A.L.M.A.
A ciência já foi acusada, algumas vezes, de não ter alma… Esse eufemismo, na minha humilde opinião, é até um elogio. A ciência realmente não deve ter alma. Nem coração. A ciência deve ser desprovida de paixões. A ciência deve se preocupar tão somente com o entendimento da realidade.
Cientistas, por outro lado, estão livres para exercer suas paixões e suas vontades. Para atuar em prol de suas idiossincrasias. Mas os cientistas são muitos e, na média, em grande escala, estas paixões se cancelam, resultando em uma ciência imparcial e livre de ardores. Uma ciência sem alma…
Mas eis que agora a Astronomia e os astrônomos podem bater no peito e gritar: “Sim, nós temos ALMA”. Escrito assim, com letras maiúsculas, o termo é um acróstico em inglês que quer dizer “Atacama Large Milimeter-submilimeter Array”, ou “Grande Rede Milimétrica-submilimétrica do Atacama”.
Atacama, sabemos, é um deserto localizado no Chile. É lá que temos o melhor céu do mundo, no que se refere às condições para observação astronômica. Lá é seco (sem umidade), alto (pouca atmosfera no meio do caminho) e longe de qualquer cidade (sem poluição luminosa).
O “M” do nome se refere ao tamanho do comprimento de ondas que este instrumento está preparado para captar. São ondas milimétricas e submilimétricas, na faixa das ondas de rádio. Os astros emitem em diversos comprimentos de onda, mas a nossa atmosfera filtra a maior parte deles. As duas grandes “janelas” atmosféricas são para as ondas visíveis e as ondas de rádio. Assim, só faz sentido construir telescópios terrestres que “enxerguem” no visível o no comprimento das ondas rádio. O ALMA enxerga ondas de rádio; é um rádio-telescópio.
Por fim, chegamos ao “large array”, a “grande rede” em português. Um rádio-telescópio típico tem a forma de uma antena parabólica. As ondas de rádio refletem na superfície parabólica e se concentram no foco do instrumento, onde há um receptor. Quanto maior a antena, mais ondas ela capta e mais detalhes teremos para analisar.
Em um exercício criativo de engenharia, as rádio-antenas começaram a ser construídas em conjuntos, ou arrays, de modo que cada uma seja responsável por receber um “pedaço” da informação. Todos os “pedaços” são “colados” por um algoritmo de computador e a imagem final obtida é a equivalente a que se conseguiria com uma antena única muito maior.
O ALMA, quando estiver em pleno funcionamento, reunirá nada menos que 66 antenas! Uma “grande rede” de fato. Sua estreia foi ontem, com apenas 12 antenas em funcionamento. E as imagens obtidas já são espetaculares!