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WORLDBUILDING: ATHELGARD (O Alienígena)


O mundo fantástico de Athelgard.

Na medida em que a literatura fantástica brasileira se consolida, era de se esperar que viessem histórias mais ambiciosas, cujo enredo levasse leitores e autores a criarem mais. Essas demandas se beneficiam sempre de um cenário mais robusto, o que inevitavelmente acabaria por acontecer.

Um caso é o do mundo em Fantasia desenvolvido pela escritora e curadora de manuscritos da Biblioteca Nacional Ana Lúcia Merege. 

Ana desenvolveu a terra de Athelgard, onde se passa sua série de livros para que pudesse contar mais histórias, fosse dos eventos da trilogia central (“O Castelo das Águias”, “A Ilha dos Ossos” e “A Fonte Âmbar”) ou em momentos e regiões mais distantes (por exemplo, “O Tesouro dos Mares Gelados”).

Sem mais delongas, com a palavra, a autora.

* * *

De onde surgiu a inspiração para criar Athelgard? 


A trilogia que leva a história central de Athelgard.

De uma coisa podem ter certeza: como todo universo fantástico, o meu não surgiu do nada. Não passei nem perto de fazer o mesmo que Tolkien, criando raças e idiomas complexos, mas, como ele, segui algumas regras indispensáveis a criar um mundo verossímil, que fizesse sentido para o leitor: baseei-me em povos e eventos existentes e coerentes, não criei sociedades monolíticas, pensei na vida cotidiana e em como as tecnologias (e a Magia, claro) poderiam afetá-la. 

Falei em “sociedades”, no plural, pois é isso de fato. Athelgard não foi planejado como um universo, e sim construído a partir das várias cidades, florestas, territórios em que se passavam minhas histórias. Em outras palavras, trata-se de uma ilha-continente que comporta vários cenários criados em textos isolados. Como eu sempre gostei de fazer meus personagens se encontrarem, comecei a escrever crossovers, até que um dia percebi que os mundos de onde eles provinham eram todos microcosmos que podiam fazer parte de um todo maior.

No início eu iria basear esse universo no mito de Atlântida, tanto que existem um mar e uma ilha interior, mas depois mudei de ideia e passei a usar principalmente os mitos nórdicos. Testei várias possibilidades e acabei ficando com um universo em que os humanos se misturam a descendentes de elfos e vanires, os quais partiram de seus mundos antes do Ragna-Rok, a batalha final da Mitologia nórdica. Isso explica, a meu ver, o porquê de os elfos de Athelgard serem tão parecidos com humanos: é que eles não são elfos de verdade, mas sim seus descendentes mestiços. Encontre um elfo proveniente da Ilha Interior e leve o maior susto da sua vida, como aconteceu com Mael em “O Anel do Escorpião”!

Quando escrevi as primeiras histórias em Athelgard, ainda não tinha um mapa. Os lugares foram sendo acrescentados à medida que surgiam: os Penhascos Gelados, onde vive uma tribo élfica, o Clã da Raposa Branca; uma cidade de humanos chamada Siberlint; Bryke, uma colônia fundada por elfos vindos de uma das onze grandes cidades no sul, região que mais tarde eu denominaria Terras Férteis. Depois apareceu uma cidade menor, de nome inspirado na mitologia indiana: Vrindavahn, onde se desenrola a trama de “O Castelo das Águias”, mas que, no princípio, foi apenas o palco de uma das histórias que rascunhei para meu saltimbanco Cyprien de Pwilrie.


“Orlando e o Escudo da Coragem”, ganhador este ano em Narrativa Longa Juvenil, do I Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica.

Falando nele, é um personagem emblemático, que surgiu na tentativa de escrever um romance histórico; ele seria um trovador provençal, descendente de árabes. Não deu certo – as coisas que eu queria para o personagem ficariam anacrônicas na Europa do século XII –, mas, se ele estivesse num universo fantástico de características medievais, e não no cenário medieval “real”, não haveria problema. Assim, criei a cidade de Pwilrie, com características da França e da Ibéria pós-reconquista cristã, e o antes moçárabe Cyprien foi viver em Athelgard, embora tenha se recusado a permanecer na Escola de Artes Mágicas.

Já Anna de Bryke surgiu por volta de 2003 como uma contadora de histórias que, depois de várias viagens pelo norte, acabou se apaixonando por um mago. De repente me deu um estalo: que tal se esse cara estivesse na Escola de Magia que eu deixei lá atrás? Foi a partir daí que a história se desenrolou, e Anna de Bryke virou a protagonista de “O Castelo das Águias” juntamente com Kieran de Scyllix.

Hoje, muito tempo depois e com o mapa publicado, boa parte dos personagens já está em seu lugar. Já é possível ter uma cronologia mais ou menos segura dentro do arco de histórias do Castelo e também das histórias do Cyprien, que inclusive vão se cruzar mais tarde. O universo não está completamente mapeado, o que eu acho legal, pois isso significa que ele ainda se encontra em expansão – e, sendo assim, muitas histórias podem surgir quando e onde menos se espera. 

De tudo isso, o mais importante para mim é ter a convicção – e o testemunho dos leitores em suas resenhas, que confirma isso – de que, com todas as falhas que eu possa ter como escritora, Athelgard é um universo complexo, interessante, em que os personagens evoluem e as coisas se passam de maneira verossímil. Ou seja, as histórias são coerentes, embora de acordo com as regras daquele universo e não o com as do nosso. Acho que esse é um ponto fundamental para escrever boa Literatura Fantástica.

Ana Lúcia Merege

10/09/2019

***

Uma última nota: [o evento Feira de Literatura Fantástica inserir link https://fantasiabrasil.com.br/2019/08/16/marque-na-agenda-13-e-14-de-setembro/] ocorrerá nesta sexta-feira, 13 e amanhã, sábado, dia 14, no centro de Niterói, Praça da República, na Biblioteca Parque. No dia 14, estaremos eu e Ana Lúcia com nossas respectivas palestras às 10:00 – “Worldbuilding – Construção de Mundos de Fantasia e Ficção Científica” e às 12:00: “Duendes: O mundo feérico no folclore e na literatura de fantasia.” Ambas no Espaço Central da Biblioteca, térreo. 

Compareçam!

Links Externos:

Homepage oficial de O Castelo das Águias, com as ilustrações da coluna de hoje e mais informações sobre o mundo e os livros de Athelgard, além de acontecimentos e escritos em geral da autora.

https://castelodasaguias.blogspot.com

Ótimo artigo da autora detalhando mais seu processo:

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