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O ALIENÍGENA LEU: A SORTE DOS GIRINOS (O Alienígena)

A Sorte dos Girinos (Quartet, 1999), de Carlos Eugênio Baptista (1960 – 2018), foi seu único romance. Ele foi mais conhecido por Patati, sendo roteirista e pesquisador de histórias em quadrinhos, um profundo conhecedor do campo, como abaixo podemos ver em seu blog.

O livro tem uma estrutura epistolar, baseando-se em cartas e diários para apresentar personagens e enredo, terminado em diários da personagem central, conforme a história finalmente alcança o tempo presente. Em 12 capítulos, os 10 primeiros são cartas de resposta a Janete, que procura por um certo Tadeu, entrando em contato com diversas pessoas para tal. Nas cartas, diversas pistas do que na verdade ocorre vão sendo apresentadas, enquanto muita nostalgia por parte dos remetentes é apresentada, envolvendo conhecidos em comum e alegres fatos de uma época, mesmo de uma cidade, que apesar de poucos anos antes, menos e menos se torna conhecida por seus habitantes. Nostalgia pura a princípio, é importante ressaltar que as cartas soam como se fossem realmente de pessoas diferentes, mudando o estilo a cada capítulo. Alguns mais formais, outros casuais, e pelo menos, um formatado em uma espécie de dialeto próximo, ou preferência pessoal. Ao longo de cada um, Tadeu vai sendo revelado, de mais um garoto, no meio da turma, que chegou meio que por último, até alguém único, inesquecível, adorado por todos, com uma ou outra excentricidade, que marcou as vidas de quem o conheceu.

O livro se passa em um Rio de Janeiro de 2040, onde enormes torres são construídas, descaracterizando velhos bairros e vizinhanças, e sendo habitadas apenas por estrangeiros vindos do hemisfério norte, como se nada fosse. Do garoto do passado curtido a esta inevitável mudança; temos intriga, tecnologia ilegal, ação e tiroteio, tribos urbanas e cultos esotéricos – o Rio 2040 de Patati é ainda uma cidade de beleza e do caos, cyberpunk cuja ambientação apenas lamentamos poder ver somente pistas e descrições indiretas (apenas os bairros da Ilha do Governador e de Fátima chegam a realmente participar, com menções ou passagens rápidas por alguns outros), janelas de ‘um lá fora’ que ocorre apenas quando evocado, em vez de uma explanação mais direta – melhor assim, por outro lado, pois sempre nos convida a preencher certas lacunas.

Apesar de tudo, é um livro com uma batida leve. A nostalgia, o carinho perdido, tudo isto ainda está conosco quando chega o clímax, as terríveis revelações e tudo o mais. E o estilo da narrativa, apesar de já àquela altura ser o de apenas da protagonista, ele próprio se transforma, mergulhando na poesia, apenas pelo apreciar da paisagem, reforça esta ideia – apesar de suspeitas minhas que a sanidade mental de Janete esteja por trás desta escolha. 😉

Mas ao contrário do que pode se esperar de uma obra cyberpunk, como já foi dito, tudo termina com uma aposta na esperança, no dever cumprido a recompensa, e que de alguma forma, assim como o Rio continua lindo, o Rio continua sendo, sempre haverá um amanhã bem-vindo, sempre um amor para continuar vivendo.

Luiz Felipe Vasques

07/11/2019

Originalmente em 6/08/2010

Links Externos:

Blog do Patati

http://enquantoisso-patati.blogspot.com/

Resenha original

https://blogdefc.blogspot.com/2010/08/sorte-dos-girinos.html
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Alexei Leonov (O Alienígena)


Alexei Leonov: pioneiro do espaço.

Alexei Arkhipovich Leonov nasceu em 30 de Maio de 1934 e faleceu dia 11 de Outubro último. Ele foi um piloto e general da antiga Força Aérea soviética, escritor, artista e cosmonauta.

É dele a primeira atividade extra-veicular, ou caminhada espacial: quando o cosmo/taiko/astronauta sai da segurança de sua nave e se expõe aos rigores do espaço, com seu traje espacial selado. Sem a tecnologia desenvolvida mais tarde que oferecia a possibilidade de propulsão, somente um cabo umbilical o conectava à cápsula Voskhod-2. Isso foi executado em 18 de março de 1965.


“Sobre o Mar Negro”

Nos 1960s, a ficção científica já era gênero estabelecido, e com a corrida espacial, era como se seus escritores antecipassem o futuro em alguns poucos anos: Gagarin havia ido ao espaço em 1957 e agora as duas superpotências competiam por feitos no espaço exterior. Até o fim da década, a Lua seria visitada e “2001 – Uma Odisseia no Espaço” estaria publicado e filmado, e a todos era óbvio que Marte seria alcançado pela Humanidade em coisa de dez anos, se tanto.


“Dentro de Uma Cratera Marciana”

O gênero também se diversificava nessa década, com a entrada de temáticas ligadas às ciências humanas e sociais em campo. Em 1965, Phillip K. Dick tinha seu “Os Três Estigmas de Palmer Eldritch” publicado, Harry Harrison publicava a sátira à Guerra do Vietnã “Bill, o Herói Galáctico”, e um dos marcos do gênero como um todo, falando de política, religião e civilização também era lançado: “Duna”, de Frank Herbert. Era a entrada da “new wave” da FC, com temas indo além de extrapolações antecipadas por autores com afinidades nas Ciências Exatas.

As telas ainda nos davam “Viagem Fantástica”, “Fahrenheit 451” e “O Planeta dos Macacos”, entre muitos outros.


“Em um Mundo com Dois Sóis”

Leonov teve a experiência, sentiu a inspiração e deu vazão pela técnica: pintor auto-didata, ele foi um raro caso de criador de “arte espacial” tendo uma vivência em primeira mão. Quando subiu ao espaço, levava lápis e um caderno, retratando o que via pelas escotilhas. As pinturas que vemos ao longo da coluna de hoje são de suas obras.


“Alvorada Cósmica”

Ele ainda contribuiu para a ficção científica ao co-escrever o roteiro do filme soviético “The Orion Loop” (1980), de Vasily Levin.

O próprio gênero lembrou-se dele: Arthur C. Clarke, ao escrever “2010 – Uma odisseia no espaço II” (1982), apresenta uma nave soviética que leva seu nome. 


Cosmonauta Alexei Leonov (“2010 – O Ano Em Que Faremos Contato”, 1986)

A similaridade de uma das imagens icônicas de “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (1968) com um quadro seu (abaixo) não lhe escapou, obtendo Clarke um desenho autografado mais tarde.


“Perto da Lua” (1967) e cena de “2001” (1968)

Dez anos depois, em julho de 1975, Leonov esteve em uma missão orbital de grande importância, quando uma cápsula soviética Soyuz e uma americana Apollo se encontraram em órbita, e seus ocupantes confraternizaram, executando um símbolo pela paz nos tempos de guerra fria e lutando por outros sonhos e inspirações, não menos importantes.


Artista e suas obras.

Nada mal, para quem teve um início modesto pintando flores em fogões ajudando com a renda da família.

Luiz Felipe Vasques

14/10/19

 Links Externos

Algumas de suas obras, a fonte das imagens de hoje:

https://www.rt.com/russia/470722-leonov-cosmonaut-paintings-space/

Wiki (em inglês) sobre Leonov:
https://en.wikipedia.org/wiki/Alexei_Leonov 

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O Alienígena Leu: Dieselpunk (O Alienígena)


Dieselpunk: porque carvão não é sujo o bastante.

Dieselpunk é um sub-gênero dentro da Ficção Científica que  se segue ao Steampunk, este focalizado na Era Vitoriana, a Revolução Industrial e seu impacto da tecnologia da época. Já o Dieselpunk atualiza a ideia, passando para o uso do petróleo e o motor a combustão, não mais carvão e suas caldeiras, como sendo a base da indústria, tudo em geral indo até a II Guerra Mundial. Dirigíveis, aviação, cinema mudo/em preto e branco, Belle Époque, as duas Guerras Mundiais, muito art deco, aviões à hélice – mas a nova era se anuncia, com mochilas-foguete e mesmo pistolas de raios: qualquer semelhança com o filme SkyCaptain and the World of Tomorrow não é mera coincidência.


Robôs gigantes invadem Nova York: chamando SkyCaptain!

Com 9 contos e quase 380 páginas, Dieselpunk – Arquivos confidenciais de uma bela época é um pequeno tijolo de literatura fantástica é uma “continuação temática” da coletânea steampunk da mesma Draco, em 2010, chamada Vaporpunk – Relatos steampunk publicados sob as ordens de Suas Majestades. Não li esta ainda, mas pelo resultado da Dieselpunk, fiquei realmente curioso para ler.

O nível das histórias é surpreendentemente… denso, para dizer o mínimo. Não se trata somente de literatura de entretenimento, como poderia se esperar, embora ação e aventura certamente estejam lá. Mas há, claramente, duas vertentes – em que nenhuma escolha pese para desmerecer uma ou outra, percebam, ou estancá-las de uma maneira binária: as histórias são ótimas –, uma puxando mais para o lado da ação e outra nem tanto. Um show à parte são as ambientações criadas para estas histórias, onde não só a tecnologia, mas a História e a sociedade divergiram bastante, também.

Modo geral, sem apontar dedos, parece-me que a tentação em mostrar ora a pesquisa feita, ora o trabalho de world-building, para que o leitor entenda e participe do tesão que foi montar estas histórias pode acabar por ameaçar o fruir do que é contado.

A Fúria do Escorpião Azul, de Carlos Orsi, abre o livro com uma história de ação e espionagem, com um protagonista-título nos moldes dos vingadores mascarados como o Sombra, Spyder, etc., que permeavam os folhetins americanos de 70-80 anos atrás. Passado em um Brasil onde a revolução comunista se deu, envolve pesquisas extra-sensoriais soviéticas e o sequestro de bebês… para fins inomináveis!

Grande G, de Tibor Moricz, fala sobre duas cidades imaginárias, uma movida a diesel e outra a vapor, em constante conflito, quase como imaginando as duas vertentes – steampunk e dieselpunk – dialogassem em maus termos.


Rocketeer, que também ganhou um filme.

Impávido Colosso, de Hugo Vera, conta uma história de guerra – tema inevitável para o gênero e o livro – entre Brasil e Argentina, com nuestros hermanos nos invadindo com exércitos de robôs teleguiados e nós resistindo com colossais robôs tripulados!

Cobra de Fogo, de Sid Castro, é dos meus favoritos. Em um mundo pós-Grande Guerra, os conflitos internacionais são mediados pela Liga das Nações, e resolvidos por corridas intercontinentais utilizando gigantescos veículos chamados locomotivas, capazes inclusive de voar à maneira dos ekroplanos. A história em si é sobre a disputa da Região Amazônica, reivindicada para ser uma área internacional pelos países, ponto contestado prontamente pelo Império Brasileiro. Cabe à tripulação da M’Boitata defender nossas cores. Eu não sei quanto aos demais leitores nem quanto ao autor, mas esta história de corrida intercontinental com carros estrambóticos e um pano de fundo político não me é mais nada senão que Speed Racer – e aqui, feita com carros-mamute! Sensacional! Destaque para o sombrio Primeiro-Ministro do Império, o Conde de São Borges… Getúlio Vargas.

O Dia em que Virgulino cortou o Rabo da Cobra Sem Fim com o Chuço Excomungado, de Octavio Aragão, aqui retrata um encontro que não houve na História: Virgulino Ferreira, mais conhecido como o rei do cangaço Lampião, e Luis Carlos Prestes, em plena marcha de sua Quinta Coluna. Estes dois e outros personagens históricos são apresentados, sendo que, até o encontro, pessoas e coisas estranhas acontecem, decidindo eventos que podem afetar o Brasil e o mundo.


Metrópolis (1927), de Fritz Lang: fonte de inspiração.

O País da Aviação, do organizador da coletânea Gerson Lodi-Ribeiro, é mais um de seus escritos de História Alternativa, partindo do princípio desta vez que o engenheiro norte-americano Robert Fulton, ao contrário da vida real, consegue vender seu motor a vapor para Napoleão Bonaparte, inaugurando uma nova fase da Marinha francesa décadas antes do suposto, mudando o destino da decisiva batalha de Trafalgar. A Hegemonia Europeia se estabelece, e expande-se pelas Américas. O conto salta pelas décadas do processo (contado em datas da Revolução Francesa), e em dado momento mostra o encontro dos Pais da Aviação: os irmãos Wright, Santos Dumont – e os menos conhecidos –, Otto Lilenthal e Karl Jatho sob uma mesma bandeira.

Ao perdedor, as baratas, de Luiz Antonio M. C. Costa, trabalha pelo lado da conspiração política, em um cenário histórico revirado ao avesso, em que no panorama ideológico mundial, consta um predomínio holandês, e não inglês, versus uma monarquia dos trópicos que se vê obrigada a aceitar a diversidade étnica e cultural – simbolizada em um casal inter-étnico de personagens, união repudiada ocultamente pelo protagonista, um agente secreto que irá causar um evento capaz de transformar o mundo. Filosofia, política, sociedade, Kafka e Lovecraft são discutidos ou apresentados na trama, montando um dos mais complexos cenários presentes no livro.

O Auto do Extermínio, de Cirilo S. Lemos também trabalha com monarquias claudicantes e conspirações políticas, loucura, espionagem, tiroteio, robôs e ação. É o fim dos dias de Dom Pedro III (baseado no Príncipe Pedro Augusto de Alcântara, personagem da vida real, retratado no livro O Príncipe Maldito – Loucura e Traição na Família Real, da historiadora Maria Lúcia del Priore), e o Brasil vive um clima tenso politicamente, com Integralistas de um lado e Socialistas do outro esquentando o panorama, à espera da apresentação do herdeiro real – uma possibilidade que ninguém deseja. É um conto muito interessante, com toques místicos envolvendo a loucura presciente do protagonista.


Mais SkyCaptain: frota de porta-aviões aéreos.

Só a morte te resgata, do português Jorge Candeias, talvez seja a mais madura das obras apresentadas. Levanta uma questão interessante: se o lar é onde está o coração, o que pode ocorrer quando seu coração não está em lugar algum? Encerrando o livro com um tom melancólico, apesar do mundo alternativo apresentado, conta a história de um piloto de biplanos de guerra, após sua unidade ter sido massacrada no meio do deserto, tentando voltar para casa, lançando mão de recursos pouco honrados, até o retorno. De certa forma, este retorno é tão solitário quanto seus voos.

Em suma ótima e criativa leitura. Parabéns aos envolvidos!

Luiz Felipe Vasques

21/01/2012

Links Externos:

O que é Dieselpunk?

https://pt.wikipedia.org/wiki/Dieselpunk

Resenha originalmente em:

https://blogdefc.blogspot.com/2012/01/dieselpunk-arquivos-confidenciais-de.html
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O Alienígena Leu: “The Godmakers” (O Alienígena)

Planos dentro de planos, psiquismo misturado com religião, uma ordem secreta de mulheres conspirando nos mais altos escalões da política, um ar ‘árabe’ permeando toda a estória – Duna? Não, The Godmakers.

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Escrito por Frank Herbert em 1972, sete anos depois de sua grande obra, Duna, o livro ostenta estas similaridades , levando-me a crer que, se não lhe for um tema recorrente (é o terceiro livro apenas que li de Herbert, além do já citado e de uma tentativa frustrada de ler sua primeira continuação, O Messias de Duna), talvez ele tenha sentido que não tinha dito tudo com essas fontes de inspiração.

As semelhanças, apesar de fortes, não impedem de revelar um livro de aventuras e mesmo de bom humor, algo que não sabia que Herbert era capaz – convenhamos, deve haver poucas obras mais sisudas do que Duna escritas na FC.

A história, em um futuro distante, gira ao redor de Lewis Orne, um agente do governo galáctico, recém-saído do treinamento, a serviço de uma agência oficial que investiga o clima psicológico de mundos perdidos da grande civilização, em geral com o contato perdido após guerras civis. Orne tem excepcional habilidade, um verdadeiro faro para o assunto, nas mais tênues pistas decifrando tramas e armadilhas em mundos humanos e mesmo alienígenas. É como se fosse um profiler de mundos.

Ao mesmo tempo, uma linha de eventos paralelos nos leva a Amel, um planeta onde todas as religiões e subseitas convivem sob a paz da Trégua Ecumênica, e os sacerdotes se empenham em uma atividade muito curiosa: a criação de um deus. Deuses não nascem, são criados, afinal de contas. E a forma de criá-los envolve todo um mumbo-jumbo místico-psíquico que os leitores de Duna já conhecem. Aliás, as notas de início de capítulo são um recurso já manjado, da mesma obra… e que funcionam muito bem também aqui, devo dizer. Mas tudo isto leva à criação de um deus, preconizado logo no início, e revelado nos episódios finais do livro.

Os desdobramentos do mumbo-jumbo talvez se devam à época em que foi escrito. Experiências sensoriais, drogas, misticismo, havia um quê a se acreditar que em algum ponto, isto tudo se conectava. É uma leitura bastante interessante, embora tenha que se prender à lógica própria do autor, para se seguir o raciocínio. E em falando de temas recorrentes do autor, política e sistemas de governo também têm seu papel no livro.

A história tem um trecho um pouco estranho, ao meu ver: a ida ao mundo em que a conspiração de mulheres que citei lá em cima seria apresentada aos leitores, através de investigações e desdobramentos, simplesmente é substituída já pela volta do personagem, direto para a CTI, onde fica longos meses à beira da morte, após um clímax fatal envolvendo a revelação da tal conspiração. Necessidades editoriais? Falta de paciência do autor? Era para ser assim mesmo? Não sei, mas que achei estranho, sim, achei.

De resto, tem um quê de aventuras espaciais antigas, onde o papel feminino ainda consegue ser mais estereotipado do que o masculino: apesar de toda a capacidade intelectual daquela que será o amor verdadeiro do protagonista, ela praticamente só surge para disto se ter certeza e se preocupar com a saúde deste, e em seguida sair da trama.

É um livro, no final das contas, interessante, apesar de momentos que achei irregulares. Serviu para conhecer um pouco mais da obra do autor. Na wikipedia, um brevíssimo artigo conta que este livro é uma espécie de interseção entre dois universos fictícios do personagem, o de Duna e o da CoSentiency, obra por mim desconhecida.

Foi uma companhia interessante.

26/09/19

Luiz Felipe Vasques
Links externos:

Wikipedia:
https://en.wikipedia.org/wiki/The_Godmakers_%28novel%29

Resenha em originalmente em:https://blogdefc.blogspot.com/2009/09/godmakers.html

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Coluna do Astrônomo

ASTRONOMIA, FICÇÃO CIENTÍFICA E O OLHAR (O Alienígena)


Galileu Galilei e sua luneta astronômica: janela para um mundo maior.

A observação dos astros, naturalmente, veio primeiro pelo olhar. Um olho nu, sem instrumentos, mas de alguém curioso, que percebia os ritmos do céu, fossem os mais óbvios, como os do Sol e da Lua, fossem os mais obscuros, como os dos planetas.

Procurando algum sentido, significaram de alguma forma o que viam com desenhos e até mesmo arquitetura, orientando dólmens, templos e outras construções de acordo com o solstício e outras datas que lhes pareceram importantes. Onde o sol toca? Ali será o santuário de um deus, com a luz canalizada por corredores e muros. Frestas e janelas para estrelas-chave serem vistas ao se levantar do horizonte, e outras características hoje estudadas pela Arqueoastronomia.


As Linhas de Nazca, Peru: mensagens do mundo para os deuses acima.

O mundo visto do alto, província dos deuses da Antiguidade, só foi possível com o desenvolvimento de balões. Os aeronautas pioneiros dos Séculos 18, 19 e 20 retrataram um mundo diferente. Santos-Dumont, antes dos aeroplanos, retrata o calmo e silencioso panorama visto do alto, em balões. Em seus livros, comenta como era simples decolar na França e cair, digamos, na Bélgica.

Um ponto de mudança para como vemos o mundo veio em 1946, quando os norte-americanos tiraram a primeira foto da Terra, vista do espaço. O foguete carregando a câmera e outros instrumentos científicos chegou a somente 105 km de altura, o suficiente para uma sequência de fotos que, juntas, davam uma ideia da curvatura da Terra.


Toda a Humanidade (menos três pessoas) na foto Earthrise (1968).

Yuri Gagarin, o primeiro ser humano em órbita da Terra (1957), proferiu uma singela frase, “A Terra é azul”. Não exatamente o mais rigoroso dos pareceres técnicos, nem sequer uma nova descoberta (por balão, décadas antes já se havia visto a predominância do azul dos oceanos) a rigor: mas uma deparação, uma exclamação, uma apreciação estética.

A missão Apollo 11 (completados 50 anos em Julho de 2019), que levou o ser Humano à Lua, não foi o primeiro voo tripulado a alcançar nosso satélite: em uma missão para provar que a travessia podia ser feita em segurança para seres humanos, ida e volta, a Apollo 8 levou os astronautas Frank Borman, Jim Lovell e William Anders para executar 10 órbitas ao redor da Lua pelo Natal de 1968. Carregavam uma câmera fotográfica, para tirar imagens da Lua. Dado momento, notaram a Terra sobre o horizonte lunar, produzindo uma série de fotos em preto e branco e a cores, em uma versão de melhor resolução do que a sonda automática americana Lunar Orbiter 1 havia produzido dois anos antes. O nome da foto foi Nascer da Terra (Earthrise).

Em 2008, sem maiores tambores, a descoberta de um planeta ao redor de uma outra estrela foi feita através de observação direta. Beta Pictoris b orbita a estrela-mãe a 63,4 anos-luz de distância de nós. Outros métodos de detecção de exoplanetas já haviam nos revelado mais deles por aí: a diferença agora é que foi a primeira vez que se tirou a fotografia de um outro planeta em outro sistema solar.


O exoplaneta Beta Pictoris b, em infravermelho.

Os antigos gregos acreditavam que os olhos projetavam uma luz com a qual os objetos eram então revelados. Dois titãs eram ligados, de alguma forma, ao poder da observação: Hyperion era “aquele que observa do alto”, e sua esposa, Thea, tinha poderes oraculares, ou seja, lançava um olhar para o futuro. Divindades celestes, ambos eram pais do Sol, da Lua e da Manhã – forças que ajudavam a iluminar as coisas, apesar da crença acima. Estamos falando de lançar o olhar.


Dos desenhos por Galileu da nossa Lua e as de Júpiter (1610)…

No filme “O Primeiro Homem” (2018), o Neil Armstrong de Ryan Gosling tenta, quando ele mesmo se interrompe, explicar que a importância da ida à Lua também passa pela mudança de ponto de vista, ou seja, mentalidade: a mesma que Santos-Dumont demonstrava ao resolver nunca patentar nada, desejando que as pessoas tivessem acesso ao voo. Ele acreditava que, ao conhecer gente de países distantes, pessoas descobririam que o que nos separa nem é tão profundo assim e, uma vez debelado o medo do desconhecido, as guerras terminariam. Ingênuo? Talvez. Errado? Jamais.

A palavra-chave então é mentalidade, proposta por um diferente ponto de vista. E o que é a história da astronomia e do voo espacial, desde a Lua vista por Galileu com sua luneta até fotos da Terra como algo único e diminuto, que 500 anos de história da mudança do ponto de vista?

Em boa parte pelo entusiasmo, porém também pela preocupação, escritores de Ficção Científica entenderam as possibilidades trazidas pelas novidades e o desenvolvimento científico e acompanharam esse novo ponto de vista, extrapolando a não-realidade, apresentando mundos sonhados antes por poucos e especulados por menos. Talvez essa seja sua grande contribuição: apresentar e popularizar novas maneiras de pensar, lançando olhares sobre um mundo que nunca foi, ou que talvez pudesse ser. E desse imaginar, fabulamos.


… ao buraco negro na galáxia Messier 87 (2019). 

Em Abril de 2019 pode ter surgido a mais recente das descobertas, cuja visualização pode gerar assombro e inspiração, ajudando a conhecer mais sobre a natureza do universo que habitamos e somos.

 A reconstituição por algoritmo – este, desenvolvido por uma equipe chefiada pela Dra. Katie Bouman – que traduziu para cores visíveis o buraco negro na galáxia M87 comprovou a existência dos mesmos, conforme teorizados por Karl Schwarzschild cem anos atrás; fenômenos com que a ficção científica imaginou por décadas. M87 está a 53 milhões de anos-luz de nós, significando que a luz obtida para essa reconstrução partiu de lá quando a extinção dos dinossauros já ocorrera havia dez milhões de anos.

Precisamos de imagens. Delas, ao imaginarmos e fabularmos, podemos compreender. O que é essencial para que possamos nos inspirar.


A Dra. Katie Bouman e o olhar que diz tudo.

Luiz Felipe Vasques

19/09/2019

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Pálido ponto azul, de Carl Sagan (dublado)

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WORLDBUILDING: ATHELGARD (O Alienígena)


O mundo fantástico de Athelgard.

Na medida em que a literatura fantástica brasileira se consolida, era de se esperar que viessem histórias mais ambiciosas, cujo enredo levasse leitores e autores a criarem mais. Essas demandas se beneficiam sempre de um cenário mais robusto, o que inevitavelmente acabaria por acontecer.

Um caso é o do mundo em Fantasia desenvolvido pela escritora e curadora de manuscritos da Biblioteca Nacional Ana Lúcia Merege. 

Ana desenvolveu a terra de Athelgard, onde se passa sua série de livros para que pudesse contar mais histórias, fosse dos eventos da trilogia central (“O Castelo das Águias”, “A Ilha dos Ossos” e “A Fonte Âmbar”) ou em momentos e regiões mais distantes (por exemplo, “O Tesouro dos Mares Gelados”).

Sem mais delongas, com a palavra, a autora.

* * *

De onde surgiu a inspiração para criar Athelgard? 


A trilogia que leva a história central de Athelgard.

De uma coisa podem ter certeza: como todo universo fantástico, o meu não surgiu do nada. Não passei nem perto de fazer o mesmo que Tolkien, criando raças e idiomas complexos, mas, como ele, segui algumas regras indispensáveis a criar um mundo verossímil, que fizesse sentido para o leitor: baseei-me em povos e eventos existentes e coerentes, não criei sociedades monolíticas, pensei na vida cotidiana e em como as tecnologias (e a Magia, claro) poderiam afetá-la. 

Falei em “sociedades”, no plural, pois é isso de fato. Athelgard não foi planejado como um universo, e sim construído a partir das várias cidades, florestas, territórios em que se passavam minhas histórias. Em outras palavras, trata-se de uma ilha-continente que comporta vários cenários criados em textos isolados. Como eu sempre gostei de fazer meus personagens se encontrarem, comecei a escrever crossovers, até que um dia percebi que os mundos de onde eles provinham eram todos microcosmos que podiam fazer parte de um todo maior.

No início eu iria basear esse universo no mito de Atlântida, tanto que existem um mar e uma ilha interior, mas depois mudei de ideia e passei a usar principalmente os mitos nórdicos. Testei várias possibilidades e acabei ficando com um universo em que os humanos se misturam a descendentes de elfos e vanires, os quais partiram de seus mundos antes do Ragna-Rok, a batalha final da Mitologia nórdica. Isso explica, a meu ver, o porquê de os elfos de Athelgard serem tão parecidos com humanos: é que eles não são elfos de verdade, mas sim seus descendentes mestiços. Encontre um elfo proveniente da Ilha Interior e leve o maior susto da sua vida, como aconteceu com Mael em “O Anel do Escorpião”!

Quando escrevi as primeiras histórias em Athelgard, ainda não tinha um mapa. Os lugares foram sendo acrescentados à medida que surgiam: os Penhascos Gelados, onde vive uma tribo élfica, o Clã da Raposa Branca; uma cidade de humanos chamada Siberlint; Bryke, uma colônia fundada por elfos vindos de uma das onze grandes cidades no sul, região que mais tarde eu denominaria Terras Férteis. Depois apareceu uma cidade menor, de nome inspirado na mitologia indiana: Vrindavahn, onde se desenrola a trama de “O Castelo das Águias”, mas que, no princípio, foi apenas o palco de uma das histórias que rascunhei para meu saltimbanco Cyprien de Pwilrie.


“Orlando e o Escudo da Coragem”, ganhador este ano em Narrativa Longa Juvenil, do I Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica.

Falando nele, é um personagem emblemático, que surgiu na tentativa de escrever um romance histórico; ele seria um trovador provençal, descendente de árabes. Não deu certo – as coisas que eu queria para o personagem ficariam anacrônicas na Europa do século XII –, mas, se ele estivesse num universo fantástico de características medievais, e não no cenário medieval “real”, não haveria problema. Assim, criei a cidade de Pwilrie, com características da França e da Ibéria pós-reconquista cristã, e o antes moçárabe Cyprien foi viver em Athelgard, embora tenha se recusado a permanecer na Escola de Artes Mágicas.

Já Anna de Bryke surgiu por volta de 2003 como uma contadora de histórias que, depois de várias viagens pelo norte, acabou se apaixonando por um mago. De repente me deu um estalo: que tal se esse cara estivesse na Escola de Magia que eu deixei lá atrás? Foi a partir daí que a história se desenrolou, e Anna de Bryke virou a protagonista de “O Castelo das Águias” juntamente com Kieran de Scyllix.

Hoje, muito tempo depois e com o mapa publicado, boa parte dos personagens já está em seu lugar. Já é possível ter uma cronologia mais ou menos segura dentro do arco de histórias do Castelo e também das histórias do Cyprien, que inclusive vão se cruzar mais tarde. O universo não está completamente mapeado, o que eu acho legal, pois isso significa que ele ainda se encontra em expansão – e, sendo assim, muitas histórias podem surgir quando e onde menos se espera. 

De tudo isso, o mais importante para mim é ter a convicção – e o testemunho dos leitores em suas resenhas, que confirma isso – de que, com todas as falhas que eu possa ter como escritora, Athelgard é um universo complexo, interessante, em que os personagens evoluem e as coisas se passam de maneira verossímil. Ou seja, as histórias são coerentes, embora de acordo com as regras daquele universo e não o com as do nosso. Acho que esse é um ponto fundamental para escrever boa Literatura Fantástica.

Ana Lúcia Merege

10/09/2019

***

Uma última nota: [o evento Feira de Literatura Fantástica inserir link https://fantasiabrasil.com.br/2019/08/16/marque-na-agenda-13-e-14-de-setembro/] ocorrerá nesta sexta-feira, 13 e amanhã, sábado, dia 14, no centro de Niterói, Praça da República, na Biblioteca Parque. No dia 14, estaremos eu e Ana Lúcia com nossas respectivas palestras às 10:00 – “Worldbuilding – Construção de Mundos de Fantasia e Ficção Científica” e às 12:00: “Duendes: O mundo feérico no folclore e na literatura de fantasia.” Ambas no Espaço Central da Biblioteca, térreo. 

Compareçam!

Links Externos:

Homepage oficial de O Castelo das Águias, com as ilustrações da coluna de hoje e mais informações sobre o mundo e os livros de Athelgard, além de acontecimentos e escritos em geral da autora.

https://castelodasaguias.blogspot.com

Ótimo artigo da autora detalhando mais seu processo:

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Coluna do Astrônomo

WORLDBUILDING: DRAGONRIDERS OF PERN (O Alienígena)


Alfa Sagitário III: o mundo de Pern.

Da autora americana Anne McCaffrey (1926 – 2011), a série “Dragonriders of Pern” foi iniciada em 1967, e por todo este tempo teve mais de 20 romances e vários contos, alguns dos livros sendo co-escritos com um ou outro de seus filhos. Ao todo, a autora 

A saga de Pern se dá sob tons de fantasia, embora seja ficção científica: de maneira engenhosa, a autora conseguiu pegar temas de fantasia e adotá-los sob uma ótica de ficção científica. Há quem classifique como um gênero híbrido, “science-fantasy”. 

Pern é como é chamado por seus colonos o terceiro planeta a partir de Alfa Sagitário, localizada aproximadamente a 182 anos-luz de nós. 


Alfa Sagitário (círculo vermelho), também chamada de Rukbat.

Ocorre que no sistema estelar de Pern, a “Estrela Vermelha”, um planetoide que cruza com sua órbita aproximadamente a cada 50 anos, arrasta consigo uma forma de vida sob a forma de fungos que, atraídos pelo campo gravitacional de Pern, acaba caindo no próprio planeta. Os “Fios”, como são chamados, devoram o que for de orgânico pela frente, e fogo é a melhor opção contra eles.

Sob esta ameaça, os colonos levam a orientar a tecnologia que dispõem para sobreviver, antes de mais nada, o que leva, assim como a redução dos sobreviventes, a uma queda na tecnologia e ciência como um todo, ainda que leve à descobertas e invenções próprias: e a mais marcante é a evolução guiada de uma raça similar a grandes lagartos nativa de Pern em dragões cuspidores de fogo, com inteligência desenvolvida e um elo telepático desde o nascimento com seus futuros cavaleiros.


Sim, nós temos dragões… científicos!

A sociedade é refeita em fortificações independentes mais ou menos isoladas, e seus governantes começam a ser chamados por títulos de nobreza, reinstaurando uma sociedade feudal, porém em um mundo de características próprias, tanto sociais quanto tecnológicas: telégrafos, lança-chamas e fertilizantes químicos podem ser encontrados, além da genética necessária para gerar dragões, que são tratados por especialistas que lembram haras ou canis, sempre tentando uma nova subvariação cruzando estes e aqueles indivíduos com tais e tais características.

Os romances abarcam gerações e épocas diferentes, com até séculos de História entre os livros; o que ainda ajuda a caracterizar essa obra como “romance planetário”, que a futuro discutiremos por aqui.

Tudo isso, e ainda mais, é explicado antes da história propriamente dita começar, nos livros da série, tentando familiarizar o leitor iniciante que, desavisado, tenha caído por aquelas páginas: e isso, hoje em dia, é tido como um erro.


Capas das edições da Argonauta dos romances de Pern.

Brandon Sanderson (autor conhecido no Brasil pela saga “Mistborn”), em um vídeo de suas aulas sobre escrita, falando sobre worldbuilding, conta que por uma época foi moda entre editores americanos de Fantasia e Ficção Científica dispor o equivalente dos Apêndices de “O Retorno do Rei” – descrições e detalhamentos históricos e culturais do cenário onde se passa a história – como prólogo, antes do relato em si. Isto logo se provou cansativo para a maioria dos leitores, querendo logo uma história. Hoje em dia isto é deixado para o texto e aos poucos, mas não deixo de imaginar que, para séries longas como essa, uma informação concentrada (esteja onde estiver) não seria bem-vinda para leitores novatos que caem de paraquedas em algum livro já adiante na cronologia: eu mesmo fui apresentado a esta série por “Moreta de Pern”, com a obra adiantada a tal ponto que a história se passa em um período anterior ao que já havia sido publicado.


Mais dos romances da Argonauta.

Dos 23 romances, dez deles saíram em português pela Colecção Argonautas, a coleção portuguesa de pockets que fãs de há algum tempo aqui no Brasil de FC e Fantasia bem conhecem.

Há tempos adaptações para as telas são discutidas, mas nada sólido até agora. Aguardemos, pois.

Semana que vem, um mundo construído de autoria brasileira.

Luiz Felipe Vasques

5/09/19

Links externos (em inglês):

Na wiki:

https://en.wikipedia.org/wiki/Dragonriders_of_Pern

Alfa Sagitário

https://en.wikipedia.org/wiki/Alpha_Sagittarii

Brandon Sanderson sobre worldbuilding. Há legendas em inglês automáticas, como tal têm que ser tidas com cuidado.

Relação dos livros, por ordem cronológica de seu mundo:

http://pernhome.com/pern/authors/anne-mccaffrey/
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Coluna do Astrônomo

WORLDBUILDING: DUNA (O Alienígena)


O norte de Duna.

Um mundo fundamental para o universo conhecido, pois de somente lá vem uma substância-chave, capaz de executar o voo interestelar mais veloz que a luz. Um planeta inóspito, de clima desértico, que testa os fiéis; agrupados em grupos tribais isolados, extraindo essa substância ao risco de sua própria vida pela presença de gigantescos vermes que vivem sob a areia do deserto, tudo para o lucro de nobres estrangeiros que governam o planeta e a manutenção de uma civilização que se espalha pelas estrelas.

E este é o cenário de uma das maiores sagas da ficção científica: “Duna” (1965), de Frank Herbert.

Duna é uma história singular. Quando ninguém falava em diversidade, e o futuro parecia uma versão agnóstica (na melhor das hipóteses) ultra-tecnológica do ethos Ocidental, Herbert falava de um mundo inspirado no Oriente Médio e Península Arábica, seja em visual, etnias, costumes e religião, em que ainda se pese o espírito de época dos anos 60, onde autores mesclavam poderes psíquicos, drogas e espiritualidade – e até mesmo divindade, no caso de “Duna”.


Shai-Hulud, o Avô do Deserto: que sua passagem purifique o mundo.

Politicamente, a situação ainda envolvia uma monarquia à frente deste autêntico império interestelar, com direito a Casas Nobres conspirando uma contra a outra, uma ordem semi-religiosa de mulheres com poderes psíquicos também conspirando por sua própria agenda, que inclui a criação de um messias genético que irá alcançar o próximo patamar de evolução da Humanidade. A criação se dará pela manipulação de certas linhagens de sangue, pertencentes a Casas Nobres-chave através de séculos, tendo como ápice as arquirrivais Atreides e Harkonnen, que é quando se dá o romance inicial. Mas, até lá, durante e depois, muita intriga política ocorre, um dos marcos de toda a saga.

Frank Herbert estudou cinco anos para escrever este, que foi logo seu primeiro livro. Tudo começou com um artigo nunca concluído para o Departamento Americano de Agricultura, sobre a utilização de vegetação específica para estabilizar dunas que potencialmente podiam engolir rodovias, infra-estrutura e mesmo cidades inteiras, em um processo contínuo de desertificação do ambiente. 

Como resultado, Duna provavelmente é o primeiro romance de FC que fala de ecologia (enquanto um sistema complexo, e não somente escassez): o cenário não está ali somente para figurar algum exotismo. Tudo – como, por exemplo, a importância da água – assume aspectos sociais e simbólicos importantes para a mentalidade envolvida dos personagens.

E temos, é claro, a especiaria – aquela pela qual o Império funciona. Não diferente do petróleo em nosso mundo. Herbert, nos anos 60, escrevia uma metáfora sobre a dependência e os custos no meio -ambiente com a exploração de petróleo, assim como povos desprivilegiados nas zonas de extração, joguetes dos poderes que o exploram. Há uma causa-e-consequência ecológica, política e social muito bem construída.

Herbert também desenvolve a História de 10.000 anos do universo, conforme se lê nos apêndices do primeiro livro; dando a impressão de um cenário consistente, o que só faz aumentar o envolvimento com a história. Imaginando quem seriam nossos descendentes daqui a milhares e milhares de anos, ele se utiliza não só de extrapolações das religiões de hoje, mas também de nomes de pessoas e lugares, dando um sentido que fique fácil para intuir e identificar sobre o que ou quem se trata, evitando uma possível alienação do leitor ao que foi criado, mesmo se passando tanto tempo no futuro.


Capas de edições de Duna, no Brasil: pela Nova Fronteira e as da editora Aleph.

Como muitas vezes na ficção científica, um planeta inventado orbita uma estrela existente. Sendo assim, Arrakis é o terceiro planeta a partir de Canopus, ou Alfa Carina, a 310 anos-luz da Terra – uma vizinhança fortuita para descobrir a tão essencial especiaria. Na época em que Herbert escreveu o romance, as estimativas da distância dela para nós variavam bastante, podendo estar entre 96 até 1.200 anos-luz.

Canopus é a segunda estrela mais brilhante nos céus do hemisfério sul, depois de Sirius. Está na bandeira do Brasil, onde ela representa o estado de Goiás.

Pelo reconhecimento da importância da obra, uma característica topográfica de Titã, a maior lua de Saturno, é a Arrakis Planitiae.


“De um relatório secreto interno da Guilda: ‘Quatro planetas nos chamaram a atenção…’”

“Duna” gerou diversas sequências literárias, cinco pelo próprio Frank Herbert; e mais tantas outras, de algumas décadas para cá, pelo filho de Frank Herbert, Brian, em parceria com o escritor e roteirista Kevin J. Anderson, mostrando aquele universo antes dos eventos do livro e sequências originais, tendo como base as notas de seu pai. 

Ainda gerou jogos eletrônicos, rpg e tabuleiro, além de duas mini-séries para a televisão. Mas sua adaptação mais famosa foi a do cinema em 1984, pelo cineasta David Lynch, em um resultado que não agradou a crítica e nem exatamente os fãs, mas, talvez pelos motivos errados, não deixou de impactar.

Assim como “O Senhor dos Anéis”, foi tido por muito tempo como muito difícil para se adaptar às telas. Lynch não foi o primeiro a querer adaptá-lo. Um projeto nos anos 70 não decolou, virando a base para o documentário “Duna de Jodorowsky”, idealizado pelo roteirista de HQ e cinema Alejandro Jodorowsky e que reunia nomes por trás das câmeras como H. R. Giger, Moebius e Salvador Dalí.


Opções de elenco nas três versões cinematográficas: a planejada nos anos 70, e as de 1984 e 2020.

Um novo filme de “Duna” está sendo realizado em Hollywood, com estreia prevista para 2020, sob a batuta de Denis Villeneuve (“A Chegada”, “Blade Runner 2049”). Vejamos se fará jus à história original, assim como ao fantástico cenário criado por Frank Herbert.

Hoje estivemos em Alfa Carina III. Próxima parada: Alfa Sagitário III.

Luiz Felipe Vasques

Rio, 28/08/2019

Links externos:

Site dos autores e responsáveis legais

Wiki do fandom:

https://dune.fandom.com/

Tolkien, Herbert e worldbuilding

Dos mesmos criadores do vídeo anterior, sobre os 3 alertas de Herbert em sua obra:

https://www.youtube.com/watch?v=4NYO7aoOOmk https://www.youtube.com/watch?v=C6_5dKRudiY

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Coluna do Astrônomo

H. P. LOVECRAFT (O Alienígena)


“Uma das maiores bênçãos do mundo, creio eu, é a incapacidade da mente humana em correlacionar todos os seus conhecimentos.” – H. P. Lovecraft (1890 – 1937)

Terça última, dia 20 de Agosto, Howard Phillips Lovecraft teria feito 129 anos.

Natural de Providence, estado americano de Rhode Island, teve sua região natal da Nova Inglaterra como cenário de várias de suas histórias.

Desde criança, Lovecraft demonstrou interesse por ciências, como química e astronomia, esta se tornando uma paixão. Na juventude, era um dedicado astrônomo amador, mantendo nos tempos de escola um jornalzinho de astronomia, com um professor. Era frequentador assíduo do Observatório Ladd, em sua cidade natal, e assinou diversos artigos sobre astronomia para jornais locais. Escrevia uma história envolvendo um planeta imaginário no sistema solar, quando a descoberta de Plutão foi anunciada: rapidamente o incluiu na história.

Mas também pelas letras, começando pela poesia, desde cedo. Entre suas influências literárias estão Edgar Allan Poe e Edgar R. Burroughs, além de Arthur Machen e Lord Dunsany.

O organizador da antologia “Tales of the Cthulhu Mythos” (Arkham House, 1984) nota que, se seguirmos a obra de Lovecraft cronologicamente ele começa no terror e o gótico e aos poucos migra para uma forma de ficção científica, que como gênero consolidava exatamente naquele período (o nome do gênero surgiu em 1928). Tomos mofados de conjuração de forças arcanas e cultistas de missas negras não mais invocam demônios, mas seres estranhos à própria realidade. Pela incapacidade de situá-lo, em geral o classificam como um dos precursores de weird fiction.


“A emoção mais antiga e mais forte da Humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte medo de todos é o medo do desconhecido.”

A ciência embarca como estranha forma de explicar o que continua sendo inexplicável, fantasmas e demônios clássicos se tornam seres alienígenas no mais distante e distorcido senso que ele consegue descrever, a arqueologia levanta a descoberta de cidades e templos remontando a milhões e milhões de anos, bem antes até da vida como a conhecemos – que dirá a Humanidade – existir na Terra. 

Em Lovecraft, a fonte de horror mantém um pé mínimo na materialidade, mas só. A ideia é que o que concebemos como real, e ao que se referem tanto os valores da sociedade quanto os fatos científicos são apenas uma ilusão gerada por nossas mentes para nos protegermos: pois se estivéssemos face a face com a Realidade titânica, cósmica e incompreensível, na melhor das hipóteses indiferentes a nós, na pior delas conspirando contra, nós simplesmente enlouqueceríamos.

Lovecraft começou a atrair outros autores que, como ele, publicavam no circuito de revistas pulp, as publicações de papel barato com literatura de consumo e descarte: horror, espionagem, aventuras na selva, policial, e… ficção científica, ou o aquilo que ela vinha se tornando; na época a se destacar a Weird Tales Magazine. 

No “Círculo Lovecraftiano” estava Robert E. Howard, o criador de Conan, o Bárbaro. Ambos chegaram a citar elementos da obra um do outro nas respectivas histórias, como o Povo-Serpente ou os deuses Pai Dagon e Mãe Hydra. Os autores do Círculo trocavam ideias constantemente entre si, gerando farta correspondência. Lovecraft estimulava que usassem suas ideias, sem problema algum, quase como um “open source” antes do tempo.


“Em sua casa em R’lyeh, Cthulhu, morto, espera sonhando.”

Entretanto, suas histórias começaram a fazer sucesso nos anos 1960, trinta anos depois de sua morte. Pode ser que Lovecraft o autor de literatura fantástica mais influente do Século XX, superado por J. R. R. Tolkien. Seu novo jeito de ver as coisas e os temas a partir daí propostos transcenderam a literatura, indo para o universo dos RPGs, boardgames, games, quadrinhos e cinema, algumas vezes como adaptações diretas, outras diversas vezes como referência ou inspiração. Vários criadores de peso o têm como influência maior, bastando citar três gigantes em suas áreas: Guillermo del Toro (cinema), Mike Mignolla (quadrinhos) e Stephen King (literatura), este inclusive que também elege a Nova Inglaterra como cenário de suas histórias. Jorge Luis Borges apreciava, dedicando-lhe o conto “There are more things”. Suas ideias atraíram um círculo de escritores que, com ele, brincavam com seus elementos de terror e ficção científica, desenvolvendo uma informal porém reconhecível “literatura lovecraftiana”, dentro do tema e do estilo.


A Grande Raça de Yith e os Mi-Go: a busca de conhecimento por grandes e frios intelectos de alienígenas no maior sentido da palavra.

Em vida, não conheceu a fama e o sucesso que suas histórias tiveram mais tarde, falecendo de câncer aos 46 anos, depois de uma série de revezes financeiros ao longo de sua vida.

Sua obra é conhecida do público brasileiro há décadas, desde os tempos da saudosa Francisco Alves, e depois que entrou em domínio público alguns anos atrás, tornou-se mais fácil de encontrar entre as variadas editoras que o publicam no Brasil.

De minha recomendação, seu livro “O Horror Sobrenatural em Literatura”, em que discorre sobre… bem, o que está no título, no mínimo é ótima fonte de referências para quem deseja conhecer dicas de nomes e obras. Das novelas e contos, “Nas Montanhas da Loucura”, as histórias passadas nas Dreamlands e minha favorita, “Uma Sombra Fora do Tempo”.

Fica uma nota discricionária aos interessados: Lovecraft tinha uma postura xenofóbica e racista, refletida em seus escritos, o que é lamentável sob o aspecto que se queira ver. Infelizmente, obra e autor não conseguiram transcender o tempo e o espaço da maneira que os panoramas e vistas propiciados por sua poderosa imaginação conseguiam, sendo produtos de sua própria época e contexto.

Luiz Felipe Vasques

Rio, 21/08/2019

LINKS EXTERNOS

H. P. Lovecraft na Wikipedia

https://en.wikipedia.org/wiki/H._P._Lovecraft

H. P. Lovecraft Archive

http://www.hplovecraft.com/

Lovecraft, Howard e a Weird Tales Magazine (legendas em inglês).

Mundo Tentacular – blog lovecraftiano brasileiro de Luciano Paulo Giehl, com bastante conteúdo, entre notícias, RPG, e estranhezas gerais.

http://mundotentacular.blogspot.com/
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Coluna do Astrônomo

WORLDBUILDING: A TERRA MÉDIA (O Alienígena)


Mundo em obras: mapa comentado da Terra Média entre Tolkien e a ilustradora Pauline Baynes.

Worldbuilding é o termo em inglês pra designar a prática da construção de mundos em narrativas fantásticas. Os exemplos mais antigos remontam à literatura, mas hoje em dia em entretenimento podemos ter ideia dele em qualquer mídia.

É a construção do cenário onde uma história se passa. Esse cenário pode ser topográfico, mas também histórico – e político, etnográfico, filológico, cosmogônico, tudo a depender tanto do envolvimento pessoal dos criadores quanto às necessidades finais junto ao público a que se destina. Se a história é como se fosse uma ou mais estradas por onde passam os personagens, da primeira à última página, o worldbuilding é como se fosse a paisagem que se vê ao fundo – o que NÃO significa que seja algo meramente decorativo: é, antes, algo que dá consistência ao mundo inventado, lançando alicerces profundos para construções mais significativas, em produtos posteriores mesmo em outras mídias.

O grande exemplo de construção de mundos em narrativas fantásticas que se possa pensar é a Terra Média de J. R. R. Tolkien, cenário para a trilogia de “O Senhor dos Anéis” (1954 – 1955), “O Hobbit” (1937) e outras obras.

Tolkien era um acadêmico, filólogo, profundo conhecedor da língua inglesa. Traduziu “A Saga de Beowulf”, poema épico no Inglês Antigo (início da Idade Média) para o moderno, sendo expoente da crítica literária acadêmica.

Dos idiomas e mitos antigos que a Terra Média se formou, e muito do que ocorre antes e ao redor do que está escrito nos livros citados, pode ser encontrado em uma obra póstuma: “O Silmarillion” (1977), editada por seu filho Christopher Tolkien com ajuda de Guy Gavriel Kay. “O Silmarillion” apresenta, daquele universo, a criação do mundo (cosmogonia), dos povos (antropogonia) através de uma narrativa de mito de criação (mitopoética); com seu próprio deus originador iniciando tudo com uma canção. Ele criou outros seres que ajudassem nesta canção primordial, e como um destes seres quis também criar algo próprio – e com o orgulho, a queda. Temos a história dos povos humanos, dos elfos e anões, as terríveis guerras que antecederam as duas primeiras Eras (os eventos de “O Senhor dos Anéis” se passam no fim da Terceira Era – depois do surgimento do Sol, bem entendido…), suas proezas heroicas à altura de desafios e oponentes terríveis, em um tom que dá a entender que tudo começa no mais épico e mítico possível até se tornar o mais material e mundano, ao longo de milhares de anos. Não bastasse os Apêndices ao fim do terceiro livro de “O Senhor dos Anéis”, “O Retorno do Rei”, com suas linhagens reais, idiomas, calendários, notas e histórias diversas.


The Return of the Shadow, The Treason of Isengard e The War of the Ring: títulos que nunca o foram.

Há também os 12 volumes póstumos de “The History of Middle-Earth” (1983 – 1996), porém falando sobre o processo criativo de Tolkien em si – há muitas versões escritas abandonadas, por exemplo –, em vez do que há na obra final.

Alguns poderão achar que tudo isso é um grande exagero, para o aproveitamento final que foi. Mas como foi dito acima, é uma questão de grau de envolvimento pessoal do autor, antes de mais nada: e quantas pessoas mais se viram fascinadas pelas possibilidades levantadas só nos já citados Apêndices, e quanta inspiração não é providenciada somente pelo grau de organização e detalhamento por trás da Terra Média? Quantas imagens nos surgem a cada parágrafo do “Silmarillion”, incitando a desejar poder ver mais, conhecer detalhes, ler uma história completa daquilo que estes parágrafos apenas resumem ou sugerem?


A Terra-Média vista do espaço, via Outerra Game Engine. 

A Terra Média não foi o primeiro, nem o único caso de worldbuilding. Mas, até agora, é o mais impressionante, pela profundidade, coerência e o quão evocativo nos consegue ser. Ainda veremos mais sobre o assunto, assim como casos e características do tema.

Luiz Felipe Vasques

Rio, 14/08/2019

Links externos:

Tolkien Gateway

http://tolkiengateway.net

Enciclopédia de Arda

http://www.glyphweb.com/arda/

Valinor

https://www.valinor.com.br/

Outerra

http://www.outerra.com/wfeatures.html