WORLDBUILDING: A TERRA MÉDIA (O Alienígena)
Worldbuilding é o termo em inglês pra designar a prática da construção de mundos em narrativas fantásticas. Os exemplos mais antigos remontam à literatura, mas hoje em dia em entretenimento podemos ter ideia dele em qualquer mídia.
É a construção do cenário onde uma história se passa. Esse cenário pode ser topográfico, mas também histórico – e político, etnográfico, filológico, cosmogônico, tudo a depender tanto do envolvimento pessoal dos criadores quanto às necessidades finais junto ao público a que se destina. Se a história é como se fosse uma ou mais estradas por onde passam os personagens, da primeira à última página, o worldbuilding é como se fosse a paisagem que se vê ao fundo – o que NÃO significa que seja algo meramente decorativo: é, antes, algo que dá consistência ao mundo inventado, lançando alicerces profundos para construções mais significativas, em produtos posteriores mesmo em outras mídias.
O grande exemplo de construção de mundos em narrativas fantásticas que se possa pensar é a Terra Média de J. R. R. Tolkien, cenário para a trilogia de “O Senhor dos Anéis” (1954 – 1955), “O Hobbit” (1937) e outras obras.
Tolkien era um acadêmico, filólogo, profundo conhecedor da língua inglesa. Traduziu “A Saga de Beowulf”, poema épico no Inglês Antigo (início da Idade Média) para o moderno, sendo expoente da crítica literária acadêmica.
Dos idiomas e mitos antigos que a Terra Média se formou, e muito do que ocorre antes e ao redor do que está escrito nos livros citados, pode ser encontrado em uma obra póstuma: “O Silmarillion” (1977), editada por seu filho Christopher Tolkien com ajuda de Guy Gavriel Kay. “O Silmarillion” apresenta, daquele universo, a criação do mundo (cosmogonia), dos povos (antropogonia) através de uma narrativa de mito de criação (mitopoética); com seu próprio deus originador iniciando tudo com uma canção. Ele criou outros seres que ajudassem nesta canção primordial, e como um destes seres quis também criar algo próprio – e com o orgulho, a queda. Temos a história dos povos humanos, dos elfos e anões, as terríveis guerras que antecederam as duas primeiras Eras (os eventos de “O Senhor dos Anéis” se passam no fim da Terceira Era – depois do surgimento do Sol, bem entendido…), suas proezas heroicas à altura de desafios e oponentes terríveis, em um tom que dá a entender que tudo começa no mais épico e mítico possível até se tornar o mais material e mundano, ao longo de milhares de anos. Não bastasse os Apêndices ao fim do terceiro livro de “O Senhor dos Anéis”, “O Retorno do Rei”, com suas linhagens reais, idiomas, calendários, notas e histórias diversas.
Há também os 12 volumes póstumos de “The History of Middle-Earth” (1983 – 1996), porém falando sobre o processo criativo de Tolkien em si – há muitas versões escritas abandonadas, por exemplo –, em vez do que há na obra final.
Alguns poderão achar que tudo isso é um grande exagero, para o aproveitamento final que foi. Mas como foi dito acima, é uma questão de grau de envolvimento pessoal do autor, antes de mais nada: e quantas pessoas mais se viram fascinadas pelas possibilidades levantadas só nos já citados Apêndices, e quanta inspiração não é providenciada somente pelo grau de organização e detalhamento por trás da Terra Média? Quantas imagens nos surgem a cada parágrafo do “Silmarillion”, incitando a desejar poder ver mais, conhecer detalhes, ler uma história completa daquilo que estes parágrafos apenas resumem ou sugerem?
A Terra Média não foi o primeiro, nem o único caso de worldbuilding. Mas, até agora, é o mais impressionante, pela profundidade, coerência e o quão evocativo nos consegue ser. Ainda veremos mais sobre o assunto, assim como casos e características do tema.
Luiz Felipe Vasques
Rio, 14/08/2019
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