudando a conhecer mais sobre a natureza do universo que habitamos e somos.
A reconstituição por algoritmo – este, desenvolvido por uma equipe chefiada pela Dra. Katie Bouman – que traduziu para cores visíveis o buraco negro na galáxia M87 comprovou a existência dos mesmos, conforme teorizados por Karl Schwarzschild cem anos atrás; fenômenos com que a ficção científica imaginou por décadas. M87 está a 53 milhões de anos-luz de nós, significando que a luz obtida para essa reconstrução partiu de lá quando a extinção dos dinossauros já ocorrera havia dez milhões de anos.
Precisamos de imagens. Delas, ao imaginarmos e fabularmos, podemos compreender. O que é essencial para que possamos nos inspirar.
Luiz Felipe Vasques
19/09/2019
Links Externos:
Pálido ponto azul, de Carl Sagan (dublado)