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A influência árabe nos nomes das estrelas

Todos os anos, nas noites quentes de verão do hemisfério sul, uma das constelações mais conhecidas dos brasileiros se destaca no céu. Trata-se da constelação do Órion, que é facilmente encontrada no céu, graças ao quadrilátero formado por quatro estrelas bem brilhantes. O conjunto é completado por três estrelas alinhadas na região central do quadrilátero: são as “Três Marias”, um dos asterismos mais famosos no mundo inteiro. A imagem abaixo apresenta o nome das principais estrelas.

Como você já deve ter percebido na imagem acima, vários nomes soam bem estranhos para um ouvido ocidental. São alguns dos muitos casos de estrelas que têm nomes de origem árabe.

A transmissão dos nomes árabes das estrelas se deu por duas vias: uma foi a tradução de obras astronômicas gregas para o árabe, com posterior tradução do árabe para o latim e o espanhol antigo; e a segunda com a chegada dos astrolábios aos centros de saber da Europa Medieval.

A proximidade do mundo islâmico com a China, possibilitou a chegada do papel na península arábica no século 8, facilitando a transmissão de ideias, filosofias e ciências em geral, por meio dos manuscritos. Este movimento mostrou-se decisivo, não somente para o desenvolvimento da ciência islâmica medieval, mas também na construção das bases da ciência moderna na Europa Renascentista.

O poder do papel na disseminação da Astronomia árabe é indiscutível, e os nomes das estrelas estão aí para não nos deixar esquecer. Graças ao papel (e ao astrolábio), sabemos que um dos grupos de estrelas mais conhecidos dos brasileiros – as “Três Marias” -, é formado por três estrelas que não se chamam Maria, Maria e Maria. Mas Alnitak, Alnilam e Mintaka, nomes de origem árabe.

Nomes indígenas árabes

Quem acha que navegar pelas estrelas é uma arte circunscrita aos marinheiros, está muito enganado. Os habitantes da península arábica se valiam dos astros para realizar suas viagens pelo deserto, e por isso, várias estrelas e conjuntos de estrelas, foram nomeados pelos povos nômades. Assim, vários nomes modernos das estrelas são verdadeiramente árabes, pois eram usados pelas tribos árabes muito antes de qualquer contato com a ciência grega. É o caso de Adhara, Almach, Alphard e Aldebarã (seguidor das Plêiades), que era usado tanto para o aglomerado das Hyades, como para a estrela alfa do Touro.

A Grécia chega ao Islã

A mais importante obra de Astronomia da antiguidade clássica é o Almagesto, do astrônomo Ptolomeu. Escrita no século 2, é uma valiosa síntese do conhecimento astronômico da civilização grega. Os modelos planetários contidos no Almagesto influenciaram decisivamente a Astronomia até o século 16. Essa obra foi preservada graças ao esforço hercúleo de tradução das obras clássicas que ocorreu no mundo islâmico, entre os séculos 8 e 10, durante a dinastia Abássida.

Além de modelos matemáticos para os movimentos dos planetas, o Almagesto continha uma seção com um grande catálogo estelar contendo 1.025 estrelas agrupadas em 48 constelações. Cada estrela era acompanhada de suas coordenadas, magnitude e de sua localização na constelação. Por exemplo, a descrição para a estrela alfa da constelação do Peixe Austral era: “aquela na boca do peixe, que é idêntica àquela no começo da água”.

Se passaram quase 800 anos até que o catálogo de Ptolomeu fosse finalmente estudado e revisado de maneira crítica, pelo astrônomo Abu Hussayn Abd al-Rahman ibn Umar al-Sufi. Nascido na Pérsia, al-Sufi (903-986) passou a maior parte da vida por lá. Mas apesar disso, seguindo o costume da época, escreveu seus tratados em árabe. Dentre seus vários trabalhos sobre Astronomia, astrologia e matemática, o mais marcante e ilustre, é o “Livro das Estrelas Fixas”, que teve como modelo o Almagesto. As descrições de localização das estrelas foram traduzidas do grego para o árabe, sendo frequentemente abreviadas para nomear as estrelas. Assim, temos o árabe Fomalhaut, “a boca do peixe”, emprestado da mencionada descrição de Ptolomeu para a estrela alfa do Peixe Austral. É o caso das estrelas Achernar, Algenib, Algol e Marfik.

O Livro das Estrelas Fixas é hoje uma referência de considerável relevância histórica. É uma contribuição genuinamente islâmica ao conhecimento das estrelas; apresenta uma revisão e correção de muitos dados de Ptolomeu; é uma tentativa de coletar e identificar um grande número de nomes árabes indígenas antigos; além disso, por meio de suas ilustrações, se estabeleceu uma tipologia padrão das imagens das constelações. É um verdadeiro manual das constelações, que se tornou dominante e influente por vários séculos, tanto no mundo islâmico como na Europa.

Constelação de Órion no “Livro das Estrelas Fixas” de al-Sufi. Manuscrito datado de 1009-1010 – Bodleian Library MS. Marsh 144.

Impacto na Europa Cristã

A Europa tomou conhecimento do Livro das Estrelas Fixas por tantas vias, que é difícil concluir qual a dominante, se é que houve uma. O que temos certeza é que cada uma delas teve seu papel na disseminação da obra de al-Sufi, e portanto, dos nomes árabes de diversas estrelas.

As primeiras traduções do árabe para o latim datam do século 12, formando o chamado “corpo latino” de al-Sufi, composto de inúmeros manuscritos propagando o uso de nomes árabes para estrelas. No século 13 o rei Alfonso X de Castela reuniu em sua corte sábios cristãos e judeus, que compuseram uma coleção de monografias astronômicas, que foram reunidas num grande manual conhecido como “Libros del saber”. Na parte dedicada às estrelas, foram incluídos muitos dos nomes árabes indígenas mencionados por al-Sufi.

No século 12 al-Sufi passou a ser conhecido em alguns círculos por “Azophi”, graças ao astrônomo judeu Ibn Ezra, cuja obra astronômica ficou famosa na Europa medieval.

Curiosamente um responsável de peso pela disseminação da obra de al-Sufi não era astrônomo. Trata-se do artista alemão Albrecht Dürer (1471-1528), que dentre diversos dons, possuía os da pintura e gravura. Com o auxílio de um astrônomo, publicou em Nuremberg, no ano de 1515, a primeira carta celeste impressa na Europa. Nos quatro cantos do mapa norte, Dürer retratou quatro astrônomos que fizeram contribuições fundamentais para o conhecimento das estrelas. No canto direito inferior, encontramos “Azophi Arabus”, certamente influenciado pela obra de Ibn Ezra e pelas traduções para o latim.

Carta celeste de Albrecht Dürer. No canto inferior direito, o artista fez uma homenagem ao astrônomo persa (Azophi Arabus).

No século 16 os nomes das estrelas ganharam status, se transformando em objeto de estudo de filologistas e linguistas ocidentais. Um importante trabalho foi realizado na Universidade de Oxford, dando ainda mais visibilidade ao trabalho de al-Sufi. Trata-se da publicação da edição comentada do catálogo do astrônomo persa Ulugh Begh (1394-1449), por Thomas Hyde em 1665. O comentário de Hyde foi muito influente entre os astrônomos modernos, servindo de fonte de consulta sobre nomes árabes (tanto indígenas, como tradução do grego).

Após Dürer, vários autores fizeram uso dos dados do então popularizado Azophi. Pode-se dizer que mencionar Azophi conferia status aos mapas estelares produzidos.

O astrônomo e padre jesuíta Giovanni Battista Riccioli (1598-1671) tinha noção da importância do astrônomo persa. Em 1661 publicou o primeiro mapa detalhado da Lua na obra “Almagestum Novum”. Ao nomear crateras e outras características lunares, deu o nome Azophi a uma delas. Mais tarde, Azophi foi adotado na nomenclatura oficial internacional da Lua.

Mapa lunar de Riccioli. A seta verde indica a cratera Azophi.

Graças a essa homenagem, al-Sufi (ou Azophi) será mencionado entre astrônomos por muito tempo, assim como os nomes árabes de estrelas, que ele ajudou a eternizar.

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