As possibilidades do Cinema de Ficção-Científica
(Hoje, reenviamos um artigo de Março de 2019, tornado inacessível devido à migração para o novo servidor.)
Em 2016 tive a oportunidade de assistir, no intervalo de uma semana, A Chegada e depois Rogue One, o que me fez refletir um pouco sobre algo que eu já sabia. Antes, repassando os filmes:
De Rogue One, é minha opinião que é o segundo melhor filme já feito no universo de Star Wars, e encosta naquele que é o favorito em geral, O Império Contra-Ataca. Ação, heroísmo, aventura além de tudo e sacrifício… o prato é cheio e a mesa é farta para os fãs de uma ótima space opera ou filme de ação, em geral.
Já A Chegada é uma história bem mais intimista, passa por questões pessoais da protagonista, e a pressa de entender a intenção e o idioma de estranhos alienígenas quando estes surgem, do nada, em uma dúzia de enormes veículos pairando sobre paisagens naturais ou urbanas. Tudo o que eles são ou fazem é motivo de mistério, e decifrar sua linguagem torna-se vital. Apesar da promessa de um filme mais cerebral, há uma tensão crescente que prende o interesse da plateia até o fim. Quem já leu o conto original – como eu – pode atestar que é uma excelente adaptação (o conto foi lançado no Brasil pela ed. Intrínseca, na coletânea História de sua vida e outros contos, de Ted Chiang. É o conto-título).
Já de algum tempo para cá que, Hollywood, ao lançar filmes de ficção-científica, vem se ancorando em dois filões principais: tanto distopias young adult – as franquias de Jogos Vorazes, Divergente e Maze Runner – como space opera – o reboot de Star Trek e o reaquecimento de Star Wars (se quisermos pensar em algo que tangencia o gênero, filmes de Super-Heróis também entrariam aqui, especialmente algo como Guardiões da Galáxia). Recentemente Star Trek: Discovery estreou na televisão (pairando ainda a promessa de outra série estrelando o capitão Jean-Luc Picard, da Nova Geração).
São filmes populares, têm retorno garantido e tudo: investimento financeiro facilmente recuperável mediante fórmulas e temáticas de sucesso, com atores eficientes e carismáticos e, em alguns casos, uma aura mítica junto ao nome da franquia.
Entretanto, também já de um tempo para cá que um lado mais cerebral da FC vem sendo igualmente explorado em Hollywood, e não faz feio na hora da bilheteria. Pensem em Perdido em Marte (8a. maior bilheteria americana de 2015), Interestelar (16a. em 2014) ou Gravidade (6a. em 2013). Não são enredos simples, ou que envolvam conceitos cotidianos (ainda que não deixem de tomar suas liberdades em prol do andamento e entendimento geral da história). Mesmo em obras mais leves, como o Star Trek de 2009, consultoria científica anda se fazendo presente (se direção e roteiro de dado filme vão acatar, é outra história).
Dentro das narrativas de gênero – policial, ficção-científica, fantasia, terror/horror (e todos os subgêneros correlatos) –, a ficção-científica é a que mais tem chances de lidar com possibilidades a futuro e reflexões sobre o presente: mesmo um blockbuster como O Dia depois de Amanhã (2004), sobre uma súbita glaciação no hemisfério norte, conforme estudos realizados o filme conseguiu alterar a percepção do público sobre aquecimento global.
Esse potencial conscientizador da mass media, que tanto a imprensa quanto o sistema de ensino escolar têm falhado em alcançar o grande público, levou a Academia Nacional de Ciências norte-americana e Hollywood firmaram em 2008 uma parceria, chamada SEE – Science and Entertainment Exchange (Intercâmbio entre Ciência e Entretenimento).
O objetivo é o de cultivar o interesse do grande público para ciência e desenvolvimento, através da criação de representações criativas de tais temas: House, The Big Bang Theory, Big Hero 6 (aquela feira universitária de robótica no início, lembram?), Fringe, Eureka! e Marvel’s Agents of SHIELD estão entre os projetos que receberam orientação via SEE.
Lembrando ainda que não é de hoje que o entretenimento nos EUA e os setores de pesquisa de ponta andam lado a lado: pela militaria, as séries da franquia StarGate seguiam de perto o modo de agir e se apresentar da Força Aérea Norte-Americana (o comando StarGate é uma tropa de terra da USAF), enquanto que o MIT – Instituto de Tecnologia de Massachussets – e companhias como a Philco ou a AT&T produziam no passado filmetes sobre a “casa e a cozinha do futuro”.
E, a essa altura, mais de uma geração de cientistas se formou, sonhando com as possibilidades apresentadas desde os anos 60 pelas séries de Star Trek.
Portanto, que sempre haja mais variedade no cinema de Ficção-Científica: se torcemos por Katniss ou pela vitória dos Rebeldes contra a Nova Ordem, que também possamos nos admirar pelo mistério apresentado, e nos deixarmos levar pelas possibilidades de sua revelação.
Luiz Felipe Vasques
Rio de Janeiro, 21/03/19
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