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Coluna do Astrônomo

ASTRÔNOMOS COMO AUTORES DE FC: TRÊS PARADIGMAS (O Alienígena)


Filme Interestelar (2014): a concepção do Buraco Negro baseado em modernas previsões matemáticas.

Em fevereiro falamos da Astronomia em Júlio Verne, vamos falar de novo sobre esta Ciência na Ficção Científica através de seus pesquisadores: com a palavra, os astrônomos escritores.

Este é um levantamento feito sobre o assunto e que serviu de base para este artigo. Alguns dos autores são conhecidos do público brasileiro, especialmente Carl Sagan, que foi muito popular nos anos 1980 com a série (e livro) “Cosmos”, reeditada em tempos mais recentes por Neil deGrasse Tyson, outros mais conhecidos entre leitores de ficção científica.

Por isso temos, como convidado, o escritor de ficção científica E astrônomo (além de engenheiro) Gerson Lodi-Ribeiro para falar sobre o tema.

***

Astrônomos como Autores de FC: Três Paradigmas Distintos

Astrônomos que se metem a escrever ficção científica não constituem exatamente uma novidade. A prática precede o próprio gênero. De fato, Johannes Kepler publicava seu “Somnium” em 1634, uma narrativa de protoficção científica em que um demônio conduz um ser humano à Lua durante um eclipse. Dois séculos mais tarde, o astrônomo francês Camille Flammarion (1842-1925) misturou divulgação científica com narrativas de FC mística com êxito comercial considerável. Ainda que, sob a óptica do público leitor e da crítica atuais, viagens oníricas e translações astrais para outros mundos possam não soar como ficção científica de boa cepa, as sementes estavam plantadas e germinariam.


Edições em português de A Nuvem Negra: pela brasileira GRD e a portuguesa Colecção Argonauta.

Já no século XX, o britânico Fred Hoyle (1915-2001), primeiro astrônomo a aplicar as equações da Relatividade à Cosmologia e a formular os princípios da nucleossíntese estelar (formação de elementos mais pesados do que o hidrogênio no interior das estrelas), escrevia FC hard instigante e original. Dentre suas obras se destaca o romance “A Nuvem Negra” (1957), em que o Sistema Solar é visitado por uma nuvem interestelar dotada de vida e inteligência.

No entanto, devido à limitação de espaço inerente ao artigo, hoje falaremos de três romances de ficção científica escritos por astrônomos nas últimas décadas do século passado. Os autores escolhidos são David Brin, Robert L. Forward e Carl Sagan. Essas três escolhas se devem não só ao fato de serem autores cujas obras admiramos, mas também pelo fato de suas carreiras científicas e literárias serem relativamente bem conhecidas.

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Via Livros de Bolso FC (Portugal), Maré Alta Estelar foi publicado em dois volumes.

Vamos abrir com o romance premiado Maré Alta Estelar (1983), de David Brin. O autor possui um doutorado em astrofísica, tendo se interessado também pela SETI (sigla em inglês para “Busca por Inteligência Extraterrestre”). Abriu mão da carreira científica para se tornar escritor em tempo integral.

Ciente das dificuldades gigantescas que as formas irracionais complexas enfrentam para alcançar a racionalidade, Brin concebeu um mecanismo ficcional engenhoso para justificar uma periferia galáctica densamente populada por formas inteligentes alienígenas: o patrocínio, sistema pelo qual uma civilização tecnológica eleva espécies animais à racionalidade, através de técnicas avançadas de manipulação genética. Em troca, as espécies clientes devem trabalhar servilmente durante milênios para os seus patrocinadores. Ao fim desse longo período, os tutelados são libertados e se habilitam, eles próprios, a patrocinar as formas irracionais que escolherem. Toda a estrutura hierárquica das civilizações técnicas da Via Láctea remonta, em suas origens, a uma cultura mítica, os Progenitores, a primeira espécie racional, que teria evoluído espontaneamente e elevado as primeiras espécies animais, todas já extintas.

Neste cenário galáctico complexo, surge a Humanidade. Somos literalmente os párias da periferia. Como os Progenitores, nós nos erguemos das brumas da irracionalidade até as estrelas sem o auxílio de patrocínio alienígena. Contudo, numa galáxia repleta de espécies patrocinadoras poderosas e hostis, nossa mera existência soa como heresia e está sempre por um fio. E, o pior, embora inteiramente órfãos, nós humanos nos atrevemos a patrocinar neofins (a partir dos golfinhos), neochimps (chimpanzés) e neocães. E, pior ainda, ousamos a lhes conceder autonomia tão logo eles atingiram a racionalidade, anarquizando inteiramente a hierarquia do patrocínio estabelecida há centenas de milhões de anos na periferia.

O mecanismo do patrocínio também serve para justificar o fato de espécies extremamente agressivas não se terem autoexterminado bem antes de serem capazes de dominar as técnicas de navegação interestelar. Com esse conceito, Brin solucionou de uma só vez dois dos problemas que inquietavam há décadas a parcela mais esclarecida do fandom: o paradoxo de Fermi em si e a presença de alienígenas a um só tempo avançados e agressivos. O enredo em si é fantástico. Não será comentado aqui por motivo de falta de espaço, embora nós o recomendemos com o máximo empenho.

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Romance e sequência da de Dragon’s Egg: sem versão em português, infelizmente.

O romance “Dragon’s Egg” (1980), de Robert L. Forward (1932-2002) é considerado um exemplo clássico de FC ultra-hard. O autor é um astrônomo com doutorado em fenômenos gravitacionais. Ao contrário de Brin, jamais abandonou sua carreira científica. Ao contrário, logrou conciliá-la com suas atividades literárias. Graças à sua formação, conseguiu descrever com verossimilhança notável a detecção de sua fictícia estrela-de-nêutrons a 0,13 anos-luz do Sol que, da perspectiva da Terra, estaria junto à “cauda” da constelação do Dragão (esta, visível somente no hemisfério norte).

A exploração desse astro se dá uma geração humana mais tarde. O mecanismo de compensação gravitacional engenhoso, imaginado pelo autor para possibilitar que uma nave auxiliar tripulada se aproxime do objeto colapsado sem que seja esmagada pela força da maré gravitacional, é descrito com um nível de detalhamento técnico sem precedente na FC recente.

Forward propõe em “Dragon’s Egg” a existência de uma biosfera onde, sob uma gravitação superficial de 67 bilhões de g, um campo magnético de um trilhão de gauss e a uma temperatura de 8.200 K, as reações presentes na bioquímica convencional cederam lugar às reações biotermonucleares. O papel das moléculas orgânicas carbonadas da nossa bioquímica é desempenhado por núcleos degenerados complexos. A existência de complexidade e de um nível mínimo de organização num dado ambiente implicaria, segundo Forward, no surgimento de vida.

E não paramos por aí. Representando o ápice da evolução biológica no Ovo, os cheela são auxiliados pelos humanos, durante um intervalo de tempo muito breve. Afinal, o ciclo de vida cheela é cerca de um milhão de vezes mais rápido que o humano. Partindo do equivalente à Idade do Bronze, em menos de vinte e quatro horas os cheela ultrapassam em muito o desenvolvimento tecnológico de seus antigos mestres.

Ao fim do romance, Forward brinda o leitor com um apêndice técnico detalhado, com dados físicos, astronômicos e biológicos do Ovo. Em termos estilísticos, percebe-se que ainda faltava ao autor um domínio mais pleno da arte, falha compreensível por se tratar de sua primeira experiência literária de vulto. Por outro lado, a ideia da existência de vida racional em escala quase microscópica sobre a superfície de uma estrela-de-nêutrons é sensacional e justifica per si a leitura do livro. O argumento é apresentado de modo cientificamente plausível e muito bem desenvolvido em todos os seus múltiplos detalhes. É ler para confirmar.

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Capas de Contato publicadas no Brasil.

Outro exemplo de FC hard é o romance “Contato” (1985), de Carl Sagan (1934-1996). A reputação do autor como astrônomo, exobiólogo e divulgador de renome mundial, dispensa maiores comentários. Nesse seu único incursão como autor de ficção científica, o grande advogado da SETI nos narra o primeiro contato entre a humanidade desses últimos anos do milênio e uma civilização alienígena infinitamente mais avançada.

Esse contato se dá exatamente da forma que a maioria da comunidade científica atual acredita que ocorra algum dia: através de comunicações radiofônicas interestelares. A recepção da mensagem, sua decifração e a construção de uma máquina cujas instruções se encontram embutidas na mesma são descritas de forma detalhada o bastante para fazer com que um leitor menos atento se indague algumas vezes se não estaria simplesmente lendo um texto contendo a romantização de uma descoberta científica real.

Vários pormenores e idiossincrasias da SETI são esmiuçados de uma maneira que só um pesquisador da área se atreveria. Qualquer leitor que simpatize com o assunto dificilmente deixará de apreciar o romance. A protagonista, Eleanor Arroway, parece ter sido livremente inspirada em Jill Tarter, uma astrônoma norte-americana ligada à SETI na vida real. O romance inspirou o filme homônimo, lançado em 1997, protagonizado por Jodie Foster.

A história culmina com a descrição mais verossímil de uma viagem hiperespacial que já lemos, com o deslocamento se dando através de algo parecido graças a um wormhole artificial, envolvendo ainda no processo uma distorção espaço-temporal que faz com que o viajante passe o Tempo mais devagar do que do lado de fora da viagem. E o contato físico propriamente dito com um alienígena também é enxuto e isento das pieguices e clichês tão habituais a esses tipos de cena. Depois disso tudo, a revelação que deveria ser a mais fantástica de todos os tempos, a prova absoluta da existência de um propósito na Criação, pelo menos para nós pareceu um tanto ou quanto anticlimática.

***

Enfim, esses foram apenas três dentre os muitos exemplos possíveis do que os astrônomos e astrofísicos podem fazer quando resolvem escrever ficção científica.

Forward, Brin e Sagan não foram e são os únicos. Longe disso. Há Charles Sheffield, Gregory Benford, Geoffrey Landis, Alastair Reynolds, Alan Smale e muitos outros. Quem sabe não falaremos deles em outra ocasião?

Luiz Felipe Vasques e Gerson Lodi-Ribeiro,

6 de Agosto de 2019

Gerson Lodi-Ribeiro é carioca, engenheiro eletrônico e astrônomo UFRJ, havendo publicado ficção científica desde os anos 1990, sendo pioneiro da História Alternativa em português. Além de contos, coletâneas e romances de literatura fantástica publicados, também já organizou antologias, havendo ganhado prêmios literários no campo. Fora da literatura fantástica, publicou Vita Vinum Est!: História do Vinho no Mundo Romano. Seu site é o das Crônicas da FC Brasileira .

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Coluna do Astrônomo

As possibilidades do Cinema de Ficção-Científica

(Hoje, reenviamos um artigo de Março de 2019, tornado inacessível devido à migração para o novo servidor.)


Propostas bem distantes dentro da ficção científica.

Em 2016 tive a oportunidade de assistir, no intervalo de uma semana, A Chegada e depois Rogue One, o que me fez refletir um pouco sobre algo que eu já sabia. Antes, repassando os filmes:

De Rogue One, é minha opinião que é o segundo melhor filme já feito no universo de Star Wars, e encosta naquele que é o favorito em geral, O Império Contra-Ataca. Ação, heroísmo, aventura além de tudo e sacrifício… o prato é cheio e a mesa é farta para os fãs de uma ótima space opera ou filme de ação, em geral.

A Chegada é uma história bem mais intimista, passa por questões pessoais da protagonista, e a pressa de entender a intenção e o idioma de estranhos alienígenas quando estes surgem, do nada, em uma dúzia de enormes veículos pairando sobre paisagens naturais ou urbanas. Tudo o que eles são ou fazem é motivo de mistério, e decifrar sua linguagem torna-se vital. Apesar da promessa de um filme mais cerebral, há uma tensão crescente que prende o interesse da plateia até o fim. Quem já leu o conto original – como eu – pode atestar que é uma excelente adaptação (o conto foi lançado no Brasil pela ed. Intrínseca, na coletânea História de sua vida e outros contos, de Ted Chiang. É o conto-título).


A Chegada: enigmas do idioma alienígena e o livro original.

Já de algum tempo para cá que, Hollywood, ao lançar filmes de ficção-científica, vem se ancorando em dois filões principais: tanto distopias young adult – as franquias de Jogos Vorazes, Divergente e Maze Runner – como space opera – o reboot de Star Trek e o reaquecimento de Star Wars (se quisermos pensar em algo que tangencia o gênero, filmes de Super-Heróis também entrariam aqui, especialmente algo como Guardiões da Galáxia). Recentemente Star Trek: Discovery estreou na televisão (pairando ainda a promessa de outra série estrelando o capitão Jean-Luc Picard, da Nova Geração).

São filmes populares, têm retorno garantido e tudo: investimento financeiro facilmente recuperável mediante fórmulas e temáticas de sucesso, com atores eficientes e carismáticos e, em alguns casos, uma aura mítica junto ao nome da franquia. 

Entretanto, também já de um tempo para cá que um lado mais cerebral da FC vem sendo igualmente explorado em Hollywood, e não faz feio na hora da bilheteria. Pensem em Perdido em Marte (8a. maior bilheteria americana de 2015), Interestelar (16a. em 2014) ou Gravidade (6a. em 2013). Não são enredos simples, ou que envolvam conceitos cotidianos (ainda que não deixem de tomar suas liberdades em prol do andamento e entendimento geral da história). Mesmo em obras mais leves, como o Star Trek de 2009, consultoria científica anda se fazendo presente (se direção e roteiro de dado filme vão acatar, é outra história).

Dentro das narrativas de gênero – policial, ficção-científica, fantasia, terror/horror (e todos os subgêneros correlatos) –, a ficção-científica é a que mais tem chances de lidar com possibilidades a futuro e reflexões sobre o presente: mesmo um blockbuster como O Dia depois de Amanhã (2004), sobre uma súbita glaciação no hemisfério norte, conforme estudos realizados o filme conseguiu alterar a percepção do público sobre aquecimento global. 

Esse potencial conscientizador da mass media, que tanto a imprensa quanto o sistema de ensino escolar têm falhado em alcançar o grande público, levou a Academia Nacional de Ciências norte-americana e Hollywood firmaram em 2008 uma parceria, chamada SEE – Science and Entertainment Exchange (Intercâmbio entre Ciência e Entretenimento).

O objetivo é o de cultivar o interesse do grande público para ciência e desenvolvimento, através da criação de representações criativas de tais temas: House, The Big Bang Theory, Big Hero 6 (aquela feira universitária de robótica no início, lembram?), Fringe, Eureka! e Marvel’s Agents of SHIELD estão entre os projetos que receberam orientação via SEE. 

Lembrando ainda que não é de hoje que o entretenimento nos EUA e os setores de pesquisa de ponta andam lado a lado: pela militaria, as séries da franquia StarGate seguiam de perto o modo de agir e se apresentar da Força Aérea Norte-Americana (o comando StarGate é uma tropa de terra da USAF), enquanto que o MIT – Instituto de Tecnologia de Massachussets – e companhias como a Philco ou a AT&T produziam no passado filmetes sobre a “casa e a cozinha do futuro”. 

E, a essa altura, mais de uma geração de cientistas se formou, sonhando com as possibilidades apresentadas desde os anos 60 pelas séries de Star Trek.

Portanto, que sempre haja mais variedade no cinema de Ficção-Científica: se torcemos por Katniss ou pela vitória dos Rebeldes contra a Nova Ordem, que também possamos nos admirar pelo mistério apresentado, e nos deixarmos levar pelas possibilidades de sua revelação.

Luiz Felipe Vasques

Rio de Janeiro, 21/03/19

Links relacionados:

https://en.wikipedia.org/wiki/Ted_Chiang
http://www.boxofficemojo.com/
https://en.wikipedia.org/wiki/Science_%26_Entertainment_Exchange
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TRÊS VISÕES VERNIANAS

(Hoje, reenviamos um artigo de fevereiro de 2019, tornado inacessível devido à migração do site para um novo servidor.)


Três livros, três visões de Júlio Verne.

A coluna hoje vem com uma micro-entrevista com autores de Ficção-Científica da atualidade que escreveram histórias onde Júlio Verne é um personagem: Octavio Aragão, “A Mão Que Pune – 1890” (2018), João Barreiros, “A Verdadeira Invasão dos Marcianos” (2004); David Brin, associado com Gregory Benford “Paris Conquers All!” (1996). Da dupla, coube a Brin representá-la na entrevista. Os dois primeiros títulos são livros, o terceiro é um conto. Segue uma rápida apresentação antes da entrevista em si, junto com links dos autores:

João Barreiros nasceu em Lisboa, Portugal. Filósofo formado, atuou como escritor de Ficção-Científica e antologista, havendo ainda ajudado a organizar o fandom português.

https://www.facebook.com/joao.barreiros.9

Octávio Aragão é carioca, Designer Gráfico por formação e Professor-Doutor na pós-graduação da Escola de Comunicação da UFRJ, onde também organiza o Prêmio LeBlanc de Ficção Científica e a Semana Internacional de Quadrinhos.

http://octavioaragao.blogspot.com

David Brin é americano, nascido na Califórnia. É Astrofísico, sendo consultor da NASA, Google entre outras corporações. Escreve ficção-científica: o filme O Carteiro (1997), com Kevin Costner, é adaptado de sua obra, mas em literatura é mais conhecido pelo universo do Universo Uplift (em Portugal foi publicado a trilogia de Uplift, sob o nome de “A Guerra da Elevação”). 

https://www.davidbrin.com

Em poucas linhas, sobre o que é o seu livro?

JB: O meu livro trata o tema da vingança. Num universo ocupado por alienígenas “politicamente correctos”, um miúdo é apanhado na escola a ler o livro do Wells, “A Guerra dos Mundos”. Basicamente os professores, uma espécie de térmitas inteligentes e sensíveis, consideram o livro racista em relação aos marcianos, confiscam-lhe a obra e fazem-lhe uma pequena lavagem ao cérebro para que ele se esqueça de tudo. Tudo corre mal, claro. O processo de lavagem ao cérebro não resulta e ele vinga-se, ao longo de uma vida inteira, tornando algo que ele acabou de ler em qualquer coisa de muito real. Enfim, Herbert Goodfellow cria a verdadeira Guerra dos Mundos, constrói com as suas próprias mãos uma civilização marciana feita à base de polvos horríveis e imperialistas. Toda a história é uma metáfora, claro. Os vossos pais e educadores nunca vos proibiram de ler bds ou livros de FC? Ora, esta é a minha (nossa) vingança.

OA: Imagine que Julio Verne se tornou o primeiro presidente eleito da França, logo depois da queda de Napoleão III, trazendo para Paris todos os gênios científicos à sua disposição, incluindo um certo Prendick, herdeiro e implementador dos protocolos Moreau de modelagem da carne. Junte isso à ganância de outras potências européias, um imperador brasileiro vagando por terras francas, um cartunista italiano desolado pela morte da mulher e o desaparecimento do filho recém nascido, alguns homens e mulheres de índoles diversas e um assassino monstruoso com uma agenda própria e o futuro do mundo estará, irremediavelmente, comprometido.

DB: A antologia Global Dispatches* pediu a 20 autores de ficção-científica para escrever histórias durante a invasão marciana apresentada em “A Guerra dos Mundos”, de H. G. Wells. Cada um de nós escolheu um famoso escritor dos anos 1880 para contar uma história sobre confrontos com os invasores. Gregory Benford e eu escolhemos Júlio Verne para contar o que aconteceu quando os Marcianos chegaram em Paris. Nós procuramos manter o estilo e otimismo sem limites de Verne.

Qual a importância de Júlio Verne para a sua história?

JB: As relações entre Jules Verne e Wells sempre foram frias. Embora nunca se tivessem encontrado no universo real, nenhum dos dois gostava dos trabalhos do outro. Wells achava aborrecidas as obras de Verne. Verne dizia que Wells inventava demasiado. E contudo foram eles que iniciaram as duas rotas paralelas daquilo que viria a ser chamada a ficção científica. Wells criou o “scientific romance”, Verne as “viagens extraordinárias”. Tinham os dois visões do mundo diametralmente opostas. Wells simpatizava com o socialismo enquanto Verne era profundamente conservador. Um escrevia para adultos, o outro tinha em mente a educação dos jovens. À data de 1900, um ainda era jovem, o outro viria a morrer cinco anos mais tarde. Um receava o futuro, o outro ansiava por ele. Por isso, nada mais interessante do que juntar os dois, como jornalistas, numa expedição punitiva a Marte que, neste universo, Wells imaginou mas nunca chegou a escrever.

OA: Sem Júlio Verne e seu espírito empreendedor não haveria meu romance (o segundo** de uma série). Mesmo quando não está presente, ele assombra as paginas. É seu caráter e sua fé no lado bom da ciência e seus artefatos que permeia todo o livro, mesmo quando parece não haver nenhum motivo para esperança ou bons pensamentos. 

DB: Verne não é somente a inspiração para a história, mas um narrador e personagem atuante. Ele vem com uma ideia com a qual os cidadãos de Paris defendem sua cidade.

Quando você, como leitor, descobriu Júlio Verne e o que ele significa para você?

JB: Descobri-o na biblioteca do meu avô aí pelos meus oito anos de idade, naquela época em que eu devorava tudo o que me era posto entre as mãos. Não havia muitos livros do Verne, aí uns cinco ou seis, mas entre eles estava a “Viagem ao Centro da Terra” e o “Da Terra à Lua”. Gostei da “Viagem”, mas achei o “Da Terra à Lua” uma chatice do caraças, onde os infodumps sufocavam toda a narrativa. No meio de toda aquela confusão referencial, havia também as obras do Edgar Rice Burroughs, principalmente do Tarzan. Esses li-os todos. Tenho de confessar que adorei juntar o Burroughs, o Verne e o Wells numa só narrativa, juntamente com alguns dos personagens que eles criaram.

Hoje em dia consegui juntar na minha biblioteca toda a obra de FC do Wells, assim como praticamente todos os livros do Verne (64)… ufa… e, para meu terror, no acto da releitura, é o Burroughs quem eu tenho mais dificuldade em assimilar. Wells lê-se para sempre e mais um dia. Quanto ao monsieur Jules Verne… bom, é um marco, mesmo quando dá o seu nome a obras que nunca escreveu.

OA: Meu encontro com Verne aconteceu cedo, creio que antes dos dez anos, quando descobri a série animada “Viagem ao Centro da Terra”. Daí para os romances foi um pulo. Pouco mais tarde, vi uma reprise de “Vinte Mil Léguas Submarinas” no cinema, e aí foi impossível não sonhar com as formas retrô do Nautilus e as aventuras submarinas do Capitão Nemo. Para mim, Verne, que leio até hoje com certa regularidade, era a encarnação do espírito desbravador da humanidade, aquilo que um dia ainda vai nos salvar de nós mesmos. Gosto de acreditar que ele foi canonizado por minha igreja particular. São Júlio Verne vela por nós, mesmo em tempos de obscurantismo e ignorância galopante.

DB: Tanto os livros como os filmes foram importantes para mim, quando criança.

* Editada por Kevin J. Anderson e publicada em 1996 pela Bantam Spectra. Sem tradução em português.

** O primeiro sendo “A Mão Que Cria”, publicado pela Editora Mecuryo em 2006. Ambos os livros podem ser lidos de forma independente. “A Mão Que Pune – 1890” ganhou o Prêmio Argos 2019 como Melhor Romance de Literatura Fantástica em língua portuguesa.

A coluna agradece aos entrevistados.

Luiz Felipe Vasques

25/02/2019

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Coluna do Astrônomo

A Conquista da Lua


“Um pequeno passo para um homem, um grande salto para a Humanidade” – Neil Armstrong, o primeiro ser humano na Lua. 20 de Julho de 1969.

Neste sábado passado, 50 anos atrás, a Humanidade pousava na Lua pela primeira vez.

E conforme prometido, a coluna volta a ela hoje.

O voo se deu com a tripulação da missão Apolo 11, tendo a bordo os astronautas Neil Armstrong, Michael Colins e Buzz Aldrin, oficiais da Força Aérea americana (USAF). Michael Colins orbitou a Lua com o módulo Colúmbia, que os levaria de volta à Terra, enquanto Armstrong e Aldrin alunissavam com o módulo Águia. A missão foi um sucesso estrondoso.

12 anos antes, em 4 de outubro de 1957, o mundo conheceu o início da Era Espacial. A então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas lançou o primeiro satélite artificial, com a finalidade de testar a ideia. Um bip-bip sucinto era tudo o que transmitia, e em suas três semanas de atividade bastou para que a imaginação se incendiasse mundo afora. Dois anos depois, os soviéticos também emplacaram o primeiro ser vivo dia 3 de Novembro daquele mesmo ano e depois o primeiro ser homem em órbita, em 12 de Abril de 1961 e a primeira mulher em 16 de Junho de 1963.

Correu-se com planos, e uma sensação de marcar bobeira em escala global se instalava. Eram, afinal, os anos da Guerra Fria, e a disputa ideológica entre comunistas e o Ocidente livre tinha acabado de atingir um novo patamar: o espaço sideral. Bastião do anticomunismo e com o melhor parque industrial e mais mentes trabalhando em seu território, os Estados Unidos da América tomaram essa missão para si. 

Em um discurso em 1961, o presidente americano John F. Kennedy disse que o país “deveria se comprometer em alcançar o objetivo, antes do fim da década, de pousar um homem na Lua e trazê-lo de volta em segurança para a Terra”. E assim foi feito, com o projeto Apolo, em 1969.


Armstrong, Collins e Aldrin: heróis de uma era.

Mas não foi nem a única concepção naquela época, nem era uma ideia nova.

Já em 1638 o bispo John Wilkins escreveu um discurso onde previa uma colônia na Lua. O físico russo Konstantin Tsiolkovsky (1857–1935), e não só ele, também sugeria isso. A ideia começou ganhar conceito e projetos a partir dos anos 1950.

Arthur C. Clarke, em 1954, propôs ambientes infláveis cobertos pela poeira lunar para insulação. Uma nave, montada em órbita (conceito este utilizado em sua história “Aventura Lunar”, de 1956, publicado na coletânea “Do Outro Lado do Céu”), levaria astronautas para montar módulos similares a iglus e um mastro de rádio inflável. Nos passos seguintes, estabelecimento de um domo maior e permanente, purificadores de ar baseados em algas, um reator nuclear para fornecer energia e canhões eletromagnéticos para lançar carga e combustível para naves no espaço.

Em 1959, quando ainda se acreditava que a superfície da Lua poderia ser coberta por regiões inteiras de poeira, que atingiriam quilômetros de profundidade, John S. Reinhardt sugeriu “uma estrutura que flutuasse sobre um oceano de poeira”. Ela seria um semicilindro com meias cúpulas nas extremidades, com um escudo de proteção contra micrometeoritos acima.

Um ano antes, O Programa de Expedição Lunar – Lunex (1958) foi a proposta da Força Aérea americana para alcançar a Lua e também estabelecer uma base lunar subterrânea tripulada por 21 pessoas, ao custo de 7,5 bilhões de dólares – preço de época. Suas metas principais consistiam:

1965: recuperação de um veículo de reentrada tripulado

1966: voo circunlunar tripulado

1967: alunissagem tripulada e retorno

1968 em diante: Expedição lunar tripulada permanente.


Módulo de alunissagem Lunex: a viagem até a Lua e a descida seriam com o mesmo veículo, deixando lá o estágio de pouso ao decolar de volta para a Terra. Pousaria como o ônibus espacial.

Projeto Horizonte (1959). Se a USAF tem uma proposta para a Lua, certamente o exército americano não ficaria atrás. Em 59 desenvolveu um estudo pela presença militar na Lua; consistindo de um posto avançado na Lua, com doze militares operando missões de exploração lunar, apoio a missões científicas, desenvolvimento posterior da exploração no espaço e missões militares na Lua, se preciso fosse: o posto estaria protegido de ataques por terra com minas subterrâneas Claymore modificadas contra trajes de pressão e foguetes Davy Crockett com ogivas nucleares de baixa potência.

As estruturas básicas do posto consistiriam em tanques de metal cilíndricos de 3 metros de diâmetro e 6,1 de comprimento. Ainda haveria dois reatores nucleares, enterrados, providenciando energia e dois veículos de terra, um para trabalho pesado e outro para propósitos de maior alcance.

O Projeto Horizonte tinha contornos e ambições de ficção-científica: requereria o lançamento de 147 foguetes Saturno A-1 (predecessores do Saturno V, que levou o Homem à Lua) para levar carga em órbita da Terra em uma estação espacial (convertida de um tanque de primeiro estágio de foguete descartado). A partir disto, um veículo seria montado para a alunissagem e retorno dos astronautas, a construção do local se daria, e finalmente seria ocupado. Notem as datas do cronograma inicial:

1964: 40 foguetes Saturno lançados.

1965: em Janeiro começariam remessas de carga para a Lua; em Abril se daria a primeira alunissagem tripulada, feita por dois astronautas. Iniciaria-se uma |fase de construção contínua até a conclusão do posto avançado.

1966, Novembro: Posto avançado tripulado por 12 homens.

Esse programa teria requerido um total de 61 foguetes Saturno A-1 e 88 Saturno A-2 até essa data. 220 toneladas de carga útil teriam sido transportadas para a Lua. De Dezembro em diante, pelo ano de 1967, um total de 64 lançamentos seriam agendados, resultando em mais 120 toneladas de carga útil.

Tudo ao custo de 6 bilhões de dólares, preço de época.


Arte conceitual do posto avançado Horizonte e módulo de alunissagem.

Base Lunar Zvezda: era um projeto soviético de construção de uma base lunar tripulada por 9 a 12 operativos, ambicionada de 1962 a 1974. Consistiria de nove módulos, todos capazes de locomoção, capazes de se engatarem como um trem.

Mas, para bem ou para mal, nada disso aconteceu: certamente que havia mais entusiasmo do que praticidade nesses projetos, especialmente dado ao custo de época. E ainda, previa a militarização do espaço: a criação da Administração Nacional de Ar e Espaço – NASA –, uma agência civil foi significativa para isso. Os engavetamentos se deram na gestão do presidente Dwight Eisenhower, ele que havia sido general e herói na II Guerra Mundial.

Tudo deu-se como foi, com os oficiais da USAF Neil Armstrong, Michael Collins e Buzz Aldrin voando até a lua em 1969. O resto foi… História?

O mundo aguardou em suspense o próximo passo dos soviéticos, que haviam dado a largada por tantas cabeças a mais nesse páreo, mas até então, nada. Em 1971 eles emplacariam ainda a primeira estação orbital tripulada, a Salyut 1 – mas isso era órbita baixa da Terra. Apenas mergulhar os tornozelos na praia. Ocorria, sem que se soubesse até fins de 1990s, que a tecnologia do primeiro estágio de foguetes por eles não havia sido dominada, com testes do foguete N-1 culminando em fracassos pirotécnicos na plataforma de lançamento.

É preciso de pelo menos dois para haver uma corrida, e para o interesse público na mesma. O ibope dos subsequentes voos Apolo diminuía drasticamente – salvo pelo quase desastre da Apolo 13 – junto com a verba e, como os EUA na época tinham compromisso com outro projeto bilionário – a Guerra do Vietnã –; na altura do governo Nixon resolveu-se cortar custos vistos como desnecessários, e a Apolo 17 (originalmente haveria missões até a Apolo 20) levou os três últimos astronautas na Lua – e nunca mais voltamos.


Bases Clavius (“2001”, de Kubrick) e Lunar Alfa (“Espaço 1999”): o futuro que não foi – ainda.

No mundo profetizado de otimismo tecnológico que nunca se concretizou do ano 2.000, talvez a maior sensação de “futuro roubado” venha pelo não seguimento do Projeto Apolo, seja pelos EUA, seja pela então URSS, ou por nenhum outro país. Especialmente quando lemos ou assistimos obras contemporâneas e que davam por certo nossa presença como algo rotineiro na Lua já na virada de milênio, que dirá neste nosso 2019?

Recentemente, a NASA recebeu ordens de voltar à Lua. Até aí, desde o início do Século 21 tem havido promessas – em geral mais políticas do que qualquer outra coisa – de se retornar à Lua (e se chegar a Marte). Mas, tudo dando certo, o Projeto Ártemis deverá dar frutos até o final dos 2020s.

Provavelmente não estará só nessa: há mais de dez anos que se diz que a próxima corrida espacial seria entre EUA e China. Talvez. Mas não podemos nos esquecer dos esforços e conquistas da Índia, por exemplo. E a Rússia anuncia suas pretensões de ida e instalação de uma colônia lunar por 2030 – projetos, todos anunciam: a própria China, ao lançar seu primeiro taikonauta em órbita, prometia uma ida à Lua em 2010, 2012: 2036 é agora a data anunciada. A inciativa privada também não parece querer ficar de fora.


“Apollo 18 – A Missão Proibida” (2015): Talvez haja um bom motivo para não retornarmos à Lua…

Depois de seu discurso em 1961, houve a Crise dos Mísseis em Cuba que, havendo sido resolvida pacificamente, as relações com os soviéticos desde então haviam melhorado. Um tratado banindo testes nucleares a céu aberto havia sido assinado em 1963, e o Kremlin e a Casa Branca dispunham agora de uma linha direta, na necessidade de esclarecimentos e outros assuntos.

Naquele mesmo ano, inesperadamente Kennedy ainda propôs que se fosse a Lua não em clima de competição, mas cooperação, perguntando aos soviéticos por que não uma missão internacional para lá? Talvez Kennedy não visasse apenas uma questão política, mas econômica, já que os custos da ida à Lua encareciam cada vez mais. Mas, apesar de uma inicial boa recepção de seu discurso pelo então Ministro de Assuntos Exteriores, Andrei Gromiko, nada de prático então foi dito – e o que poderia ter de fato ocorrido, nunca saberemos. Kennedy foi assassinado dois meses depois e seu sucessor, Lyndon B. Johnson, descartou qualquer possibilidade de cooperação com a URSS.

Dentro do espírito de cooperação, uma organização sem fins lucrativos chamada Moon Village Association planeja a Moon Village, encontrando ao menos um defensor em Jan Wörner, Diretor Geral da Agência Espacial Europeia. É uma “aldeia” por se referir a investidores internacionais do setor público e privado, cientistas, engenheiros, universidades e negócios, unindo-se para discutir interesses e capacidades para construir e compartilhar uma infraestrutura na Lua e no espaço cislunar para uma variedade de propósitos. Dado à diversidade de atividades e campos do conhecimento envolvido, há ainda que se explorar as possibilidades surgidas pela potencial sinergia do projeto. Wörner diz que a Aldeia não é somente um projeto ou instalação, mas uma mentalidade de “vamos construir juntos”, levando a talvez mesmo um início de começarmos a pensar como uma só espécie. Algo muito similar, ao meu ver, com o que ocorre no final do filme “Tomorrowland: Um Lugar Onde Nada é Impossível” (2015). O resultado de diferentes campos convivendo juntos também é de interessa para a NASA e sua futura estação orbital lunar.

A Lunar Orbital Platform – Gateway (LOP-G) é uma futura estação orbitando a Lua, um projeto liderado pela NASA mas com desenvolvimento, construção e utilização junto a parcerias comerciais e internacionais. Ela servirá como ponto intermediário tanto para missões automáticas e tripuladas ao polo sul lunar, área de interesse por se concentrar grandes quantidades de gelo, quanto para futuras missões interplanetárias, como o conceito do Deep Space Transport, da NASA.


Conceitualizações da Moon Village e da Lunar Orbital Platform – Gateway: apostas futuras.

Dividir os custos e compartilhar dividendos soa como a noção mais sensata. A estação espacial americana “Freedom”, anunciada desde o governo Reagan, curvou-se ante as necessidades de um custo altíssimo e transformou-se na Estação Espacial Internacional. Se quisermos ter ambições interplanetárias, teremos que ter recursos e mentalidade planetárias, em vez de alimentar velhas rivalidades e bravatas nacionalistas.

Luiz Felipe Vasques

02/07/2019

Links Externos:

https://en.wikipedia.org/wiki/Colonization_of_the_Moon
https://en.wikipedia.org/wiki/Canceled_Apollo_missions#Follow-on_lunar_missions
https://www.history.com/this-day-in-history/kennedy-proposes-joint-mission-to-the-moon
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Coluna do Astrônomo

Nossos Astros na Ficção Científica: Mundos Imaginados


Faetonte, Neith e Vulcano: deuses que não ganharam o céu.

Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos dos mundos do sistema solar que nunca foram.

Não se trata apenas de imaginar os planetas que conhecemos com ambientes extrapolados do da Terra, mais ou menos hospitaleiros ao ser Humano, para depois então se comprovar o oposto: mas observações registradas que se provaram depois errôneas e hipóteses descomprovadas a respeito da existência de outros planetas, luas e mesmo uma estrela no nosso sistema solar.

Vulcano é o exemplo clássico: um planeta que orbitaria ainda mais próximo do Sol do que Mercúrio. Proposto em 1859 pelo astrônomo francês Urbain Le Verrier (o mesmo envolvido na pesquisa que levou a Urano e Netuno), para explicar certas irregularidades na órbita de Mercúrio. Entretanto, foi desacreditado em 1915, quando a Teoria da Relatividade de Einstein comprovaria que as irregularidades observadas eram falsas, sendo na verdade uma ilusão de ótica provocada pela gravidade do Sol. Obviamente que isso não intimidou a Ficção Científica.

“By Aeroplane to the Sun: Being the Adventures of a Daring Aviator and His Friends (1910)”, por Donald W. Horner, já o incluía como avistamento na viagem dos personagens. Alguns contos irão descrevê-lo, antes de mais nada, como um mundo não só cheio de perigos como sendo extremamente quente.

R. F. Starzls o descreve com o nome de Aryl no conto “The Terrors of Aryl” (1931), Leslie F. Stone o figura em “The Hell Planet” (1932). Também de 1932, “Vulcan’s Workshop”, por Harl Vincent, no qual uma colônia penal é localizada em Vulcano.

Ross Rocklynne conta de duas pessoas presas em um Vulcano oco em “At the Center of Gravity” (1936), conceito de cenário foi reaproveitado 10 anos depois por Edmond Hamilton em “Outlaw World” (1946), parte da série aventuresca de contos “Captain Future”. Na série literária britânica de ficção científica juvenil chamada “Chris Godfrey of U.N.E.X.A.”, em seu romance “Missão Mercúrio” (1965, por Hugh Walters), durante o retorno da primeira missão tripulada a Mercúrio um planeta ainda mais próximo do Sol é avistado pela tripulação, podendo então finalmente ser Vulcano.

No final, se o deus romano dos artífices não ganhou seu lugar no céu, ao menos ganhou notoriedade nas lendas modernas, quando Gene Rodenberry o escolheu para batizar o mundo natal do Sr. Spock e de sua raça paterna em “Star Trek” (1966).


Vulcano, constando em mapa de 1846.

Mercúrio e Vênus “ganharam” luas: o primeiro em 1970, o segundo bem antes, quando em 1672 Giovanni Cassini foi o primeiro de alguns astrônomos a declarar avistá-la. Em 1884, o astrônomo belga Jean-Charles Houzeau chegou mesmo a supor que o observado era um planeta desconhecido, ao qual batizou Neith (uma antiga deusa egípcia), chegando mesmo a lhe calcular o período orbital – em ambos os casos, tudo foi tido como um engano induzido pela luz de estrelas próximas a Mercúrio e Vênus, confundindo os observadores.

Nosso planeta Terra também tem supostos astros reivindicados: além de outras luas (uma delas, aventada em 1846 pelo astrônomo francês François Petit, foi tornada famosa por ninguém menos que Júlio Verne em “Da Terra à Lua”); o filósofo grego Filolaus (470-385 a.C.) propôs uma segunda Terra na mesma órbita que a nossa, jamais vista por sempre estar atrás do Sol em relação a nós. Filolaus discordava do geocentrismo, propondo um sistema próprio (não-heliocentrista) em que cabia a existência de Antichthon: a Contra-Terra. A ideia só foi cair de moda depois do estabelecimento do heliocentrismo, no Século 16. Apesar de já ter se comprovado a inexistência de um astro assim – não há, por exemplo, influência gravitacional do equivalente a uma segunda Terra sobre Vênus ou vice-versa (bem mais próximo de nós do que Marte) ou com qualquer outro planeta –, isso não impediu alguns autores.


Visões da Contra-Terra.

De D. L. Stump, “From World to World” (1896) a Contra-Terra é descrita como uma avançada utopia.

Edgar Wallace (um dos roteiristas do King Kong original) escreve “Planetoid 127” (1924) onde ele descreve a comunicação por rádio com uma Contra-Terra: aliás, curiosamente chamada Vulcano, nome utilizado também em outras obras com o tema da Contra-Terra.

Em uma curiosa variação do tema da Contra-Terra, Paul Ernst pensou em uma mini-Terra orbitando atrás da Lua, por isso sempre além de nossa vista, em “The World Behind the Moon” (1931).

Ben Barzman escreve “Out of this World” (1960), onde Terra e Contra-Terra são idênticos em todos os aspectos, até que divergem a partir do início do Século 20, quando não acontece a 2a Guerra Mundial.

John Norman escreve, a partir de 1967, uma série adulta de mais de 60 livros dentro do subgênero “sword-and-planet” passando-se na Contra-Terra-título chamada “Gor”.’

J. T. Edson escreve a série “Bunduki” (1975-1990), baseada no universo de Tarzan dos Macacos, onde há uma Contra-Terra chamada Zillikian.

De François Schuiten e Benoît Peeters, a belíssima série de romances gráficos “As Cidades Obscuras” (1983 em diante) se passa em uma Contra-Terra, cheia de cidades-estado em que se destacam a arquitetura, baseada em algumas cidades da vida real.


Schuiten e Peeters: vistas assombrosas e familiares, logo atrás do Sol.

Marte teve suas duas luas, Fobos e Deimos, avistadas pela primeira vez com precisão por Asaph Hall em 1877, mas antes dele outros avistamentos de supostas luas foram feitos, nenhum confirmado.

Desde que começou a ser observado no início do Século 19, o cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter foi alvo de especulação no passado: o que teria o originado? A ideia de um planeta desintegrado em algum cataclismo perdurou até se observar melhor e medir que a massa dos asteroides, se fosse reunida em um só corpo, geraria um astro que seria bem menor do que nossa própria Lua. Mas até lá, Faetonte foi imaginado.

Faetonte nasceu para explicar por que os asteroides existiam, em primeiro lugar: ocorria que a Lei de Titius–Bode, que propunha que planetas ocorreriam sempre duas vezes mais distante do Sol do que o anterior, era aceita na época, e a presença dos asteroides cai direitinho na conta, em relação às distâncias de Marte e Júpiter. O motivo de haver tantos corpos minúsculos em vez de um só planeta sugeria que algo muito errado deveria ter acontecido, desintegrando todo um mundo. O nome Faetonte é devido a um filho de Helios, deus do sol na mitologia grega, que tomou a carruagem do sol para dirigir por conta própria gerando resultados desastrosos e sendo fulminado por Zeus devido a isto: Júpiter ter desintegrado Faetonte por força gravitacional era uma hipótese proposta que bem cabia o nome. Outras incluíam o impacto direto com algum outro astro grande o bastante, ou uma explosão dado um processo interno do planeta, etc.

Uma segunda proposta científica para um quinto planeta veio em 2002 por John Chambers e Jack J. Lissauers, cientistas da NASA: o Planeta V seria um planeta existente entre a órbita de Marte e o cinturão de asteroides. Perturbações dos demais planetas teriam levado o V a cruzar o cinturão de asteroides e, posteriormente, arremessá-lo contra o Sol, encontrando seu fim. Este processo explicaria o motivo de tantos asteroides terem impactado a superfície de Marte, Lua, Terra e Vênus em um período relativamente tão curto, entre 4,1 a 3,8 bilhões de anos atrás, logo após a formação dos planetas rochosos – mas mesmo este evento, chamado Intenso Bombardeamento Tardio, é questionado hoje em dia.

Hoje em dia, crê-se que havia apenas pouca massa para fazer surgir um planeta, sendo os asteroides entre Marte e Júpiter apenas material remanescente dos primórdios do sistema solar. Seja como for, a ideia de um quinto planeta e sua tragédia cósmica era atraente demais para passar desapercebida.


Histórias sobre o planeta extinto. 

“Seola” (1878), de Ann Eliza Smith, descreve uma narrativa passada nos tempos bíblicos e aponta que a explosão de um planeta entre Marte e Júpiter causa o Dilúvio na Terra.

“Times Wants a Skeleton” (1941), Ross Rocklynne, conta sobre viajantes do Tempo que retornam até Faetonte, logo antes dele ser destruído pelo impacto de um outro planeta, sem nome. Viajantes no Tempo para o quinto planeta também estrelam em “The Lost World of Time” (1941, novamente Edmond Hamilton para “Captain Future”) desta vez para resgatar seus habitantes, face à destruição. O mundo aqui recebe o nome de Katain, a adaptação para animação japonesa (1978) o chama de Prometeus.

Com o perigo de uma guerra nuclear depois de meados dos anos 40, a Ficção Científica gerou algumas histórias com uma moral embutida usando o quinto planeta onde seus habitantes são diretamente responsáveis pela destruição de seu próprio mundo, devido ao mau uso da energia atômica, seja por descuido ou por guerra. É assim em histórias juvenis como “Space Cadet” (1948), de Robert Heinlein, “Return to Mars” (1955), de W. E. Johns e o filme japonês “The Mysterians” (1957).

Para mostrar que Marte não discrimina em suas ambições imperialistas e agressividade interplanetária, os marcianos destroem o quinto planeta em “Fallen Star”, de James Blish (1959, chamado Nferetet) e “Estranho em uma Terra estranha” (Robert Heinlein, 1961). Em um dos romances da série “Perry Rhodan” (1966), pelo ano 50.000 a.C., alienígenas agressivos destroem o quinto mundo, chamado Zeut.

É também pelo ano 50.000 a.C. que Minerva, o quinto planeta, explode para formar o cinturão de asteroides além daquele que se tornou o (não mais) planeta Plutão, segundo “Inherit the Stars” (1977), de James P. Hogan. Neste livro, Minerva foi ainda o lar originário de duas raças, os Gigantes, há 25 milhões de anos, e os Lunarianos, também há 50.000 anos, praticamente idênticos ao ser humano moderno e cujo ADN influenciará o Homo sapiens.

O autor lovecraftiano Brian Lumley chama o quinto planeta de Thyoph em seus escritos, então destruído por Azathoth, o Caos Nuclear.

É de 1957 um dos enfoques mais criativos do quinto planeta: “Rogue in Space”, de Frederic Brown, conta de um asteroide vivo e inteligente que coleta os asteroides do cinturão para formar um futuro planeta: o planeta que um dia será, em vez de o planeta que um dia já foi.

Júpiter, Saturno e Urano tiveram avistamentos não comprovados de algumas luas desde o Século 18 até os anos 1980 – não que lhes fizessem falta, obviamente, todos com suas dezenas de luas.

Entre Saturno e Urano, um gigante gasoso foi proposto, como forma de explicar o Intenso Bombardeio Tardio. Esse gigante teria sido arremessado fora do sistema solar dentro do jogo de gravidade de seus vizinhos.

Plutão uma vez rebaixado, a busca pelo novo Nono Planeta do sistema solar continua. Tudo o que vier depois de Netuno, o – até aqui – último planeta do sistema solar, é chamado “objeto trans-netuniano” (OTN). Nisto, planetas-anões como Plutão, Sedna ou Eris também se classificam.

Tyche foi aventado como tendo no mínimo o tamanho de Júpiter, talvez mesmo um anão marrom, distante dentro da Nuvem de Oort. Proposto em 1999 dado um suposto arrebanhamento de cometas, a investigação por infravermelho efetuada pelo telescópio orbital infravermelho WISE nunca o encontrou.


Comparações: o sistema solar até a órbita de Plutão e o Cinturão de Kuiper acima. Abaixo, a Nuvem de Oort.

“The Planeteers” (1936-1938), série de histórias por John W. Campbell, conta de dois cientistas a bordo de um foguete nuclear ao redor do sistema solar, décimo planeta inclusive. São cinco histórias que contam das civilizações no sistema solar, em seus planetas e luas.

“We Guard the Black Planet!” (1942), noveleta de Henry Kuttner, conta sobre um mundo além de Plutão totalmente oculto por um campo escuro artificial. Nele habitam homens e mulheres alados, que inspiraram as valquírias da lenda nórdica. Seu mundo vem de outro sistema estelar, fugindo de uma guerra, mas agora eles esqueceram sua tecnologia avançada.

“The Tenth Planet” (1973), de Edmond Cooper, conta sobre Minerva o décimo planeta, onde a Humanidade se entoca em uma estrutura subterrânea, vivendo por milhares de anos com uma população estável sob uma ditadura benevolente; fugindo o desastre e colapso ambientais e de recursos na Terra.

Em “Lucifer’s Hammer” (1977), de Larry Niven e Jerry Pournelle, o cometa que ameaça a Terra teve sua órbita alterada pela presença de um planeta gigante não detectado. 

“Patrulha Estelar: o Cometa Império” (versões em 1978 e 2017) é uma obra de animação que apresenta um último planeta colonizado e com um sol artificial sendo atacado por invasores do Cometa Império.

“Camelot 3000” (1982-1985) é uma mini-série em quadrinhos escrita por Mike W. Barr e desenhada por Brian Bolland. Uma releitura do mito arturiano é feita no ano 3.000, quando uma invasão de alienígenas vindos do Planeta X ocorre, sob a batuta de Morgana LeFey. O Rei Artur finalmente desperta de seu sono convalescente e busca seus cavaleiros, reencarnados por aí, para derrotar a ameaça.

“Lifeburst” (1984), de Jack Williamson, contrasta uma Terra unida, capaz de instalar um anel habitacional ao seu redor, mas vivendo em uma ditadura com uma raça alienígena bem mais avançada, vivendo no OTNs pela Nuvem de Oort.

“Blindsight” (2006), de Peter Watts, fala de um cometa detectado enviando sinais de rádio para um corpo desconhecido pela Nuvem de Oort. O que a tripulação enviada para lá encontra levanta questionamentos entre inteligência e consciência, sendo uma obra filosófica.

Em “Saturn’s Children” (2008), de Charles Stross, um robô inteligente a serviço de uma organização clandestina viaja pelo sistema solar, com o clímax da história em Eris.


Aventura e mistérios no último planeta e além!

Tyche soa como uma versão mais modesta de Nêmese. Proposta em 1984, como explicação para um suposto ritmo dos eventos de extinção em massa no nosso planeta, a recorrência das extinções poderia se dever à aproximação a cada muitos milhões de anos de um corpo de forte gravidade, trazendo consigo material desde a Nuvem de Oort, material este que bombardearia a superfície de planetas próximos o bastante que o puxassem com sua gravidade. Este corpo forte seria uma estrela, a segunda do sistema solar, uma anã vermelha ou anão marrom. A mesma pesquisa que descartou Tyche também descartou Nêmese.

A pesquisa, entretanto, não detecta corpos do tamanho de Netuno para baixo, e especulações sobre uma “super-Terra” ainda estão em andamento. Pode ser que ainda haja um décimo nono planeta a ser descoberto no sistema solar – e sabe-se que histórias ainda serão contadas sobre ele.


… preocupado com as nossas probablidades? Tchã, tchã, tchã…

As Sextas de Sci-Fi continuam, mas a série sobre os Nossos Astros na Ficção Científica se encerra por aqui. Esperamos que tenham gostado de viajar tanto quanto curtimos pesquisar.

Luiz Felipe Vasques

01/07/2019

Links Externos (em inglês):

https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_hypothetical_Solar_System_objects
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Coluna do Astrônomo

Nossos Astros na Ficção Científica: As Estrelas do Firmamento

Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos de estrelas e constelações.


Órion, o Tucano e o Lavrador (fonte: Datasketch).

No céu noturno, a Lua sempre reinou sobre uma corte de inúmeras luzes que se tornavam familiares a cada geração, onde quer que o ser Humano vivesse. E na medida em que se tornavam familiares, uma suposta relação de causa e efeito foi observada, o que nos levou a imaginar por que. Em dado momento, demos nomes e personalidades às luzes no céu noturno, como sempre demos a qualquer coisa que avistássemos – ou ainda, que imaginássemos. E com os nomes e personalidades, as histórias.

Sabemos pela Arqueologia que os povos antigos também se miravam na posição de estrelas e constelações ao longo do ano para saber da troca das estações do ano, assim como a hora correta das etapas do ciclo anual da Agricultura, da semeadura à colheita e o descanso do solo. Tais estrelas, ou seus grupos, eram associados de acordo com a importância, e eram divididas e chamadas de formas diferentes, variando com a cultura que lhes desse nome. 

Tomemos, como exemplo, a ilustração acima: a partir da estrela que nós, na cultura Ocidental, chamamos de Betelgeuse, para nós ela também é a Alfa da constelação de Órion. Órion é o Caçador, irmão de Ártemis ou Diana, deusa da caça, pela mitologia greco-romana, elevado aos céus depois da morte. Mas os vizinhos dos gregos, os macedônios, empregavam-na para a constelação que chamavam Lavrador, enquanto que os nossos Tupis diziam que ela estava na versão celeste do pássaro Tucano*, pois no céu há uma versão de tudo o que há na terra, segundo a crença deles.

Apesar de algumas poucas e isoladas vozes na Antiguidade intuírem no caminho certo, o de que as estrelas não são pontos brilhantes em um mesmo plano colados no firmamento ou mesmo furos no escuro do céu, mas sóis assim como o nosso, com planetas girando ao seu redor e possivelmente cheios de gente, o consenso foi atrás de visões geocêntricas, de que o mundo que conhecíamos era o lugar mais importante de toda a Criação – por isso que tudo literalmente girava ao nosso redor.

Levou até o Século 16 para que Nicolau Copérnico propusesse o modelo heliocêntrico do sistema solar, possibilitando mais mentes a pensarem que as estrelas poderiam ser outros sóis, com planetas e seus próprios habitantes; e o primeiro deles foi Giordano Bruno em seu “Do Infinito, Universo e Mundos” (1584), que declarou que “Há então incontáveis sóis, e um número infinitos de terras ao redor desses sóis, [Esses mundos são habitados] se não exatamente como o nosso, se não até mais nobremente, decerto não menos habitado e não menos nobremente”. (em tradução nossa, do inglês). 

Ainda demoraria um tempo até as estrelas passarem a ser lembradas pela literatura, ao menos como sóis, potencialmente com planetas e seres dependendo deles. Quanto mais se descobria sobre o céu, mais intrigada ficava a imaginação humana.

Infelizmente, não temos espaço aqui para tratar de todas elas. Para fins práticos, focaremos as referências em algumas poucas das estrelas mais brilhantes do céu, o que por vezes quer dizer que elas são as alfas de suas constelações assim como as mais próximas de nosso sistema solar. A primeira delas, claro, sendo Alfa Centauro.

Alfa Centauro é o nome do sistema estelar mais próximo do Sol, distando 4,3 anos-luz de nós. É a pata direita da constelação do Centauro. Apesar de só observarmos uma estrela a olho nu, o sistema tem três estrelas: uma similar à nossa, chamada Alfa Centauro A, outra um pouco menor, girando ao redor da primária – Alfa Centauro B – e uma anã vermelha girando ao redor das duas, Alfa Centauro C, também mais conhecidamente Próxima Centauro (que, das três, é a mais próxima, mesmo, de nós: daí o nome). É tentador demais não imaginar as possibilidades de mundos habitados “logo ali”, no primeiro endereço depois do nosso, na vizinhança estelar. Nós a visitamos na Ficção Científica diversas vezes, pelas páginas e pelas telas: é o eterno destino da Família Robinson nas já três encarnações de “Perdidos no Espaço”, e James Cameron inaugurou a moderna era do cinema 3D em “Avatar” (2009), que conta sua história em Pandora, lua do gigante gasoso Polifemo, orbitando Alfa Centauri A.


Noites em Pandora.

“Proxima Centauri” (1935), de Murray Leinster, fala da primeira expedição da Terra até a estrela, apenas para descobrir que vida vegetal inteligente e carnívora existe, tem capacidade de voo espacial e considera os humanos uma exótica iguaria. Apesar da premissa típica de época, é curioso notar que o autor quis levar em conta a barreira da velocidade da luz, em uma época em que escritores optavam por ignorar isso, fazendo com que a expedição levasse 7 anos até seu destino.

“Far Centaurus” (1944), de A. E. van Vogt, fala de uma expedição até Alfa Centauro que dura 500 anos, partindo no Século 23, e seus tripulantes seguem hibernando mediante uma droga desenvolvida. Como se não bastassem os problemas na viagem, os tripulantes ao lá chegarem descobrem que a tecnologia avançou ao ponto de uma viagem como aquela durar apenas três horas, tornando-se estranhos em uma época que não é a sua. O conceito é interessante, tocando no ponto de, em caso de uma viagem interestelar, se vale a pena ir de uma vez ou aguardar um desdobramento da ciência que possibilite uma viagem mais rápida, porém daqui a algumas décadas ou mesmo séculos. O ideal/grande sonho sendo, claro, algum breakthough que envolva descobrir e desenvolver um meio de viajar a velocidades acima da luz – o que, para todos os fins práticos, é ser uma impossibilidade física.

“Os Clãs da Lua Alfa” (1964), de Philip K. Dick, apresenta Alfa III M2, uma lua habitada no gigante gasoso que é o terceiro planeta onde funciona um asilo psiquiátrico onde os descendentes dos pacientes originais geraram uma sociedade baseada em clãs, tendo as doenças como afinidades: os Paranoicos são a classe gerencial, Maníacos a força armada, Esquizoides são os poetas, etc.

“Sid Meier’s Alpha Centauri” (1999), Firaxis Games, é um video-game de estratégia se passando em Quíron, planeta ao redor da primária, onde colonos humanos se dividem facções após um atentado terrorista destruir a nave que os trouxe. Lá, eles encontram uma ecologia exótica, e que passa a se desenvolver rumo a consciência na medida em que as sociedades humanas progridem. Como fundo de história, é dito que Quíron possui duas luas: Nesso e Folo, sendo o segundo na órbita a partir de Afa Centauro A, antecedido por Eurítion, na primeira órbita – todos, nomes de centauros. Alfa Centauro B é alcunhada Hércules, o matador de centauros, pois coloca-se que a presença da segunda estrela evitou a formação de mais planetas gigantes.


A trilogia de Cixin Liu, em breve nos cinemas.

“O Problema dos Três Corpos” (2006), de Cixin Liu, é a respeito de uma civilização vivendo em condições precárias devido à instabilidade orbital do único planeta, seu lar, vítima de três estrelas girando de modo imprevisível uma ao redor da outra (o que é contrafatual, já que o sistema triplo de Alfa Centauro é um sistema estável de papéis bem definidos). É o primeiro de uma trilogia, e a história deverá ser adaptada para o cinema em breve.


Alfa Centauro A, Alfa Centauro B, Próxima Centauro e o Sol, em comparação de tamanho.

Sabe-se, hoje em dia, que um planeta orbita Próxima Centauro no que poderia ser a distância ideal para a água, caso haja, permanecer em estado líquido. Mas ela é uma estrela muito ativa, irradiando demais sua vizinhança, o que diminui as chances de ter ou abrigar vida como a nossa. As demais estrelas do sistema estão sem planetas ou confirmações até agora.

Aldebarã é a Alfa da constelação do Touro, uma gigante vermelha a 65 anos-luz de nós, seu nome deriva de um termo em árabe que significa “O Seguidor”, pois ela parece seguir as Plêiades.

Em “Guerra Sem Fim” (1974), de John Haldeman, o conflito é contra invasores de Aldebaran, mais simplesmente chamados Tauranos.

“Legend of the Galactic Heroes” (1982-1987), a wagneriana space opera de Yoshiki Tanaka, também adaptada para mangá e anime; é contado que o centro do governo da Federação Galáctica é em Theoria, ao redor de Aldebarã, após décadas de luta contra a opressão da Terra e antes da vinda do Império Galactico.

“Aldebarã” (1994-1998) é uma série em quadrinhos do brasileiro Luiz Eduardo de Oliveira, o Léo. Aldebarã IV é um mundo tropical onde se passam as histórias, colonizado pela Humanidade. Após a impossibilidade de se comunicar com a Terra, a sociedade lá se torna ditatorial.


Guerra Sem Fim, Legend of the Galactic Heroes e Aldebarã – A Catástrofe

Sabe-se hoje em dia que Aldebarã tem um planeta orbitando com quase 6 vezes a massa de Júpiter.

Altair é a Alfa da constelação da Águia, distando a 16,7 anos-luz de nós. O nome Altair vem do árabe para “A Águia Voadora”. Ela é uma estrela branca, mais jovem e um pouco maior do que o Sol.

O clássico “O Planeta Proibido” (1956), dirigido por Fred M. Wilcox e baseado na peça “A Tempestade”, de W. Shakespeare; passa-se no planeta Altair IV, onde uma expedição chega para descobrir o paradeiro da expedição anterior, desaparecida, 20 anos antes. Lá descobrem estar vivo um cientista da expedição original e sua jovem filha – empenhados na pesquisa da civilização original daquele planeta, que sumiu após tentar atingir o próximo passo em sua Evolução. É um dos melhores filmes do período.

“Close to Critical” (1964), de Hal Clement, passa-se em Tenebra, mundo ao redor de Altair descrito como infernal em temperatura ambiente e gravidade. Quando dois astronautas naufragam em sua superfície, os nativos ajudam a escaparem para o espaço. A obra se destaca pela criação do planeta infernal, tido como uma marca do autor.

“The Winds of Altair” (1983), de Ben Bova, fala de uma missão de reconhecimento e terraformação de Altair VI, um jovem mundo, para receber os milhões de seres humanos que sofrem com a escassez de recursos e o envelhecimento da própria Terra.

Apesar de haver uma característica física no formato de Altair que pode sugerir a presença de planetas, na verdade nada evidencia que haja um sequer ao seu redor.

Deneb é uma supergigante azul cem vezes o diâmetro do Sol, é a Alfa da constelação do Cisne. Ela se localiza a 2.620 anos-luz de nós, o que quer dizer que a luz que dela recebemos (e vice-versa) hoje partiu por volta de quando os Jardins Suspensos da Babilônia estavam sendo construídos por Nabucodonosor.

“Piquenique na Estrada” (1972), dos Irmãos Strugatsky, gerou o filme “Stalker” (1979), dirigido por Andrei Tarkovsky e com roteiro deles. Alienígenas – supostamente – de Deneb visitam a Terra em seis zonas diferentes por dois dias, ausentando-se e deixando para trás fenômenos incompreensíveis à nossa compreensão.

“Stellaris: Infinte Frontiers” (2016), por Steven Saville, é baseado na franquia de games “Stellaris”, descreve um mundo em Deneb como a capital do “Commonwealth of Man”.

“Onde Nenhum Homem Jamais Esteve” (1966), “Eu, Mudd” (1967) e “Encontro em Farpoint” (1987) foram episódios da “Star Trek” original e Nova Geração, onde Deneb e seus mundos eram citados ou a ação transcorria.


Capas de obras figurando Deneb e uma comparação de tamanho com nosso Sol.

Planetas ao redor de Deneb, até agora, existem somente na Ficção Científica.

Eridano é a constelação do grande rio, e sua estrela Epsilon é alvo de bastante especulação. Epsilon Eridani se localiza a atraentes 10,5 anos-luz, e bem mais jovem do que nosso sol, menor e um pouco menos brilhante.

Na franquia “Star Trek”, em fontes enviesadas originais, Epsilon Eridani foi proposta como a estrela do planeta Vulcano, mas hoje em dia convenciona-se que ela abrigue Axanar. Vulcano foi orbitar ao redor de 40 Eridani A.

“Babylon 5” (1994-1999) situa a estação espacial-título ao redor de “Epsilon III”. Não bastasse todas as tramas que passam no espaço, dado momento é revelado que o planeta, inóspito, abriga em suas profundezas uma máquina gigantesca, construída em tempos idos.

“Shivering World” (1991), por Kathy Tyers, conta de um mundo terraformado chamado Goddard ao redor de Epsilon Eridani, para onde muitos fogem da ruína ecológica que se tornou a Terra.

“Eridani Resurrection”, (2018) por J.K. Phillips, descreve Epsilon Eridani como tendo 11 planetas, o quarto habitado por alienígenas locais. O planeta é visitado por uma nave militar norte-americana devido a interesses do país em uma fonte de combustível local – e paralelos com a religião nativa que se assemelham aos eventos dos Evangelhos.


Babylon 5 ao redor de um planeta fictício em Epsilon Eridani. Na comparação, ela e o Sol.

Sabe-se que um disco de resíduos e um gigante gasoso se apresentam ao seu redor. Epsilon Eridani e seu planeta em anos recentes ganharam, por concurso da União Astronômica Internacional, os nomes de divindades germânicas Rán e Ægir, ligadas aos mares.

Fomalhaut é a Alfa da constelação do Peixe Austral, a 25 anos-luz de nós. É uma estrela branca, um pouco maior do que o Sol e bem mais jovem. Tem duas companheiras, uma anã vermelha e uma anã laranja. Respondem por Fomalhaut A, B e C.

Ela aparece em algumas histórias do Mythos Lovecraftiano, o lar de deidades terríveis e impronunciáveis, por autores como August Derleth e Lin Carter. 

“The Dead Lady of Clown Town” (1964), de Cordwainer Smith, conta como em Fomalhaut III o martírio de uma “subpessoa” inícia um movimento de defesa de direitos civis pela galáxia.

“O Mundo de Rocannon” (1966), de Ursula K. LeGuin. Aqui, Rokanan é o segundo mundo distando de sua estrela, e é lar para duas espécies e quatro subespécies de criaturas sencientes de vários níveis tecnológicos diferentes, Rocannon sendo o nome para um dos grupos.

Fomalhaut surge em algumas obras de Philip K. Dick: “The Unteleported Man” (1966), “A Invasão Divina” (1981), Radio Free Albemuth (1985), “Chains of Air, Webs of Ether” (1987)


Fomalhaut na ficção científica de LeGuin e K. Dick.

Na vida real, um planeta foi detectado ao redor em 2008 e confirmado em 2012 pelo telescópio espacial Hubble. É um gigante gasoso, levando 1.700 anos para girar ao redor da primária. Fomalhaut b é como foi chamado inicialmente, mas uma consulta popular promovida pela União Astronômica Internacional (à maneira de Epsilon Eridani e seu planeta) escolheu Dagon, um antigo deus semita ligado à fertilidade e agricultura, na forma de um tritão: homem da cintura para cima, com uma cauda de peixe da cintura para baixo…

… lovecraftianos, é claro, sabem mais do que isso.

Sirius é a mais brilhante estrela nos céus noturnos, a 8,6 anos-luz de nós. É uma estrela branca com duas vezes a massa do Sol e é 25 vezes mais brilhante. É a Alfa do Cão Maior. Tem uma companheira, Sirius B, uma anã branca do tamanho da Terra, e provavelmente uma terceira estrela, anã, mas ainda não confirmada.

“The Struggle for Empire: A Story of the Year 2236” (1900), por Robert William Cole, é uma das primeiras space operas. Por vezes é creditado como a primeira obra que introduziu o conceito de impérios galácticos, viagens interestelares a altíssimas velocidades e frotas espaciais engajadas em combate. O Império Britânico conquistou o resto da Terra e se lançou ao espaço, e encontrou no império alienígena baseado em um planeta chamado Kairet, ao redor de Sírius.

“Seed of Light” (1959), de Edmund Cooper. O romance fala da viagem de uma nave de gerações para o sistema de Sirius.

Não o há que evidencie, até hoje, planetas ao redor de Sirius ou de sua companheira.

Tau Ceti está a quase 12 anos-luz de nós, é menor do que o Sol e emite quase metade de seu brilho. 

“Viagens Interplanetarias” (1949-1991), série de L. Sprague de Camp, coloca um sistema estelar em Tau Ceti com 3 planetas habitados: Krishna, Vishnu e Ganesha. As histórias de Krishna se passam após o primeiro contato entre nossa espécie e raças pré-tecnológicas locais, que agora têm que sobreviver à novidade.

“As Cavernas de Aço” (1954), de Isaac Asimov, e em outras de suas obras, colocam Tau Ceti como sendo lar do primeiro exoplaneta colonizado pela Humanidade, Aurora.

“Os Despossuídos” (1974), de Ursula K. LeGuin, conta da política conflituosa das nações no planeta binário Urras-Anares.


Tau Ceti em livros e nos role-playing games: a obra de deCamp ganhou um módulo de GURPS.

As semelhanças entre Tau Ceti e o Sol incluem a possibilidade de planetas semelhantes ao nosso. Há indícios de que cinco planetas rochosos, mais maciços do que a Terra, podem orbitá-la, e dois deles na distância ideal para abrigar vida como a nossa.

Vega é a Alfa de Lira, distando a pouco mais de 25 anos-luz de nós. Tem a cor azul-esbranquiçada, tem 2,5 vezes o tamanho do Sol e é 40 vezes mais luminosa. Devido à rápida rotação, ela tem um aspecto abaulado na altura de seu equador. É ainda bem jovem, de estimados 400 milhões de anos.

“City at World’s End” (1951), por Edmond Hamilton, conta que o mundo de Vega IV é o centro da administração galáctica. A história é sobre uma cidade e seus habitantes, arremessados por uma explosão nuclear para o distante futuro da Terra.

Na maxi-série alemã “Perry Rhodan”, Vega é descrita como tendo 42 planetas, cenário de batalhas contra os alienígenas reptilóides chamados Tópsidas. Uma raça nativa vive no oitavo planeta.

Na “Saga dos Príncipes Demônios” (1964-1981) de Jack Vance, além da Terra, Vega e Rigel são os centros da civilização humana. Vega possui seis planetas, sendo 3 habitáveis.

“Contato” (1985), de Carl Sagan, localiza em Vega a fonte dos sinais alienígenas que possibilitarão construir uma máquina que gere buracos de verme. Um filme com Jodie Foster foi feito em 1997.


Vega e o Sol.

Vega é a estrela a qual um disco de resíduos pôde ser observado pela primeira vez em 1984. Especula-se que haja um planeta gigante em sua órbita, mas devido ao disco e à pouca idade, é pouco provável que haja um planeta formado com biologia complexa. 

Das constelações em si, é um pouco difícil pensá-las como um só lugar. Vendo em nosso céu noturno, na ponta das patas dianteiras do Centauro são as estrelas Alfa e Beta da constelação: vizinhas aos nossos olhos. Mas a verdade é que, se Alfa está a 4,3 anos-luz, Beta dista de nós cerca de 390 anos-luz. Ou seja, constelações são desenhos arbitrados que só funcionam à distância. Na Ficção Científica, a franquia “StarGate” as utilizou como um sistema de coordenadas para os “portais estelares” do título, uma rede de portais gerando buracos de verme construída e semeada por uma raça alienígena muito antiga e avançada pela galáxia, com desenhos de constelações ativados em dada ordem para o determinado portal de destino ser conectado.


As constelações de um StarGate, reconstruído por fãs.

Normalmente, daríamos por encerrado esta série dos Nossos Astros na Ficção Científica: do Sol e da Lua até cada um dos planetas, asteroides e estrelas observados da Terra; afinal, o que ainda faltaria cobrir?

Tudo o que ainda foi imaginado.

* Não confundir com a constelação do Tucano, como estabelecida no período das Grandes Navegações e utilizada na cartografia atual.

Luiz Felipe Vasques

01/07/2019

Links Externos (em inglês):

O Datasketch é um ótimo site interativo, comparando o desenho de constelações entre várias culturas.

http://www.datasketch.es/may/code/nadieh/
https://en.wikipedia.org/wiki/Alpha_Centauri_in_fiction
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Nossos Astros na Ficção Científica: Asteroides e Cometas

Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos de asteroides e cometas.


Eros, Pallas e Ceres: prêmios de consolação.

Segundo as hipóteses e simulações mais recentes e acuradas, o processo de formação de um sistema como o solar envolve uma massa primordial de matéria que vai se aglutinando em dados pontos de concentração pela força da gravidade, distribuindo-se em um assim chamado disco de acreção. O ponto maior envolverá tanta matéria que iniciará um processo de fusão atômica, dando ignição a uma ou mais estrelas. Pontos de menor concentração de matéria se tornarão astros bem menores que irão se solidificar em uma forma redonda também pela força da gravidade, que serão os planetas – e mesmo planetas-anões e algumas luas maiores. 

E pontos de menor concentração ainda darão origem a corpos que esfriarão rápido demais antes de sua gravidade lhes dar uma forma redonda, solidificando-se em pequenos astros irregulares: asteroides e cometas. Por assim dizer, eles são os restos do material de construção do sistema solar. Dado às suas órbitas ditas excêntricas, por vezes eles se aproximam bastante do Sol, vindo das profundezas do sistema solar, para depois lá retornar, sumindo de vista por um bom tempo. E se, nessa aproximação do Sol, o corpo tiver uma boa parcela de água congelada em suas proporções, na verdade agregando poeira em sua composição, o calor irá derreter e evaporar a água, a força do vento solar gerará coma e cauda, e assim ele será chamado de cometa.


Anatomia de um cometa.

E estrelas cadentes, meteoros e meteoritos?

Vamos para mais definições. Um meteoro avistado queimando pela atmosfera é, como indica na verdade o nome, um fenômeno meteorológico: trata-se apenas de um asteroide ou cometa (ou ainda um pequeno pedaço de rocha ou poeira) que foi atraído pela força da gravidade de um planeta e que, ao brilhar céus abaixo graças ao atrito com uma atmosfera densa o bastante (ou seja, condições como as da Terra), produz um efeito de luz (daí: estrela cadente) e, em alguns casos, um efeito físico como uma cratera de impacto no solo. Se o núcleo do objeto sobreviver, a isto se chamará meteorito.


Crateras de impacto Barringer (Terra), Tycho (Lua) e Korolev (Marte).

Nunca deixaram de ser imaginados pelo ser Humano. Devido aos avistamentos irregulares eram sempre sinônimos de algum presságio, em geral não muito bons, de algo que estaria por vir. 

Em tempos realmente mais antigos – na ordem de dezenas, centenas de milhões de anos e até mais – isto poderia ser mais verdade. Havia consideravelmente mais objetos em órbita do Sol, e a chance de alguma colisão era mais elevada: basta citar o impacto de há 65 milhões de anos na Terra que causou uma extinção em massa, acabando com o reinado dos dinossauros; ou reparar na superfície da própria Lua, nossa fiel escudeira, desprotegida de uma atmosfera espessa como a nossa. E mesmo nossa superfície, apesar das forças de erosão, consegue ainda apresentar sinais de impactos.

Somente com o avanço da ciência que se pôde concluir que, no final, estava-se falando de variantes de um mesmo fenômeno: a matéria existente orbitando ao redor do Sol, que formou corpos em diversos tamanhos e composições.

Eles podem ser encontrados em quase todos os lugares do sistema solar, dentre os quais destaca-se o cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter, o Cinturão de Kuiper e a Nuvem de Oort.

O cinturão de asteroides é um velho conhecido, primeiramente com Ceres – o maior corpo local, ao ponto de agora ser considerado um “planeta-anão” – descoberto em 1801. A descoberta de muito mais outros asteroides levou a crer que poderia haver um planeta um dia por lá, mas isto caiu de moda após se medir que, juntos, os asteroides ali somariam um corpo bem menos maciço que a nossa própria Lua. O Cinturão de Kuiper é lar dos ditos objetos transnetunianos: corpos além do planeta Netuno, considerado hoje em dia como o planeta mais longínquo do Sol, entre uma distância de 30 a 50 unidades astronômicas (1ua = 150 milhões de km, que é a distância média da Terra ao Sol). E se isso já é longe, a Nuvem de Oort – se for confirmada a existência –, preenchida por material disperso pelos planetas gigantes do sistema solar desde o início da evolução de nosso sistema; dista entre 2 mil e 5 mil ua. Estas vastas e longínquas regiões do espaço seriam o lar de bilhões de potenciais cometas, com órbitas que duram milhares e milhares de anos.

A Ficção Científica trata de asteroides e cometas desde o Século 19. Desde então, certos temas se mostram recorrentes, a respeito de asteroides: perigos para a navegação espacial, um lugar para seres humanos enriquecerem através da exploração de seus recursos, um novo lar ou mesmo uma nova sociedade e, por último, destruição por impacto, terrível o suficiente para repetir conosco o que ocorreu com os dinossauros. A respeito de cometas, não se comportou muito diferente, especialmente por causa de sua visibilidade a olhos nus, sempre assombro e admiração. Um velho conhecido nosso é o Cometa de Halley, cuja órbita permite, a cada 76 anos, que possa ser contemplado. Seu avistamento é conhecido desde pelo menos 240 a.C., sendo visto das últimas vezes em 1910 e 1986, em uma aparição impressionante e outra frustrante, respectivamente. A próxima deverá ocorrer em 2061.


Em ordem de tamanho decrescente: Terra, Lua e Ceres (esq.); Ceres, Vesta e Eros (dir.).

“The Year 4338: Petersburg Letters” (1835), por Vladimir Odoevsky, é baseado no impacto que se acreditava poder ocorrer com o Cometa Biela, cuja coma passaria pela Terra, não tivesse se desintegrado antes. Mas alguma sensação popular ocorreu, através da mídia de época. A história se passa um ano antes do ano computado (em 1820) para a interceptação da órbita por Biela ocorrer. Esta é a terceira parte de uma trilogia, cuja primeira parte nunca foi escrita e a segunda, apenas fragmentos.

De 1839, “The Conversation of Eiros and Charmion”, por Edgar A. Poe, conta a conversa entre dois mortos sobre a passagem de um cometa novo bem próximo à Terra, ao ponto de roubar da atmosfera o nitrogênio, deixando oxigênio em estado puro, levando pessoas a uma euforia sem limites, e explodindo em chamas quando o cometa impacta. Na época, Poe capitalizava em cima de escritos recentes, de teor apocalíptico, na moda, assim como da descoberta de cometas e o medo que eles ainda faziam sentir.

Não é de se surpreender que Júlio Verne fosse um dos primeiros a tocar no assunto. Em “Heitor Servadac” (1877), o personagem-título e seus companheiros de infortúnio são arrebatados por um cometa chamado Gália, que raspa pela Terra e leva junto também atmosfera respirável e recursos o suficiente para manter seus passageiros vivos. Gália percorre sua órbita, possibilitando umas visitas próximas dos planetas do sistema solar, e ainda a captura um asteroide fictício de nome Nerina (60 anos mais tarde um novo asteroide observado foi assim batizado pelo seu descobridor).

“Le fin du Monde” (1894), de Camille Flammarion, descreve o impacto contra a Terra por um cometa no século 24.


Cometa Levi-Shoemaker 9 e as manchas do impacto em Júpiter (1994): ainda não estamos seguros.

“Edison’s Conquest of Mars” (1898) foi uma série escrita pelo astrônomo americano Garrett P. Serviss, onde consta um asteroide com ouro sendo minerado por marcianos – e invadido por uma frota de espaçonaves da Terra, a caminho de atacar Marte. Ceres é ainda mencionado, com alienígenas nativos em guerra com os marcianos.

“Os Dias do Cometa” (1906), de H. G. Wells, conta da transformação da noite para o dia quando um cometa desconhecido desintegra-se na atmosfera da Terra, e sua composição ao se fundir à atmosfera renova e altera o ser Humano para uma versão melhor de si mesmo, construindo uma utopia universal. O livro, por sua defesa à ideia de relacionamentos poliamorosos, foi um escândalo para a sociedade na época.

Em “Our Distant Cousins” (1929), conto de Lord Dunsany, após retornar de Marte, o protagonista erra na navegação e para no asteroide Eros. Lá existe vida e é tudo minúsculo, devido à baixíssima gravidade do astro. Ele traz um pequeno elefante voador em uma caixa de fósforos para a Terra, mas acaba escapando.

A noveleta de A. Bertram Chandler “Raiders of the Solar Frontier” (1950) fala de Ceres como um planeta-prisão.

“Explorando a Lua” (1952), por Hergé, é um álbum de quadrinhos de Tintim, e a passagem do asteroide 2101 Adonis inadvertidamente acaba levando o Capitão Haddock embora, como seu próprio satélite. 


Ceres, Vesta e Eros e livros onde são retratados.

“Os Anéis de Saturno” (1958) é o sexto e último livro da série juvenil de “Lucky Starr”, de Isaac Asimov; e nele o asteroide Vesta é palco de uma conferência de paz interestelar.

Em “Captive Universe” (1969), de Harry Harrison, Eros é escavado oco para se tornar uma nave de gerações, cenário onde se desenrola a história.

“Encontro com Rama” (1972), de Arthur C. Clarke, começa com o real desenvolvimento da era espacial da Humanidade após o impacto de um asteroide no norte da Itália, destruindo Pádua, Verona e Veneza, em um prejuízo de milhões e milhões de dólares, de vidas e incalculável em termos de tesouros culturais perdidos. Após isto, uma ‘guarda espacial’ é montada, para mapear e deter asteroides potencialmente perigosos.

Sobre um impacto na Terra em si, histórias não faltam: “Lucifer’s Hammer” (1977), por Jerry Pournelle and Larry Niven; “The Hermes Fall” (1978), por John Baxter; “Shiva Descending” (1980), por Gregory Benford e William Rotsler; e “Thor’s Hammer” (1983) por Wynne Whiteford parecem refletir uma tendência de época. Mesmo Clarke volta ao tema, dessa vez nele focalizando, em “O Martelo de Deus” (1993).


Armageddon (1998), Meteoro (1979) e Impacto Profundo (1998).

O cinema-catástrofe se fez com promessas do apocalipse vindo do céu: “Meteoro” (1979), “Impacto Profundo” (1998) e “Armageddon” (1998) são exemplos mais evidentes. O primeiro chega a levar a Guerra Fria para a história, quando EUA e a então URSS precisam usar dois satélites ilegais cheios de mísseis nucleares para detonarem, juntos, a ameaça do asteroide Orfeu, em curso de colisão com a Terra. Os outros dois estrearam com a diferença de dois meses entre um e outro, e apesar de o mote ser o mesmo, a aproximação do tema foi bastante diferente. O primeiro acaba sendo uma história sobre reconciliação pessoal às vésperas do Juízo Final, enquanto o segundo foi uma aventura descerebrada e divertidíssima para evitar o Fim do Mundo.

A psicologia da população colonizadora dos asteroides é explorada em “Protector” (1973), de Larry Niven.

“The Way” (1985 – 1986), de Greg Bear, é uma série de romances que, entre outras coisas, inclui o uso do asteroide Juno como nave geracional para a estrela Epsilon Eridani.

Em “Schismatrix” (1985), de Bruce Sterling, Ceres Datacom News é uma entidade quasi-nacional pondo em rede as comunicações dos habitantes ciberneticamente aumentados dos asteroides.

Do mesmo ano, “O Jogo do Exterminador”, de Orson Scott Card, coloca Eros como um antigo posto avançado dos invasores Formics, reconquistado pelos humanos posteriormente. Com gravidade artificial implementada pelos invasores, a Escola de Combate lá foi implementada.

“The Doomsday Effect” (1986), de Thomas Wren, fala de Ceres sendo usado para capturar um pequeno buraco negro que lentamente devorava a Terra.

Em “Heart of the Comet” (1986), de Gregory Benford e David Brin, uma equipe internacional coloniza o interior do Cometa de Halley, construindo um habitat dentro do gelo.

“2061 – Uma Odisseia no Espaço III” (1987), de Clarke, na primeira parte do livro descreve o retorno do Cometa de Halley (sua última passagem por nós sendo em 1986) visitado pela espaçonave Universo, onde os astronautas pousam no cometa e fazem um pouco de exploração. A água do Halley é utilizada para reabastecer a nave, quando eles partem em uma missão de resgate na segunda parte do livro.

“Buying Time” (1989), de Joe Haldeman, fala de uma sociedade sem Estado em Ceres.

“Asteroid Wars” (2001-2007), de Ben Bova, conta como corporações guerreiam no cinturão de asteroides para controlar os mesmos.

Mais conhecida pela adaptação pelo Netflix, a série de James S.A. Corey “The Expanse” talvez tenha melhor explorado Ceres e a posição geopolítica (astropolítica?) dos asteroides em um sistema solar colonizado e em conflito. Aqui, Ceres é a maior colônia do sistema solar, com 6 milhões de pessoas. Sua rotação foi aumentada artificialmente, para dar a seus habitantes um mínimo de gravidade artificial. Seus habitantes, como consequência, são mais altos e esguios do que os humanos da Terra. No Brasil, o primeiro livro da série já foi lançado, “Leviatã Desperta” (2011). 

“Higher Reality” (2015), por Alexander Janzer, conta como Ceres no ano de 2177 é o lar de 30.000 pessoas vivendo em edifícios que giram magneticamente para dar às pessoas um efeito de gravidade.

Do mesmo ano, “Seveneves”, por Neal Stephenson, inclui a captura e deslocamento do asteroide 113 Amalthea para órbita da Terra, onde passa a agir como escudo protetor da Estação Espacial Internacional.


… e se você se lembra disso, é porque está ficando velho.

A jornada através de nossos astros na ficção científica se aproxima do fim. Semana que vem iremos além das fronteiras do sistema solar.

Luiz Felipe Vasques

25/06/2019

Links Externos (em inglês):

https://en.wikipedia.org/wiki/Asteroids_in_fictionhttps://en.wikipedia.org/wiki/Comets_in_fiction
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Conan Doyle, autor de Ficção Científica

O colunista convidado de hoje é o jornalista e escritor de ficção científica Carlos Orsi. Orsi trabalha com divulgação científica, sendo o editor da revista online Questão de Ciência. Ele nos escreve a respeito de Arthur Conan Doyle, que dia 25 de maio último teria feito 160 anos de idade. O criador do célebre personagem Sherlock Holmes também escreveu o que seria classificável como ficção científica, e é sobre isso que Martinho discorre. Pessoalmente, eu acho que a ideia da elaboração de um método científico na investigação de cena de crime, proposta nos escritos de Sherlock Holmes e que mudaram a investigação na vida real, já qualificaria uma espécie de “lugar de honra” das histórias do Detetive dentro do gênero.

Semana que vem, voltamos com o tema de Nossos Astros na Ficção Científica.


Arthur Conan Doyle, ladeado por famosas interpretações do Detetive.

Conan Doyle, autor de Ficção Científica

O escritor britânico Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930) é mais lembrado hoje pela criação do mais famoso detetive da ficção, Sherlock Holmes, cujas aventuras escreveu e publicou ao longo de um período de 40 anos, de 1887 (o romance “Um Estudo em Vermelho”) a 1927 (o conto “O Velho Solar de Shoscombe”). Nesse mesmo período, no entanto, ele também se dedicou a diversos outros gêneros literários – aventura histórica, terror e, assim como seu contemporâneo nas letras inglesas HG Wells, ficção científica.

Do mesmo que Wells e diferentemente de outro pioneiro do gênero no século 19, o francês Jules Verne, em Conan Doyle a ciência, enquanto alimento para ficção, tinha muito mais a obrigação de impulsionar a aventura e de, eventualmente, estimular a reflexão social e existencial do que de estar correta ou servir a algum fim didático.

Sua obra mais conhecida no gênero, o romance “O Mundo Perdido”, sobre a descoberta de dinossauros vivos na Amazônia brasileira, funciona muito mais como aventura e comédia de costumes (fora a deliciosa caricatura dos “sábios cientistas” da época, presente nas figuras do Professor Challenger e sua nêmese, Professor Sumerlee, o jovem narrador, o Mallone, embarca na aventura para provar à noiva que é um pretendente digno, mas as coisas não saem exatamente como ele esperava) do que como aula de paleontologia, ainda que paleontologia vitoriana. O contraste com as longas digressões sobre a classificação científica da vida marinha, em “Vinte Mil Léguas Submarinas”, de Verne, é gritante.


Professor Challenger: em desenho (1913), por Wallace Berry (1925) e por Bob Hoskins (2001).

Em sua introdução a “The Best Science Fiction of Arthur Conan Doyle”, o crítico George Slusser aponta que, em Conan Doyle, a ciência tende sempre a abrir portas para a selvageria ou o passado. Isso é verdade em “O Mundo Perdido” e também na única aventura de Sherlock Holmes que pode ser classificada, de modo inequívoco, como ficção científica.

Embora, às vezes, “A Aventura do Pé do Diabo” seja incluída no gênero, sua única inovação científica – um veneno inexistente no mundo real – me parece um argumento fraco demais. Se o apelo a seres naturais inexistentes bastasse, “A Aventura da Faixa Malhada”, como sua “áspide dos pântanos” (uma serpente que bebe leite!) também deveria entrar na lista.

Em contraste, “A Aventura do Homem que Andava de Rastros” tem todas as marcas da ficção científica: neste conto, um cientista idoso recorre a uma espécie de Viagra avant-la-letre para não desapontar a noiva muito mais nova. Infelizmente, a droga, feita à base de hormônios de macacos, tem efeitos colaterais trágicos. O conto termina com Holmes enunciando uma pequena lição de moral: o ser humano, ao usar a ciência para se erguer acima da natureza, corre o risco e cair abaixo dela.

Essa ideia da ciência como algo que liberta atavismos insuspeitos e constrói pontes não para o futuro, mas para um passado que seria melhor deixar quieto, faz de Conan Doyle uma espécie de precursor de H.P. Lovecraft, com seus horrores cósmicos e ancestralidades insuspeitas. Isso fica bem evidente no conto “O Horror das Alturas”, publicado em 1913, em que o esforço dos aviadores em ascender a camadas cada vez mais elevadas da atmosfera revela a existência de uma ecologia hostil acima das nuvens.

“O Mundo Perdido” não é a única aventura do Professor Challenger, que aparece ainda em dois contos e mais dois romances. Os contos são interessantes: um deles, “Quando o Mundo Gritou”, explora a ideia de que o planeta é um enorme organismo – e que a tecnologia humana finalmente tornou-se potente o bastante para infligir dor à própria Terra. Já os romances envelheceram mal.

Um deles, “O Veneno Cósmico”, já era anacrônico para a época em que foi escrito: publicado em 1913, trata da passagem da Terra por uma zona de “éter venenoso”. A existência do éter, uma substância misteriosa que preencheria o espaço normalmente tido como vazio, havia sido descartada pela comunidade científica após a publicação da primeira versão da Teoria da Relatividade por Albert Einstein, em 1905. O outro, “A Terra da Bruma”, é uma peça de propaganda do espiritismo, religião a que Conan Doyle se converteu após a Primeira Guerra Mundial.

Essa virada rumo ao espiritual fica ainda mais clara no romance “A Cidade Submarina”, de 1929, em que a descoberta de uma Atlântida submersa, mas ainda habitada, abre caminho para uma aventura que culmina em manifestações heroicas de mediunidade e o embate de espíritos ancestrais.

Doutor Maracot, o cientista que lidera a expedição responsável por descobrir os atlantes, torna-se o médium que permite que o espírito do herói Warda volte a se manifestar no mundo dos vivos. Ao final do romance, o homem de ciência exclama: “Que isso tenha acontecido comigo! Um materialista, um homem tão imerso na matéria que o invisível não existia na minha filosofia. As teorias de uma vida inteira desabaram ao meu redor”.


Capas da Ficção Científica de Arthur Conan Doyle.

Isto é, claro, exatamente o que Conan Doyle ansiava ouvir dos cientistas que punham em descrédito as “provas” de vida após a morte oferecidas pelo espiritualismo da época. Curiosamente, Sherlock Holmes jamais passou por tal conversão: nas quatro décadas em que criou aventuras para o Grande Detetive, Conan Doyle jamais produziu uma em que fenômenos sobrenaturais ou paranormais fossem validados. Mas se seu detetive se manteve cético até o fim, seus cientistas abraçaram a credulidade.

Carlos Orsi

(recebido em) 01/06/2019

Carlos Orsi é escritor e jornalista, com vários livros de ficção científica e contos de mistério publicados. Foi o primeiro brasileiro a ter um artigo aceito pelo Baker Street Journal, a principal publicação de estudos sobre Sherlock Holmes. Atualmente edita a revista online Questão de Ciência: http://www.revistaquestaodeciencia.com.br

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Nossos Astros na Ficção Científica: Urano, Netuno e Plutão


Urano, Netuno e Plutão.

Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos de Urano, Netuno e Plutão.

Dado o relativo baixo volume de obras a respeito dos dois últimos planetas externos e de Plutão, preferimos por um artigo mais recheado hoje. Comecemos por Urano.

Urano – e nem os outros dois mundos – não passou pela especulação dos povos antigos, nem figurou em alguma sátira ou outro comentário durante o fim do paganismo e o estabelecimento da Era Cristã. Isto porque, de Urano em diante, o que fosse descoberto só o seria por telescópios poderosos o bastante para vê-los, em vez da observação a olho nu que sempre nos revelou de Mercúrio a Saturno. Quando Urano foi descoberto, em 13 de Março de 1781 por Sir William Herschel – o mesmo que fez importantes descobertas em Saturno –, na verdade o que ele fez foi confirmar avistamentos anteriores por telescópio que, graças à baixa luz refletida do planeta devido à distância do Sol, além de características de sua órbita, nunca se conseguia realmente firmar se o que era visto era um cometa ou o quê.

De imediato, o planeta recém-descoberto ficou sem um consenso para o nome (Herschel quis homenagear seu patrono, o Rei George III da Inglaterra, chamando-o Georgium Sidus – a Estrela de George, mas as demais nações tinham objeções compreensíveis quanto a isso), até que Johann Elert Bode propôs em 1782 o nome do titã Urano, ficando então na sequência a partir do Sol: Marte, (filho de) Júpiter, (filho de) Saturno, (filho de) Urano, assim observando tanto genealogia quanto temática mitológica.

Ao redor do mundo, outras culturas deram nomes próprios ao 7o planeta: exemplos constituem  “Estrela de Urano” ou “Estrela da Morte” na Tailândia, “Estrela Rei do Céu” (China, Japão, Coreia e Vietnã) e “Hele‘ekala” no idioma havaiano, em um neologismo derivado do nome de Herschel.

Urano é um planeta como os demais gigantes gasosos, de diversas luas (27 conhecidas, 5 grandes), magnetosfera e mesmo um sistema de anéis – porém mais escuros e menores do que os de Saturno. Seu diâmetro é 4 vezes o da Terra e sua gravidade equivalente a 0,886 da nossa. Seu dia é de pouco mais de 17 horas e o ano equivale a 84 dos nossos. Tem uma inclinação de eixo bastante acentuada, com quase 98o em relação à elíptica, deixando seus polos onde os planetas normalmente têm suas zonas equatoriais, cada um deles alternando entre dias e noites de 42 anos.

Na Ficção Especulativa, a primeira citação literária cabe a um autor anônimo que assina como “Mr. Vivenair”, escrevendo “A Journey Lately Performed Through the Air in an Aerostatic Globe, Commonly Called an Air Balloon, From This Terraquaeous Globe to the Newly Discovered Planet, Georgium Sidus” em 1784, apenas 3 anos depois da descoberta do planeta e ainda com o nome dado por Herschel.

Na “Era Pulp”, na série de “Buck Rogers” (1928) Urano era descrito como tendo domos ambientais na superfície e robôs.

Stanley G. Weinbaum escreve “The Planet of Doubt” (1935), onde um nevoeiro perpétuo cobre o polo norte de Urano, e o casal de protagonistas luta contra a estranha fauna local.

“Umbriel” (1936), de Donald A. Wollheim, é tanto uma lua de Urano quanto o título de um conto ultracurto, onde lemos um relato de um astronauta que, ao ir reivindicá-la, acaba descobrindo que é o cadáver de algum monstro colossal vindo das profundezas do espaço, habitado por enormes vermes que devoram sua carcaça, ficando o alerta para que evitem a “lua” a todo o custo: o astronauta descobre evidência que os vermes têm mestres inteligentes, ocultos em algum lugar nas profundezas do monstro…


Urano, pelo telescópio espacial Hubble. Os pontos brilhantes na atmosfera são tempestades.

“Snowbank Orbit” (1962), de Fritz Lieber, utiliza a ideia de aerofrenagem na atmosfera de Urano por naves mudando de trajetória, fugindo de alienígenas.

Ramsey Campbell, autor lovecraftiano, em “Insects of Shaggai” (1964) descreve L’gy’hx (Urano) como sendo habitado por seres metálicos de formato cúbico com múltiplas pernas.

“First Contact?” (1971), de Hugh Walters, é sobre duas naves terrestres investigando sinais de rádio alienígenas vindos de Ariel, lua de Urano. Um alienígena é encontrado, mas as tripulações divergem sobre as intenções dele.

“Lunar Rainbow” (nome inglês, 1978), de S. I. Pavlov, conta sobre astronautas na lua Oberon que desenvolvem estranhos superpoderes, causados por micro-organismos alienígenas inteligentes de outro sistema solar.

Em “Blue Mars” (1997), por Kim Stanley Robinson, duas luas são citadas: Miranda e Titânia. Em Miranda, dois personagens a visitam, que é preservada pelos colonos do sistema uraniano como uma reserva natural. Em Titânia a colônia é descrita contando como humanos se adaptaram à luz local e baixa gravidade.

Geoffrey A. Landis escreve o conto “Into the Blue Abyss”, nele discutindo a busca de formas de vida em Urano, para sua coletânea “Impact Parameter and other Quantum Fictions” (2001).

“Dead Man Walking” (2007), de Paul McAuley, conta sobre um androide assassino em Ariel, descrita abrigando cidades, uma prisão-fazenda e uma colônia penal.


Capas de algumas publicações com histórias se referindo a Urano.

Netuno foi observado por telescópio em 23 de Setembro de 1846 por Johann Galle, após uma série de previsões matemáticas por Alexis Bouvard e Urbain Le Verrier baseadas em mudanças não esperadas na órbita de Urano, sugerindo a existência de alguma força gravitacional distante mais além que pudesse influenciá-la. Foi o primeiro planeta a ser descoberto dessa forma, em vez de observação óptica direta. O nome veio após certa indecisão que também envolveu uma disputa da autoria da descoberta do planeta, e o deus romano dos mares ganhou seu planeta.

Em outras culturas, variações do nome ou do conceito são utilizados: China, Japão, Vietnã e Coreia o tratam por “Estrela do Rei do Mar”, na Grécia é chamado “Poseidon” (afinal, é a versão helênica do mesmo deus), entre os Maori é “Tangaroa”, seu próprio deus do mar; entre os povos de língua asteca é “Tlāloccītlalli”, derivado de Tlāloc – deus da chuva, fertilidade do solo e água.

Netuno é o último dos gigantes gasosos e, até o momento, o último corpo chamado de planeta do sistema solar. Apresenta 14 luas (conhecidas até agora) ao seu redor e um sistema de anéis (bem mais fracos do que os de Saturno). É tão distante do Sol que um ano de Netuno equivale a quase 165 dos nossos, mas seu dia é mais curto do que o nosso, com pouco mais de 16 horas. Possui 1,14 vezes a nossa gravidade e tem quase 3,9 vezes o diâmetro da Terra.


Netuno, com a tempestade conhecida como a Grande Mancha Escura, e algumas de suas luas.

H. G. Wells escreve “The Star” em 1897, onde Netuno é destruído após colidir-se com outro corpo supermaciço que zera sua velocidade orbital, e os destroços caem em direção ao Sol, errando nosso mundo por pouco.

Na saga de Olaf Stapledon sobre a História futura da Humanidade, “Last and First Men” (1930), nossa espécie no futuro distante busca em Miranda, lua de Netuno, seu novo lar após a expansão do Sol ameaçar nosso planeta.

Um dos primeiros contos a respeito de Netuno é “Vanguard to Neptune” (1932), de J. M. Walsh, em que quatro raças diferentes disputam a posse do planeta.

Clark Ashton Smith, propõe em “The Family Tree of the Gods” (1944) que Netuno seja habitado por seres similares a fungos, chamando seu próprio mundo de Yaksh; dentro do “Cthulhu Mythos”.

“Nearly Neptune” (1969), de Hugh Walters, conta sobre uma tripulação em apuros após o incêndio dentro de sua nave, enquanto rumam ao oitavo planeta. É parte de sua série da “UNEXA” (United Nations Exploration Agency).

No filme “O Enigma do Horizonte” (1997), a ação é a bordo da Event Horizon – nave experimental que em 2047 faz o primeiro voo mais veloz que a luz da Humanidade – tendo como cenário de fundo Netuno, ao redor do qual está em órbita decadente.

Na história “Vainglory” (2012) de Alastair Reynolds, a lua de Netuno, Náiade, é propositalmente destruída para que o planeta possa contar com um magnífico sistema de anéis, substituindo os da vida real que se apresentam apenas em arcos, dado a ação da gravidade de uma das luas.


Cena do filme O Enigma do Horizonte, com uma tempestade em Netuno vista de órbita.

Por 74 anos, desde a sua descoberta em 1930 até a redefinição de “planeta” em 2006 (enquanto termo astronômico), Plutão foi considerado o nono planeta a partir do Sol. A literatura fantástica o tratou como tal por todo este período, e portanto ele está no artigo de hoje, na série dos Nossos Astros na Ficção Científica.

Devido ao seu tamanho diminuto (entre outros fatores), ele foi reclassificado para “planeta-anão”: tem menos de 1/5 do diâmetro da Terra e 2/3 do diâmetro de nossa Lua, o que não impediu de arranjar para si 5 luas (conhecidas), mesmo com sua baixa gravidade (0,06 da Terra). Seu dia equivale a mais de 6 dos nossos e o ano plutoniano leva 248 anos terrestres para completar, tamanha é sua distância do Sol. É um mundo de rochas e gelo, com uma atmosfera muito, muito tênue.


Foto da sonda New Horizons (2015): crepúsculo em Plutão.

Plutão foi descoberto de maneira similar a Netuno: observando-se perturbações na órbita do planeta anterior e calculando onde deveria estar a fonte dessas perturbações. Pesquisas ainda no Século 19 levaram a um esforço que culminaram em sua descoberta, confirmada no dia 13 de Março em 1930 por Clyde Tombaugh.

Seu nome veio por sugestão de uma menina de 11 anos, Venetia Burney, interessada em mitologia; cujo avô, bibliotecário aposentado da Universidade de Oxford, conseguiu passar a sugestão adiante. Entre outros nomes candidatos, ganhou Plutão – o deus do submundo greco-romano. O nome tinha ainda a vantagem de começar pelas letras P e L, iniciais do astrônomo Percival Lowell, que liderara uma extensa pesquisa para determinar o paradeiro do que chamava “Planeta X” duas décadas antes; assim determinando seu símbolo astronômico. Em outras culturas, a alusão do “deus do submundo/morte” é mantida, daí sendo chamado “Meiōsei” (japonês), “Whiro” (maori) e “Yama” (hindi), etc.

Plutão fez sucesso, na época: é dito que Walt Disney batiza o cachorro Pluto em homenagem, e o químico Glenn T. Seaborg chama de plutônio o novo elemento que ele ajuda a descobrir. Em tempos recentes, Plutão voltou a receber atenção da mídia, primeiro em 2006 pelos motivos acima, e depois pelas descobertas e fotos espetaculares da sonda New Horizons em 2015.

Na Ficção Científica, a primeira menção conhecida ao novo planeta é de 1931, “In Plutonian Depths”, de Stanton A. Cobletz.

H. P. Lovecraft escreve “Um Sussurro nas Trevas” (1931), em que Plutão é chamado Yuggoth, base para os alienígenas chamados Mi-Go. Lovecraft desenvolvia a história, quando Plutão foi descoberto.

“A Pirata Espacial” (1935), de Stanley G. Weinbaum, é onde piratas operam a partir de uma base em Plutão – a história é conhecida por descrever como é possível correr no vácuo durante algum tempo, em vez de morrer instantaneamente (não recomendamos que se procure tentar isso…).

“Pipeline to Pluto” (1945), de Murray Leinster, descreve uma linha de abastecimento interplanetária da Terra até o assentamento colonizador em Plutão de naves que partem diariamente. A história envolve um grupo de criminosos que ajuda fugitivos de forma geral a embarcarem clandestinamente, estes ignorando que, apesar de naves chegarem todos os dias em Plutão, é depois de uma viagem de dois anos.


Plutão e sua lua Caronte: antes (Hubble, 2010) e depois (New Horizons, 2015).

“The Secret of the Ninth Planet” (1959), de Donald A. Wollheim, conta sobre a origem extra-solar de Plutão e Caronte, sua maior lua.

“Guerra Sem Fim” (1974), de Joe Haldeman, mostra Plutão como uma base de treinamento militar.

Em “Inherit the Stars (1977), de James P. Hogan, Plutão e o cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter são o que restam de um antigo planeta destruído em uma guerra.

“Icehenge” (1984), de Kim Stanley Robinson, um misterioso monumento é encontrado no polo norte de Plutão.

“Goose Summer” (2001), de Stephen Baxter, conta sobre como criaturas similares a flocos de neves se reproduzem durante o periélio (aproximação máxima do Sol de um planeta em sua órbita) de Plutão, formando filamentos que “descem” de Caronte até a superfície do planeta. Sabe-se que Plutão e Caronte, devido à proximidade, por vezes formam um filamento atmosférico em comum, vencendo uma distância de 19.000 quilômetros.

Gregory Benford escreve “The Sunborn” (2006) e nos conta quando a primeira expedição enviada a Plutão encontra vida inteligente pelas praias do oceano de nitrogênio líquido, vivendo muito bem em temperaturas como 185o. C negativos – seres que são o fruto de experiências conduzidas por formas de vida magnéticas que vivem na heliopausa do sistema solar.

A topografia plutoniana recebeu nomes em homenagem a escritores de literatura fantástica e suas criações: assim, temos crateras chamadas Nemo (em homenagem a Júlio Verne) e Dorothy (de “O Mágico de Oz”, por L. Frank Baum), áreas chamadas Cthulhu Regio, Balrog Macula, etc.


Topografia informal de Plutão, com referências pop.

O tema dos Nossos Astros na Ficção Científica ainda não se esgotou: mas semana que vem faremos outra pausa, com mais um colunista convidado – a caçada vai começar!

Luiz Felipe Vasques

03/06/2019

Links Externos (em inglês):

https://en.wikipedia.org/wiki/Uranus
https://en.wikipedia.org/wiki/Uranus_in_fiction
https://en.wikipedia.org/wiki/Neptune
https://en.wikipedia.org/wiki/Neptune_in_fiction
https://en.wikipedia.org/wiki/Pluto
https://en.wikipedia.org/wiki/Pluto_in_fiction
http://www.sf-encyclopedia.com/entry/outer_planets
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Coluna do Astrônomo

Nossos Astros na Ficção Científica: Saturno


Saturno e seus anéis. A Divisão de Cassini aqui pode ser vista.

Na série dos Nossos Astros na FC, hoje falaremos de Saturno.

Saturno é o último planeta, em distância do Sol, visível ao olho nu e, portanto, conhecido desde a Antiguidade. Nas tradições da Ásia Oriental, os planetas eram associados aos Elementos, e Saturno era chamado “A Estrela da Terra” (a teoria dos Elementos no Oriente difere da Clássica, grega). Os hindus o tinham por Shani, juiz dos bons e maus feitos em vida. Sumérios e babilônios o associavam a Ninurta, deus da agricultura e da cura (mais tarde tornando-se também um deus da guerra); os gregos e romanos lhes deram os nomes de um mesmo titã, aliás pai de Júpiter: Cronos e Saturnus, que também presidia sobre a agricultura – e o Tempo.


Shani

Ninurta
Cronos/Saturno

O segundo maior planeta do sistema solar e o sexto a contar do Sol; assim como Júpiter, Saturno é um gigante gasoso e tem um séquito de dezenas de luas (62 com uma designação formal, mais inumeráveis outros pequenos satélites), encabeçado pela segunda maior do sistema solar, Titã (a honra de ser a maior cabe a Ganimede, em Júpiter. A nossa é a 5a no páreo), maior até do que o planeta Mercúrio. Mas nenhuma delas faz frente ao seu maravilhoso sistema de anéis, a marca registrada de Saturno. Todos estes ambientes serviram à literatura fantástica como cenários e referências em diversas obras.

“Micrómegas” (1752), por Voltaire, cita Saturno como ponto de viagem do personagem-título, um alienígena de um planeta ao redor da estrela Sirius. Lá ele faz amizade com um saturniano (seres de 1.800 metros, 72 sentidos e que viviam 15.000 anos) que decide viajar com Micrómegas, parando na Terra – onde se dá o comentário que Voltaire quer fazer da sociedade, por estes personagens.


Saturno e parte de sua Corte.

Saturno passou pelo mesmo processo que os demais planetas conheceram, com descrições de seu meio ambiente razoavelmente similares às da Terra, até que descobertas por uma tecnologia mais adequada revelassem sua verdadeira natureza e aspecto. Afinal, os planetas externos do sistema solar – contados de Júpiter em diante – são os mais distantes da Terra e de nossa capacidade de observação, sendo ainda os mais diferentes e, fatalmente, os mais misteriosos. Dentre os pioneiros da Astronomia que o estudaram, destaca-se Sir William Herschel, que determinou que os “braços” ao redor de Saturno eram anéis independentes, sem ligação material com o planeta e descobriu sua maior lua, Titã.

Sir Humphry Davy, em “Consolations in Travel” (1830), descreve gigantes habitando Saturno; o qual é apenas avistado a distância por Hector Servadac e seus companheiros em suas “Viagens e Aventuras Através do Mundo Solar” (1877), de Júlio Verne, livro que o descreve como tendo 8 luas e três anéis.

Clark Ashton Smith, amigo e colaborador de H. P. Lovecraft no que se convenciona hoje em dia por “Mythos de Cthulhu”, deu atenção a Saturno em algumas histórias, a partir do conto “The Door to Saturn” (1932), onde o mago da Era Hiboriana (a mesma de “Conan, o Bárbaro”) chamado Eibon foge para Cykranosh (Saturno), e a fauna e flora hostil, mais raças inteligentes dão vida a um mundo onde deuses de nomes impronunciáveis habitam.

Stanley G. Weinbaum, em “Flight on Titan” (1935), escreve sobre um casal da Terra lutando para sobreviver em uma paisagem desolada, fria e assolada por ventos em Titã.

Em “Os Manipuladores” (1951), de Robert Heinlein, agentes secretos americanos combatem parasitas alienígenas controladores de mentes vindos de Saturno, em uma obra sintonizada com a paranoia anti-comunista de época.

Buscando por autonomia, os colonos marcianos viajam até Saturno para adquirir em seus anéis toda a água que precisam, em “Nós, os Marcianos” (1953), de Isaac Asimov.

No livro de “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968), de Arthur C. Clarke, a Discovery originalmente ia para Saturno, e não Júpiter, como no filme de 69 e nas obras subsequentes. Clarke ainda descreve com detalhes, em “Terra Imperial” (1975), uma colônia humana em Titã.

Em “If the Stars Are Gods” (1977), de Gregory Benford e Gordon Eklund, é feito o primeiro contato com uma IA alienígena, espalhada pela superfície de Titã.


No polo norte de Saturno, uma grande tempestade gera um hexágono na atmosfera ao redor.

Japeto, uma lua de Saturno, é lembrada em obras como a de Kim Stanley Robinson “The Memory of Whiteness” (1985), onde ela é colonizada por descendentes do regime soviético na Terra que mantiveram lá um sistema comunista; enquanto que na trilogia “The Armageddon Inheritance” (1993), de David Weber, aliens genocidas procuram arremessá-la contra a Terra.

Em outra trilogia, “Night’s Dawn” (1996-1999) de Peter F. Hamilton, Saturno é o campo de reprodução e berçário de naves vivas.

“Accelerando” (2005), de Charles Stross, conta da Humanidade vivendo em cidades flutuando na atmosfera de Saturno.

“The Quiet War” (2008), de Paul J. McAuley, conta como a lua Encelado é um dos campos de batalha no Século 23, quando a Terra invade as colônias saturnianas.

Em “Saturn Run” (2015), de John Sanford e Ctein, americanos e chineses correm atrás de uma nave alienígena detectada ao redor de Saturno, em 2066.


Em foto da Missão Cassini-Huygens (1997-2017): os gêiseres de Encelado.

No presente momento, um interesse hipotético para uma futura colonização do sistema saturniano depende principalmente de luas como Titã, Encelado e Rhea. A primeira, pela farta presença de hidrocarbonetos, o que em geral é tido como um fator econômico a ser levado em conta; as demais, por apresentarem uma capa de gelo que pode estar cobrindo um oceano de água em estado líquido, fornecendo água para futuras colônias locais, sendo que ainda delas poderiam ser feitos entrepostos para abastecer missões aos demais planetas externos, dado que a cada órbita planetária amplia-se em muito a distância do Sol, resultando em viagens cada vez mais longas e demoradas.

E é para lá que vamos na semana que vem, quando a coluna volta com Urano, Netuno e Plutão na Ficção Científica.

Luiz Felipe Vasques

27/05/2019

Links Externos:

https://en.wikipedia.org/wiki/Saturn_in_fiction

https://en.wikipedia.org/wiki/Titan_(moon) http://www.sf-encyclopedia.com/entry/outer_planets